Blog - Página 91 de 94 - IberCultura Viva
Rede Latino-americana de Arte e Transformação Social: 15 proposições para o debate
Em 08, jan 2016 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura
1.Somos grupos e organizações sociais que trabalhamos em arte e transformação social na América Latina. Mulheres e homens artistas, educadores, comunicadores e técnicos que, ao longo de todo o continente, participam de iniciativas e projetos que combinam criação estética e política em um mesmo movimento; um gesto irreverente que busca a equidade, a beleza e a democracia, com crianças, jovens e adultos, na montanha, no campo e nas cidades.
2.Nossa tarefa se desdobra em um continente maravilhoso e desafiante, ainda que profundamente ferido. Maravilhoso em sua multiplicidade cultural, étnica e natural, no caudal criativo de suas multidões, na inesgotável variedade de suas “artes populares” e no talento de sua gente, no sempre aberto redemoinho de suas identidades buscando no destino comum, a própria visão frente ao universo. Mas ferido por abismos irracionais de desigualdade, de fome e de violência; pelo desperdício cotidiano da energia de gerações inteiras, pelo autoritarismo e a cegueira de sistemas políticos e econômicos incapazes de recuperar, proteger e orientar a vida.
3.Nosso lugar, esta América Latina que nos enamora, tem um romance apaixonado com a arte, os símbolos, as cores e os sons. Por aqui e por ali florescem (e resistem) culturas grandes, medianas e pequenas, todas desafiantes e vitais. Mestiçagens poderosas que fecundaram uma arte que tem servido tanto para celebrar o futuro e a autoafirmação, como para fazer o duelo e a memória das tragédias e a morte. Murais, blocos, festividades, teatro popular e itinerante, cine, dança, música e palavras têm andado de mãos dadas num caminho paciente, muitas vezes violento e sempre incessante em direção à construção do próprio destino num mundo em mudança, com experiências populares econômicas, políticas e sociais tão audazes como suas criações artísticas. A desmesura latino-americana é, sem dúvida, nosso maior poder.
4. A arte tem sido e é nossa maneira de nos encontrar com o mundo e transformá-lo. A arte nos mostra a comunidade humana em sua capacidade de criar formas e símbolos que buscam a emoção e a compartilham, em um processo multidimensional em que todos mudamos junto com a realidade. A arte, presente na história como uma ferramenta rudimentar e inicial de nossa espécie, é um ponto luminoso da evolução e da transformação do homem e do universo. É a prova de que, sempre, outro mundo é possível.
5.Por isso sentimos estéreis, neste campo, todas as variantes do elitismo e do individualismo. Muito antes de que determinados indivíduos ou grupos pudessem tomar profissionalmente o nome de “artistas” e criar, entre outras coisas, “obras” passíveis de serem convertidas em “mercadorias”, os “fatos artísticos”, transformadores da interpretação do mundo, e portanto, criadores de novas realidades, são criados pela comunidade humana, pelas relações sociais, em sua capacidade de gerar símbolos e relatos. Afinal, o que chamamos “obra de arte” é nada mais (e nada menos) que uma peça jogada no tabuleiro do fato artístico. Este último é uma construção social, mas nem por isso está “fora” da arte e, neste sentido, os que o fazem também podem (e devem) ser chamados, com justiça, “artistas”. As coisas não começam onde o Poder diz que começam; por isso podem terminar onde o Poder não quer que terminem.
6.A arte nos enamora desde o gesto inicial da expressão: o milagre de poder desenhar e realizar a chegada de uma nova emoção entre as pessoas. Por isso acreditamos também que se trata de um processo transformador e educativo em si mesmo. Ainda que se possa utilizar recursos “artísticos” para compartilhar experiências de aprendizagem no campo da saúde, do emprego ou da física subatômica, não é esta a contribuição distintiva da arte na produção de conhecimento, seu lugar insubstituível no que entendemos por educação e aprendizagem. Em nossa experiência, criar e compartilhar a emoção da arte é, em si, a abertura de uma fase distinta na relação entre as pessoas, em que a transformação própria e a do mundo sejam consideradas parte de um jogo orientado pelo conhecimento humano e coletivo, num salto para o futuro, para o impossível, intrinsecamente educativo.
7.Essa aposta, esse ato lúdico e gozoso presente no primeiro gesto da arte, é o que o converte em motor privilegiado do desenvolvimento pessoal e grupal, afetivo e profissional de milhões de garotos, jovens, adultos e avós de nosso continente. E, como numa cascata audaz, o fermento viaja no interior de suas criações, abre outras capilaridades e desata mais “aberturas” na consciência de outras pessoas e grupos. O conhecimento que navega pela arte tem uma característica: se contagia na emoção.
8.Por isso a arte vai se convertendo cotidianamente, também, em nossa melhor maneira de provocar a sociedade. De comovê-la, escandalizá-la, refrescá-la e querê-la. Com mistérios, lendas, perguntas e ritos, a comunidade humana cria mundos para voltar a interrogar-se: Este planeta é o amor de nossas vidas? Como? E faz essa pergunta com muito mais que a “denúncia” ou o “discurso das vítimas”. A arte, concebida como produção social de liberdade, como manifestação do poder humano, prefigura sempre uma sociedade mais justa, solidária e democrática.
9.Na feitura de suas ferramentas, nossos grupos, as pessoas que assumem este desafio, costumam começar buscando as fontes da energia que necessitam. E a encontram em si mesmos e no que os rodeia. Aí é que a categoria de “identidade” revela sua densidade e seu colorido. As múltiplas identidades que nutrem este continente (urbanas, étnicas, de gênero, organizacionais, etc.) vão formando a trama de um futuro possível; suas nervuras e fluxos de vida robustecem o desdobrar de uma novidade compartilhada, na medida em que buscamos e articulamos os novos mecanismos de encontro e capacidade de ação. Onde, senão na arte, as identidades mostram seus rasgos generosos? Em sua órbita se expõem, se mesclam, se dividem e se recriam em relação com o mundo.
10.Por isso se torna imprescindível introduzir o problema de nossas metodologias. Quais são as chaves metodológicas destes cruzamentos entre a dinâmica da criação artística e os caminhos da transformação social? Nossas experiências partem de uma primeira verificação, a de que os processos estéticos criativos e participativos produzem em si novas modalidades do fato artístico, quase sempre ligadas, em escalas diferentes, a transformações políticas e sociais. Verificamos isso em experiências protagonizadas por crianças, jovens, adultos, povos originários, anciãos, camponeses, loucos, presos, desocupados, dirigentes, meninos de rua ou mineiros. Em um processo artístico, criativo e participativo, o final do caminho sempre nos encontra mais livres, mais capazes e mais fortes.
11.Também sentimos que essas experiências transitam “tateando” em um terreno às vezes hostil, despojado de categorias, indicadores e paradigmas que possam dar conta da riqueza em desenvolvimento. Nos falta ainda construir a engenharia metodológica capaz de assumir o conhecimento que desdobra a nova criação e de projetá-la para outras comunidades humanas ou outras metas do conhecimento e da transformação que necessitamos. Porque o potencial que flui nos interpela, e sabemos que o novo passo nos pede um salto de sistematicidade, profissionalização, rigor conceitual, competência e qualidade. Não só pela solidez e pela vitalidade de nossas próprias experiências, e sim por sua capacidade de transformação política. A academia, os sistemas institucionais, o Estado, as ciências sociais e as estruturas de hierarquização da indústria cultural devem assumir as dimensões e ramificações da crise que atravessamos. E, neste contexto, nossas vozes (as da arte e da transformação social) podem alterar o desenho de um tabuleiro em que se jogam muitas coisas. Também por este território transita a possibilidade de um mundo mais justo: pelo poder de criar as palavras que o nomeiem.
12.A política, então, aparece como um desafio profundo; a novidade que estamos explorando nos exige, neste campo, uma audácia que só se pode esperar de um temperamento “artístico”. Trata-se de dar a pincelada que o quadro nos pede, e não a que “convém” a alguém. E, se sentimos algo com clareza, é que o quadro está nos pedindo um novo traço. Nossas práticas têm uma vigorosa dimensão política, e têm cunhado um punhado de ideias no jogo geral. A multiplicidade (não como obstáculo, e sim como potência), o debate (como necessidade da ação e como espaço para a pergunta e o incerto), a fragmentação e o isolamento como perigos, as alianças (não como imperativo da debilidade, e sim como vocação democrática), o território (o universo como caminho para a aldeia, a aldeia como um universo cifrado e vital, e a interseção como chave do humano), a construção de agendas sociais e paralelas na incidência pública, a tensão entre o privado, o estatal, o público e o comunitário. A ineludível complexidade do cenário deste debate em que os Estados, as empresas e as grandes instituições impulsam suas políticas, nos mostra a necessidade de articular um discurso e uma capacidade, uma modalidade no desenho do debate, um “estilo” no processamento dos conflitos em que a democracia é assumida como uma construção cotidiana.
13.A nova sociedade, que a arte e a transformação social prefiguram e constroem, se realiza em outra equação entre a produção e a distribuição da riqueza, em uma cotidiana vocação de democracia e inclusão social com justiça. Como no caso de uma criação estética, encontra seu sentido na comunidade humana e seu poder no grau de liberdade que permite projetar o gesto, o traço, o símbolo ou a nota. O direito à saúde, à educação, à vida e ao desenvolvimento são também, e talvez sobretudo, uma questão de beleza. Uma encruzilhada que nos convida a fazer do mundo inteiro uma obra de arte, ou melhor, um feito artístico, e não o espetáculo frustrante de uma espécie que reduziu seu próprio horizonte. A arte, longe de ser um instrumento acessório neste desafio, é uma ação humana integral, contundente e transformadora do presente, um presságio ativo do triunfo da vida.
14.Por isso construímos estas redes nacionais, regionais, continentais. Como outro exemplo de desmesura, mas também de vocação transformadora. Já não se pode construir esta beleza separados; e ainda que a matéria se rebele e seja difícil “misturar” as cores, e o texto não apareça e tenha que jogar fora rascunhos e recomeçar sempre, decidimos nos encarregar de certa responsabilidade. A nova tapeçaria precisa de tecelões e o acorde exige pelo menos três notas. Queremos ir dando forma a esta vontade latino-americana de reescrever a arte e a transformação social a partir de novos pontos de vista, mais próximos da vibração da vida. Por isso construímos pontes e espaços, e por isso também nos animamos a “perfurá-los” e buscar caminhos entre os túneis que nos conectam e as praças em que nos encontramos. Uma rede que progressiva, mas pacientemente, como na abertura de uma sinfonia, como numa procissão de La Puna, como em uma llamada de Montevidéu, num trio elétrico brasileiro, ou também no poema tímido de um adolescente, nos devolva uma nova capacidade em nossa relação com o futuro.
15.Sondagens, buscas, apostas na construção de uma nova subjetividade capaz de transformar a realidade. Escolas de arte, movimentos sociais, grupos culturais, teatros, circos e artistas de todas as “disciplinas” estamos experimentando a chegada de um novo tempo, marcado por uma maior capacidade de ação, reflexão e produção. Com novas certezas, acreditamos que a arte e a transformação social na América Latina podem inaugurar percursos de criação coletiva substancialmente poderosos na definição de um futuro mais justo. A beleza, a festa, o rompimento e a criação simbólica se preparam, talvez, para subir a aposta na defesa da vida. A desmesura, como daquela vez, volta a nos convocar.
Autor:
Red Latinoamericana de Arte y Transformación Social
Twitter: @RLATS
Facebook: Red Latinoamericana de Arte y Transformación Social
https://www.artetransformador.net
*Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado no 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)
Mais de 70 pessoas participaram do Encontro Regional de Pontos de Cultura de Lima e Callao
Em 04, jan 2016 | Em Notícias | Por IberCultura
Representantes de Pontos de Cultura do Peru se reuniram nos dias 18 e 19 de dezembro para definir prioridades de trabalho conjunto durante 2016. Entre as 72 pessoas que participaram do Encontro Regional de Pontos de Cultura de Lima e Callao (ER Lima e Callao) estavam representantes de organizações reconhecidas como Pontos de Cultura, organizações em processo de reconhecimento, organizações articuladas independentes e funcionários do Ministério de Cultura do Peru. Atualmente o país tem 225 Pontos de Cultura reconhecidos em 22 regiões.
O encontro foi realizado na sede central do Ministério de Cultura, espaço criado com os objetivos de (1) fomentar o reconhecimento e a articulação dos Pontos de Cultura e as Direções Desconcentradas de Cultura (DDC) em nível macro regional, (2) compartilhar conhecimentos e experiências entre o Estado e a sociedade civil que permitam a descentralização do programa e (3) construir uma agenda de trabalho macro regional conjunta como base para a incidência.
Definiram-se as seguintes prioridades para o trabalho conjunto entre os Pontos de Cultura e o Ministério de Cultura:
. Criar espaços de tomada de decisão conjunta entre múltiplos atores para gerar alianças que potencializem as ações dos Pontos de Cultura.
. Criar oportunidades para o fortalecimento de capacidades dos Pontos de Cultura.
. Garantir a continuidade e permanência do programa Pontos de Cultura através da aprovação da proposta de anteprojeto de lei.
. Visibilizar o trabalho dos Pontos de Cultura diante dos demais ministérios, instâncias do Estado e cidadania.
. Promover formas de colaboração e articulação dos Pontos de Cultura para o benefício mútuo.
. Promover o desenvolvimento de políticas públicas de Cultura Viva Comunitária em nivel de governos locais e regionais.
O ER de Lima e Callao é o último dos cinco encontros que fazem parte da estratégia de descentralização do programa para 2014-2015. Antes foram realizados os seguintes encontros macro regionais:
. EMR da Amazônia (Moyobamba, novembro de 2014) com representantes de Loreto, San Martín, Amazonas y Ucayali. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/OCbO1S
. EMR do Sur (Cusco, dezembro de 2014) com representantes de Arequipa, Moquegua, Tacna, Puno, Madre de Dios e Cusco. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/i9JV4R
. EMR do Norte (Trujillo, março de 2015) com representantes de Tumbes, Piura, Lambayeque, La Libertad, Ancash e Cajamarca. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/tF3DJD
. EMR do Centro (Huancayo, novembro de 2015) com representantes de Huánuco, Pasco, Junín, Huancavelica, Ayacucho e Ica. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/tSqPpD
Saiba mais: www.puntosdecultura.pe
A equação da Cultura Viva: PC = ( a + p ) r
Em 28, dez 2015 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura
Por Célio Turino*
Cultura viva, a cultura que as pessoas fazem, a cultura como processo, as diferentes interpretações da realidade, os desejos, os sonhos, os modos de ser, a arte, a tradição e a invenção convivendo juntas, promovendo permanência e ruptura ao mesmo tempo. Cultura morta, a cultura produzida “à parte” das pessoas, a cultura como produto, as interpretações acabadas, os desejos fabricados, os sonhos dirigidos, os modos de ser reproduzindo aquilo que os outros querem que sejam os nossos “modos de ser”, a arte pronta, a tradição perdida, a invenção roubada, a permanência do que não deve permanecer e a ruptura com o que não deve ser rompido. A cultura pode unir, mas também pode ser um meio de distinção entre as pessoas, separando, segregando, fazendo odiar o diferente. Por isso a necessidade de um substantivo composto, a Cultura Viva.
A cultura é viva porque está sempre em mutação e se reproduz sem perder o tênue fio da história, unindo passado, presente e futuro. Mas pode ser morta, quando se fossiliza, se burocratiza, se aliena, deixando-se comandar não mais pelos desígnios da vida, mas pelas regras e normas do sistema. Uma cultura que não se aliena é aquela que não teme a vida, que se espraia pelo ambiente, pelas pessoas, pela imaginação. E, ao agir assim, está sempre ao lado da arte. Arte concebida como habilidade humana, do latim Ars, ou Artem, que significa “capacidade de realizar algo”. Compreendida desta maneira, a arte está presente em todos nós.
Como habilidade cultivada, do latim colere, a arte nos remete a cultivo, mais precisamente ao “cuidado com as plantas”, de tal modo que quanto mais se cultiva a arte, mais se cultiva a humanidade; assim, arte e cultura é aquilo que nós, humanos, realizamos sobre o nosso meio e sobre nós mesmos. A princípio, visando uma transformação para melhor, como se faz no cultivo com as plantas, através da agricultura. Cultura também nos remete a cultus, de culto religioso, reverência e respeito para com algo ou alguém.
Cultura Viva como substantivo composto também nos permite romper com um conceito antropológico clássico, em que cultura é o oposto de natureza, ou “a parte do ambiente feita pelos humanos”. Segundo este conceito antropológico, a natureza existe “por si”, independendo de quem lhe dê significado e a cultura só existe a partir das interpretações e expressões produzidas previamente, só passando a existir após a construção de significados e significantes produzidos pela mente humana. Para a Cultura Viva o conceito é outro e se expressa pela seguinte equação: Cultura + Natureza = Cultura Viva.
Ao assumir o conceito Cultura + Natureza = Cultura Viva, a Cultura Viva se distancia do conceito ocidental (ou europeu) de cultura para aproximar-se do conceito e da ética dos povos originários deste continente que veio a levar o nome de América. É quando a Cultura Viva se encontra com o Bem Viver, outro substantivo composto. Sumak kawsai, em quéchua, Suma qamaña, em aymara, Tekó porã, em guarani, uma filosofia que está em nossa alma ancestral, significando “viver em aprendizado e convivência com a natureza”. Aqui não se trata apenas de assumir a cosmologia dos primeiros povos das Américas, mas de resignificar um conceito político, econômico e social com referência à visão desses povos, a partir deles e com eles. Somos “parte” da natureza (ou “poeira do universo”, como a física já demonstrou) e, para nossa própria sobrevivência como espécie, é preciso romper, de uma vez por todas, com a ideia de que podemos continuar vivendo “à parte” da natureza.
O mundo, para além dos humanos, é povoado por muitos seres, também dotados de sentimentos, consciência e alma; o Ajayu do mundo andino, a energia vital que flui no universo em onda vibratória, conforme os povos do Xingu, na Amazônia brasileira, cada espécie vê a si mesma e às outras espécies a partir de “sua” perspectiva, de modo que as relações entre todos os seres do planeta (incluindo animais, vegetais e minerais) tem que ser encarada como uma relação social, entre sujeitos, em que cultura e natureza se fundem em humanidade, ou, em Cultura Viva.
Cultura Viva como Bem Viver se afirma na profunda conexão e interdependência com a natureza, na vida em pequena escala, sustentável e equilibrada, tendo por fundamento as relações de produção autônomas e autossuficientes. Também se expressa na articulação política da vida, em práticas construídas em espaços comuns de socialização, coletivos culturais e artísticos, jogos, brincadeiras e manifestações em parques, jardins, teatros, museus, bibliotecas, hortas urbanas ou palácios; tanto faz o local, porque a vida se espraia em abundância e acontece onde puder acontecer.
Cultura Viva, assim como o Bem Viver, também pode ser entendida como uma oposição ao “Viver Melhor” capitalista, sustentado na exploração máxima dos recursos disponíveis, até que as fontes básicas da vida sejam exauridas. A busca é por uma vida mais justa, se contrapondo à iniquidade própria do capitalismo, em que apenas poucos podem viver bem em detrimento da grande maioria. Cultura Viva é, portanto, criativa, solidária, sustentável. É o oposto da cultura que transforma tudo – e todos – em coisa. É o direito de amar e ser amado, com o florescimento saudável de todos os seres, com o prolongamento indefinido das culturas, a sua recriação e intersecção, o tempo livre para a contemplação, a ampliação das liberdades, capacidades e potencialidades de todos e de cada um. É a cultura da alegria e da amorosidade.
Ao se aproximar do Bem Viver ameríndio, a Cultura Viva também se aproxima da ética e da filosofia ancestral africana. Ubuntu: “eu sou porque nós somos”. Viver em Cultura Viva é romper com o individualismo, é a sensação de pertencimento à unidade na diversidade. É isto que explica esta a ideia da Cultura Viva estar florescendo pelas Américas e agora pelo mundo. Não se trata de uma simples política pública para organizar o fazer cultural, mas de um modo de colocar a emancipação e a cidadania em novos patamares, em que a interdependência e a colaboração se realizam em diálogo, consenso, inclusão, compreensão, compaixão, partilha, cuidado e solidariedade.
A humanidade de todos e de cada um está indissoluvelmente ligada à humanidade dos outros. Por isso os encontros da Cultura Viva são festeiros, acolhedores, generosos. E assim se fazem fortes, potentes, resilientes. Não há como praticar a Cultura Viva sem estar aberto e disponível aos outros e é com esta atitude que a pessoa não se sente intimidada, ganhando coragem e autoconfiança para se colocar no mundo. E isto não significa “vencer a qualquer custo”, pois jamais é possível estar bem se o nosso entorno não está bem.
Cultura Viva com Bem Viver e Ubuntu é descolonizar corpos e mentes, assumindo uma outra perspectiva, em que a ética e a filosofia de povos, antes desprezados em suas formas de conhecimento, agora é valorizada em plenitude, seja nos momentos de reflexão, contemplação ou na prática cotidiana. Por isso os encontros da Cultura Viva acontecem em meio às rodas, às peñas e cirandas, com muita festa, em que todos se olham sem hierarquias. De jovens da cultura digital a grupos de cultura tradicional, da arte experimental e de vanguarda à cultura de rua, das aldeias indígenas e assentamentos rurais às favelas e universidades, das bibliotecas comunitárias aos teatros nacionais, dos museus mais completos às exposições em parques públicos. Tudo cabe na Cultura Viva, tudo cabe porque a cultura é viva.
A Cultura Viva se espalha pelas Américas como uma macro-rede, em que, a partir de afetos, desejos e vontades, grupos de cultura comunitária foram se integrando em uma grande rede de conexão. Mas ao mesmo tempo em que é macro, ela também é micro e se realiza nas comunidades, a partir da identificação e fortalecimento de Pontos de Cultura.
O que é um Ponto? A unidade, a base de uma rede, sem dimensões ou forma pré-determinadas. O Ponto independe da forma, mas se realiza no espaço e é, portanto, localizável e identificável no território. Como a Cultura também é uma abstração, a melhor palavra para dar forma a um conceito igualmente abstrato, seria Ponto, ou “punctos”, que, no latim, refere-se a um lugar determinado em que ocorre a intersecção de condições para realizações específicas. Basta um pequeno sinal para que a cultura aconteça, mas como ela também é infinita, seria necessária a utilização de uma palavra que representasse esse sinal sem limites e que, ao mesmo tempo, fosse constituído por infinitas partes. Daí Ponto de Cultura, como forma de expressão da micro-rede, realizada no território.
Um Ponto de Cultura condensa a Cultura Viva na medida em que suas ações se desenvolvem com autonomia e protagonismo. Ou seja, não podemos interpretar um Ponto de Cultura como um simples ponto de conexão, apenas como um ponto de recepção e irradiação de cultura, mas sim como um espaço livre para a interpretação e realização da cultura. Um ponto de ebulição, em que ocorrem mudanças qualitativas, a depender das condições de pressão e temperatura. Desta forma, cada Ponto é diferente do outro, pois, em cada qual, as realidades são distintas. As pessoas, as histórias, os recursos, o ambiente, as condições, tudo é diferente; mas ao mesmo tempo igual, ou próximo, e há que identificar estes pontos de aproximação.
Se na forma cada Ponto de Cultura é diferente entre si, na essência todos são muito parecidos. Para começar, há que ter alguém (ou alguéns) com muita potência, com muita vontade, com muito compromisso. Não importa se a pessoa seja do local ou não, o que importa é o compromisso, a disposição e a perseverança (há que perseverar muito para que a cultura aconteça).
Há que ter também pessoas dispostas a dar e receber. Quando alguém chega pensando que sabe tudo e que vai ensinar aos outros, já chegou errando. Mas quando alguém recebe achando que não há nada a receber, a ebulição também não acontece. Também não cabe se conformar ou se acomodar. Há que inventar sempre e jamais parar de descobrir. Estas são as condições básicas, depois, tudo mais se resolve.
Local? Pode ser o coreto de uma praça, a sombra de uma árvore, uma garagem, um quiosque, uma casa abandonada, e também um centro cultural muito bem equipado (por que não?). Recursos? Primeiro os de dentro, os da própria comunidade, as vontades, a criatividade; mas só isso não basta, há que colocar o Estado a serviço de seu povo, e cultura é um direito básico, por isso os governos precisam prever orçamento para assegurar a ação cultural nas comunidades; mas não um recurso de “fora para dentro”, que já vem em formatos prontos, elaborados por gestores públicos que mal conhecem a realidade local, e sim recursos para que a própria comunidade desenvolva sua ação conforme seus desejos e necessidades, um recurso para que a cultura se realize “de dentro para fora”.
Intercâmbio? Sem intercâmbio, sem troca, a cultura não se realiza, não progride e só regride; há que ter disposição para, além de fortalecer a identidade, também exercitar a alteridade; trocas de todos os modos, de todas as formas, com todas as gentes, foi assim que nos realizamos como humanidade, será assim que recuperaremos nossa humanidade. Comunicação? A cultura só se realiza a partir de um agir comunicativo, seja uma simples palavra, expressão ou desejo fixado em uma caverna para que gerações futuras saibam que alguém passou por ali; a comunicação só acontece a partir de uma mensagem, uma cultura portanto, pois, sem cultura a transmitir, não há o que comunicar; desta forma cultura e comunicação precisam caminhar juntas, pois quando uma se distancia da outra, alguém impõe a sua cultura sobre os demais. Depois, é juntar tudo, pessoas, conhecimentos, criatividade, curiosidade, local, recursos, intercâmbios e comunicação. Assim se coloca a cultura em movimento: com referências, preservando e inventando, com formação, produção, criação e difusão.
Cultura é partilha, é participar de algo, é tornar comum. Por isso a simplicidade de um Ponto de Cultura, para que possa estar espalhado por todos os lugares, por todos os corações e mentes. Se o planeta é a estrutura de nossa “casa comum”, a cultura é o fluxo, o sopro que mantém viva a nossa “casa comum”. Mas para que um Ponto de Cultura se realize em toda sua potência, há que zelar pela autonomia e protagonismo das comunidades, das pessoas que fazem com que um ponto seja vivo.
Autonomia é liberdade, é a capacidade de governar-se pelos próprios meios e, neste sentido, é a própria realização da vontade humana em se autodeterminar. Porém, quanto mais as civilizações avançam na exploração dos recursos e na construção de sistemas de distribuição e controle dos recursos, mais a humanidade se afasta da autonomia. Cultura nem sempre é sinônimo de libertação, pois também há a cultura que oprime, em que a história da colonização da América Latina é prova viva. Assim, como forma de dominação, ela também se vale dos mesmos mecanismos de heteronímia empregados pelos poderes político, econômico, religioso ou social: dependência, submissão e subordinação.
Uma cultura que liberta precisa caminhar em sentido oposto, não podendo ser paternalista, patriarcal, assistencialista. É difícil, pois até mesmo pessoas, movimentos e partidos que se apresentam como progressistas e libertadores normalmente cedem à tentação de se perpetuarem no mando a partir da reprodução de relações de dependência, submissão e subordinação dos outros. Mas há que perseverar e cultivar os meios para que as pessoas exercitem sua autonomia, de modo a gerirem livremente suas vidas e a partir de suas próprias escolhas.
Para tanto, ao lado da autonomia, há que fomentar o protagonismo das comunidades. Do latim “protos”– principal, primeiro – e “agonistes”– lutador. Há que assumir o palco, há que falar na própria voz, há que tomar a narrativa da história “para si”. Protagonismo é outro componente sem o qual uma ação cultural que se pretenda emancipadora jamais poderá prescindir. O “índio pelo índio”, “o jovem das ruas pelo jovem das ruas”, “as comunidades pelas comunidades”, “as mulheres pelas mulheres”, “as comunidades tradicionais pelas comunidades tradicionais”.
Cultivar autonomia e protagonismo é se apoderar dos grandes espelhos da sociedade e de seus meios narrativa. Não basta falar apenas nas comunidades, com as comunidades e para as comunidades, há que ir além e tomar conta dos meios de produção e difusão audiovisual e de construção do discurso, seja realizando os próprios filmes, documentários, ficção, registrando as próprias imagens, contando as próprias histórias, fazendo a própria arte. E ir para fora, e falar com os outros, por si e para si.
A autonomia e o protagonismo são condições indispensáveis para quebrar hierarquias sociais e construir novas legitimidades. Não como um processo impositivo, de negação do outro, mas para que se estabeleça uma nova relação de equilíbrio e diálogo entre as pessoas, entre classes e grupos sociais e entre vida e sistemas.
Mas ainda assim não basta. Quando circunscritas a apenas um ponto, a autonomia e o protagonismo perdem potência, podendo se transformar, até mesmo, em base para novos fundamentalismos, para verdades acabadas e falta de diálogo. Precisamos ir além e conectar cada um desses pontos em uma grande plataforma de inteligência e ação coletiva para a Cultura Viva entre os povos. É aí que a articulação em rede ganha papel estratégico, pois somente através da potência das redes, estabelecida pela intersecção entre pontos autônomos e protagonistas, é que será possível dar um salto qualitativo (tal qual a transformação da água entre os estados líquido, gasoso ou sólido) nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
No fundo, este deve ser o grande objetivo de um Ponto de Cultura: a emancipação humana. E uma emancipação realizada com afeto, daí a importância da arte, da alegria e da solidariedade. De tal forma que tudo que foi dito nestes parágrafos também pode estar condensado em mais uma equação simples:
PC = ( a + p ) r (Ponto de Cultura igual a autonomia + protagonismo elevado à potência das redes – e quanto mais redes, melhor!)
-
Célio Turino é historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi Secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura entre 2004 e 2010.
*Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado no 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)
Foto do alto (em destaque): Oliver Kornblihtt
Uma rota para visualizar o caminhar do Tecido Cultura Viva Comunitária Bolívia
Em 24, dez 2015 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura
Por Iván Nogales*
A pergunta ressoa muitas vezes: por que foi na Bolívia que se realizou o 1º Congresso de Cultura Viva Comunitária? Um país onde os governos nunca deram importância significativa ao setor criativo cultural. Com um Estado frágil para encarar qualquer apoio a uma iniciativa da sociedade civil desta envergadura. Sem sinal de uma articulação na sociedade civil de Cultura Viva Comunitária.
Quando Eduardo Balán, o argentino líder do Pueblo Hace Cultura, na ocasião da ação do Teatro Trono na Rio + 20, insistia com a realização do Congresso na Bolívia, só atinamos para rechaçar essa ideia descabelada, alegando que naturalmente devia ser o Brasil o organizador e a sede do evento, por haver desenvolvido um programa de Pontos de Cultura, ou a Argentina, com uma articulação em ascensão, ou qualquer outro país onde a narrativa caminhou pelos bairros conseguindo articulações e resultados concretos. Mas na Bolívia nada de nada, isso ao menos nos parecia. Talvez porque não alcançamos ver o que contemos.
No entanto, apesar de todos os percalços ou limitações, este congresso foi realizado e hoje vivemos outro momento, em que a Cultura Viva Comunitária tem recebido cidadania, sendo protagonista nas propostas mais importantes de gestão cultural que vêm se desenvolvendo em nosso país. Faremos um pontilhado, uma rota para visualizar o caminhar do Tecido de Cultura Viva Comunitária Bolívia.
Antes do Congresso de Cultura Viva Comunitária
Em 1952, antes de Cuba, a Bolívia viveu uma revolução com participação massiva. Que foi traída é outra história. O cinema, a rádio, os muralistas retrataram e acompanharam esta insurgência. Houve um setor cultural criativo acompanhante de processos revolucionários e insurgentes. Nas ditaduras militares tivemos recordes de golpes de Estado, a poética da rebelião chamou a democracia sequestrada uma e outra vez.
Em épocas democráticas, de 1982 em diante, o acompanhamento derivou em relatos de boa convivência a partir das ONG em voga. Estas sofisticaram uma relação clientelar com a cooperação internacional e os setores populares, a pobreza como pano de fundo de poéticas da fome e da miséria.
A Lei do Cinema nos anos 1990 e o Movimento Para Seguir Semeando e para Seguir Sonhando, no novo milênio, são as articulações do setor cultural mais significativas. Uma tentativa importante foi a do Teatro Popular, que nasceu nos anos 1980, hoje quase inexistente, ou ressignificado atualmente em Cultura Viva Comunitária.
Cidade de El Alto
É a cidade mais jovem da Bolívia, por duplo motivo: concentra a porcentagem de maior população juvenil e nasce formalmente no ano de 1985. Com mais de 1 milhão de habitantes, é o 2º município mais populoso do país, atrás de Santa Cruz e à frente de La Paz. Concentra também a massiva migração rural aymara e mineira. É uma “bomba de tempo” por seu acelerado e caótico crescimento urbano, e por sua misturada memória indígena, mineira, mestiça, constituindo-se como a cidade mais rebelde da sempre rebelde história da Bolívia.
Hoje El Alto vive o auge de seu protagonismo na história nacional, conseguindo que as mudanças mais significativas, incluída a presença do primeiro presidente indígena, sejam produto da ação política das organizações de base. Numa cidade onde há pouco tempo emanava a vergonha, hoje se pode respirar na atmosfera o orgulho de ser altenho.
As expressões culturais de horizonte político mais significativo emergem dos bairros desta cidade. E é por este motivo que o tecido de Cultura Viva Comunitária terá seu epicentro com organizações altenhas.
Teatro Trono
Experiência que nasce em 1989 e herdeira de práticas de teatro popular político. Forma parte da Rede Latino-americana de Arte e Transformação Social, RLATS. Posteriormente, em conexão com outras redes afins no continente e os tecidos de Cultura Viva Comunitária, forma parte do nascimento da Plataforma Puente.
Este tecido continental empreende a campanha pelos Pontos de Cultura e o 0,1% dos orçamentos públicos para Cultura Viva Comunitária. Neste contexto realiza uma Caravana Pela Vida, de Copacabana (Lago Titicaca) a Copacabana (Cúpula dos Povos, Rio + 20) em maio de 2012, proposta que impulsa e fortalece o grupo e o movimento continental. Nesta cúpula nasce a proposta do Congresso de Cultura Viva Comunitária, e Trono assume a tarefa de organizá-lo.
1º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária
Em maio de 2013, a cidade de La Paz foi “tomada poeticamente por assalto” por mais de 1.500 ativistas artístico-culturais provenientes da América Latina. Para Bolívia, sem dúvida, este foi um acontecimento para o setor cultural, inusual, atípico em um país onde o setor criativo cultural, ainda que em algumas ocasiões tenha protagonizado ações políticas, não foi muito além do esporádico, ou esteve imerso nas demandas de outros atores em voga, ainda sem voz própria.
O 1º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária deixou de ser um acontecimento, um rito, para ser hoje um mito continental. Ao mesmo tempo canalizou, catalisou articulações locais e nacionais maiores que hoje assomam como protagonistas, interlocutores do relato de época mais conhecido: Viver Bem.
Oito pontos me servem para sintetizar o que significou este maravilhoso encontro em La Paz:
- Mais de 1500 pessoas de 17 países da América Latina e de outros sete países do mundo. Da Bolívia, sete de seus nove departamentos. Desfrutamos as caravanas que confluíram em La Paz.
- Chegamos dispersos com a tarefa de cruzar nossas diversas narrativas de Cultura Viva Comunitária. Saímos fortalecidos com a tarefa de encarar uma organicidade do Movimento Continental de Cultura Viva Comunitária.
- Participaram 35 representantes de governos, formando uma aliança para políticas públicas que visem garantir 0,1% dos orçamentos públicos para a Cultura Viva Comunitária e uma rede de cidades criativas pela Cultura Viva Comunitária.
- Participaram o ex-secretário nacional de Cidadania Cultural do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Célio Turino (Pontos de Cultura), e Jorge Melguizo, ex-secretário de Cultura Cidadã e ex-secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Medellín. Da oficialidade eles retornaram à sociedade civil impulsando o movimento.
- Se formou uma aliança de parlamentares latino-americanos pela Cultura Viva Comunitária, presidida pela presidenta da Comissão Nacional de Cultura do Congresso Nacional, a deputada Jandira Feghali. Outras ações parlamentares se abriram em espaços como o Parlamento Andino e o Mercosul.
- Os governos da Colômbia e da Argentina ofereceram apoio para realizar encontros em seus países. E depois se deram outras iniciativas regionais.
- O governo da Bolívia apresentou uma declaração do Ministério de Culturas como proposta ao continente.
- Conquistou-se o apoio da Prefeitura de La Paz para um trabalho articulado entre organizações da sociedade civil e a prefeitura. O terceiro sábado de maio de cada ano foi declarado Dia Internacional da Cultura Viva Comunitária.
Nunca havíamos “estado”, “tido”, um ministro de Cultura tão próximo na Bolívia. Em muitos momentos seus passos se confundiam com os nossos, os fotógrafos da oficialidade nos solicitavam para as fotos de rigor. Nossos passos marcavam uma agenda governamental. Se abriu um espaço de coordenação, que derivou em uma agenda conjunta com Telartes como articulação matriz mais ampla.
Recordamos a descida desde El Alto até La Paz, emitindo uma dramaturgia batizada como “assalto poético”, que fazia um chamado para que as pessoas se somassem, transeuntes, “revivendo” os mortos, todas as memórias que confluem como um só rio, na “reunificação” dos corpos desmembrados. Isso foi o Congresso, um rito de “reunificar” o continente, um corpo que se reencontra.
Mais além do Congresso
É difícil sustentar uma articulação política só com ações macros. A acumulação de nossas fortalezas está no cotidiano. O tecido real é o cotidiano. O tecido não são só os acontecimentos míticos, estes são detonadores de processos e, ao mesmo tempo, o momento em que expomos o que temos crescido, desenvolvido, as dificuldades que temos enfrentado, sorteado, e os desafios comuns que devemos encarar. O tecido como o de um “aguayo” é a teia, o minúsculo, o pequeno. Cada ponto é um universo necessário para compreender a configuração da totalidade. Acumular força é alinhavar ponto por ponto.
Depois do Congresso na Bolívia tivemos que assumir a tarefa de constituir uma articulação de tecido de Cultura Viva Comunitária que se sustente, que perdure mais além da urgência de nos organizar para o macro evento. Custa acima, porque para ser anfitriões do Congresso, só em La Paz logramos reunir em seu momento mais alto, a 170 experiencias. Ocorreu algo similar em outras cidades do país.
Hoje, ter 10 grupos coordenando uma agenda conjunta do tecido de Cultura Viva Comunitária em El Alto, a mais sólida do país, é um logro significativo. Menos é mais, dizemos, e neste caso esta expressão é apropriada.
Telartes
Telartes teve com o Congresso de Cultura Viva Comunitária o melhor argumento para consolidar-se. Telartes havia nascido pouco tempo antes como uma articulação da sociedade civil do setor cultural, aberta à diversidade de narrativas em seu interior. Seus passos iniciais se aceleram, provocados pelas ações de Cultura Viva Comunitária já mencionadas. Telartes fortalece seu vínculo com o Estado e com outros atores da sociedade civil.
Mesas de Trabalho – Telartes – Governo
Criam-se com o Ministério de Culturas mesas de trabalho de participação compartilhada, para aprofundar propostas de legislação, circulação cultural, e Cultura Viva Comunitária entre outras. O ritmo de trabalho conjunto tem sido marcado pela agenda governamental. Mudanças de ministro e de pessoal no ministério têm interrompido a possibilidade de continuidade e aprofundamento das propostas conjuntas.
A Lei de Culturas da Bolívia é a principal tarefa que, em uma acidentada e frutífera trajetória de dois anos de trabalho, vê enfim resultados concretos.
Congresso Culturas em Movimento
Em parceria com o Ministério de Culturas, a Prefeitura de La Paz, outros municípios do país, os Conselhos de Culturas de alguns departamentos e outros atores são agora também convocadores do 1º Congresso de Culturas em Movimento, marcado para o fim de outubro na cidade de Sucre. Será outro momento para avaliar este novo rito na Bolívia e analisar seus resultados.
O Tecido de Cultura Viva Comunitária, é parte protagonista e importante em Telartes, com todas suas conquistas até agora obtidos.
Lei de Culturas
O debate de Lei de Culturas inaugura um momento inusual na história do setor cultural. É a base de legislação, o guarda-chuvas, seguramente o de maior alcance até este momento em toda a nossa história.
Temos abordado nas mesas de trabalho com o governo se Cultura Viva Comunitária deveria ser um capítulo na lei ou, deixando de lado sua especificidade, ser o espírito da lei mesma. Temos agora um anteprojeto consensual que será debatido em mesas de trabalho com múltiplos atores da sociedade para elucidar, ampliar e aprofundar esta dicotomia. Temos à frente esta tarefa maiúscula. Esta definição marca, sem dúvida, um dos temas centrais no Congresso de outubro de 2015 em Sucre.
O Tecido de Cultura Viva Comunitária novamente tem uma sólida presença nestes passos mencionados.
Programas de Cultura Viva Comunitária
É na cidade de La Paz onde surge o primeiro Programa de Cultura Viva Comunitária depois do Congresso de Cultura Viva Comunitária, implementado em 2014, que tem como objetivo contribuir, a partir da atividade criadora, para uma sociedade inclusiva com diálogo intercultural, construindo uma sociedade democrática, justa e com ampla participação dos atores culturais.
O Governo Autônomo Municipal de La Paz, com o fim de preservar, fomentar, proteger e difundir a diversidade cultural do município de La Paz, mediante lei declara o 22 de Maio como “Dia Municipal de la Cultura Viva Comunitária”, para celebrar, promover, difundir e conservar a Cultura Viva Comunitária, como proposta de convivência fundada em valores de solidariedade, liberdade e reconhecimento da dignidade e igualdade de todos os pacenhos.
Mais conquistas do Tecido de Cultura Viva Comunitária
Em outras cidades como El Alto, Sucre, Tarija, Cochabamba, criam-se expectativas para debater e construir programas de Cultura Viva Comunitária. Ao mesmo tempo, o governo central tem aberto a possibilidade de desenhar um programa de alcance nacional.
Pode-se realizar, com o acompanhamento de Telartes, o Primeiro Congresso do Tecido de Cultura Viva Comunitária, com alcances ainda limitados, pois contemplou fundamentalmente a cidade de El Alto, com escassa presença de La Paz e de representantes de outras cidades do país.
Gestão participativa, cogestão articulada, experiências, olhares compartilhados, saberes, complementaridade, interpelar a partir da arte e da cultura, transformação social, que é o comunitário, corresponsabilidade com o Estado, nós fazemos “o público”, comunidade, convivência, sentido de vida, organização integral articulada, sociedade integral não dividida, fragmentada ou segmentada, diversidade: essas palavras, esses conceitos atravessaram o Congresso do Tecido de Cultura Viva Comunitária, que esteve marcado em seis eixos temáticos:
- Formação
- Economia / sustentabilidade
- Cidade
- Estado / incidência
- Comunicação cultural
- Circulação cultural
As principais conclusões e tarefas em cada um desses seis eixos foram:
1. Formação
- Plano de formação para aprofundar o bem comum, que fortaleça nossas comunidades.
- Sistematizar experiências.
- Formação artística e não apenas técnica, também de sentido histórico.
- Construção coletiva para o Viver Bem, a partir do urbano.
2. Economia / Sustentabilidade
- O principal recurso são nossas potencialidades e capacidades.
- ILLA (proposta feita por Wayna Tambo), ou economia redistributiva que resgata as experiências dos setores populares do mundo andino, onde a circulação de relações é o principal capital de acumulação.
- Criam-se os “poquitits”, moeda complementar, com participação dos grupos do tecido de Cultura Viva Comunitária, o Estado e outros atores.
- Jacha ou feiras de troca.
- Coordenação de projetos conjuntos entre os grupos.
3. Cidade
- Bairro de Criadores, proposta feita por Compa, Comunidade Produtora de Arte.
- Macroimpacto de experiências para o Viver Bem.
- Laboratório, experimentação, chacra urbana.
- Metodologias alternativas.
- Energia, educação, saúde, arquitetura.
- Lugar permanente de cultivo de experiências.
- Segurança pública: diante da insegurança, convivência.
- Apropriação do espaço público.
- Formação com a polícia, vizinhos, colégios.
- Descriminalizar o público.
- Participação multinível.
- Gestão do público.
4. Estado / Incidência
- Posicionar Cultura Viva Comunitária.
- Trabalho continuo e sustentável.
- Fortalecer a articulação.
- Programas de Cultura Viva Comunitária nacionais, regionais e locais.
- Socializar a Cultura Viva Comunitária.
- Propostas de legislação.
- Redistribuição de orçamentos.
- Cogestão participativa.
- Principal incidência: nós articulados.
- Mapeamento Cultura Viva Comunitária.
5. Comunicação Cultural
- Transversal
- Fortalecer os eixos propostos
- Geração de conteúdos
- Difusão por diferentes canais e redes
- Fortalecer estratégias de comunicação em cada coletivo
- Formação em microcursos
- Comunicação intra-rede
6. Circulação Cultural
- Festivais
- Fortalecer a comunicação intergeracional
- Apresentações
- Cursos
- Exposições
- Pré-encontros, pré-festivais
- Jacha, Festival do Tecido de Cultura Viva Comunitária cada 2 anos.
Sem ter esgotado a discussão, este Congresso nos permitiiu avançar na construção do que poderíamos chamar de nossas ferramentas políticas:
- Somos experiências comunitárias de base da sociedade civil; independentes, livres, autônomas e organizadas para o bem comum.
- Construímos democracia de abaixo-abaixo e também de abaixo-acima.
- Buscamos a gestão corresponsável de lo público, redefinindo a relação sociedade-Estado.
- Demandamos aos Estados 0,1% de todo orçamento público para a Cultura Viva Comunitária.
- Fortalecemos a colaboração, a reciprocidade e a redistribuição nas redes comunitárias.
- Agimos a partir de uma perspectiva descolonizadora, despatriarcalizadora e desmercantilizadora das relações.
- Fortalecemos as relações intra e interculturais em equidade e diversidade.
- Estamos comprometidos com a convivência equilibrada e respeitosa entre seres humanos e natureza, desde o horizonte do Viver Bem e desde os direitos da Mãe Terra.
- Amplificamos nossa posição e ação política cultural sendo protagonistas da transformação social.
Acompanhar o processo que se desenvolve na cidade de El Alto, constituindo um Tecido de Cultura Viva Comunitária, tem nos permitido preencher a ausência de articulação que marcamos num início deste breve texto. Hoje contamos com este tecido, que cresce e se fortalece paulatinamente. Hoje somos um interlocutor importante, um ator único no panorama da gestão cultural, em níveis locais, nacionais e continentais da Cultura Viva Comunitária.
Representantes de duas organizações deste Tecido formam parte do Conselho Latino-americano da Cultura Viva Comunitária: Compa e Wayna Tambo.
Temos sido testemunhas, pelo papel que assumimos em 2013 na organização do Primeiro Congresso Latino-americano, dos processos nacionais em muitos outros países. Isso mereceria outra história a ser contada. Apenas para expressar que o Tecido de Cultura Viva Comunitária de El Alto e de Bolívia é um acompanhante privilegiado dos passos que vem sido dados em todo o continente.
Iván Nogales é sociólogo e desde o ano 1980 vem desenvolvendo diversas iniciativas relacionadas com o teatro comunitário e a educação. É criador do Teatro Trono e da Comunidade de Produtores em Artes (Compa)
Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitária: Convivência para o bem comum, lançado durante o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)
Organizações de Lima e Callao, no Peru, participam de Encontro Regional de Pontos de Cultura
Em 15, dez 2015 | Em Notícias | Por IberCultura
O Encontro Regional de Pontos de Cultura de Lima e Callao (ER Lima e Callao) será realizado neste fim de semana (sexta e sábado, 18 e 19 de dezembro), na capital peruana, com a finalidade de estabelecer prioridades para um trabalho articulado entre o Ministério da Cultura e as organizações culturais comunitárias de acordo com suas necessidades locais.
Com esse espaço, o Programa Pontos de Cultura busca: (1) fomentar o reconhecimento e a articulação dos Pontos de Cultura e das “Direções Desconcentradas de Cultura” (DDC) em nível macro regional, (2) compartilhar conhecimentos e experiências entre o Estado e a sociedade civil que permitam a descentralização do programa e (3) construir uma agenda de trabalho macro regional conjunta como base para a incidência política.
O ER Lima e Callao é o último de uma proposta de cinco encontros para 2014 e 2015. Foram realizados encontros dos Pontos de Cultura da Amazonia (em Moyobamba, em novembro de 2014); do Sul (em Cusco, em dezembro de 2014); do Norte (em Trujillo, em março de 2015) e do Centro (em Huancayo, em novembro de 2015).
Saiba mais:
facebook.com/puntosdeculturaperu
Participação da sociedade civil no programa IberCultura Viva é tema de encontro no Rio de Janeiro
Em 14, dez 2015 | Em Notícias | Por IberCultura
Representantes do Comitê Intergovernamental do IberCultura Viva e do Conselho Latino-americano de Cultura Viva Comunitária se reuniram no Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio de Janeiro, neste sábado (12/12), encerrando os três dias de encontros de Cultura Viva em meio à programação do evento Emergências. Vinte pessoas participaram da reunião final. Entre elas, representantes de governos de quatro países: Alexandre Santini (Brasil), César Pineda (El Salvador), Gustavo Piegas (Uruguai) e Luz Fabiola Figueroa (Peru).
Diretor da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura e representante da presidência do IberCultura Viva, Alexandre Santini abriu a manhã de trabalho lembrando que a proposta de participação da sociedade civil no âmbito do programa intergovernamental foi debatida em outubro, em San Salvador, durante o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária.
“A ideia não é apenas criar um espaço de participação, e sim compreender que, em um programa governamental dessa natureza, a participação cidadã é chave, não é acessório. Não é algo que esteja somente na intenção. É algo que tem que se fazer de maneira orgânica, com a construção do programa”, afirmou Santini. “Aproveitamos o Emergências para criar aqui um espaço de diálogo. E é importante que isso fique claro: este é um momento de diálogo, não estamos formando aqui, formalmente, uma mesa de trabalho.”
Ao longo de três horas, rodeados de obras de Candido Portinari naquele edifício modernista construído em um momento importante para os movimentos dos trabalhadores na América Latina, os participantes do encontro levantaram questões referentes ao movimento que vem ganhando o continente nos últimos anos. Como fazer a integração, como articular as políticas de base comunitária nos países do Espaço Ibero-americano, são pontos fundamentais para o programa – e estiveram presentes em várias falas durante a reunião.
O boliviano Iván Nogales, a peruana Lula Martínez, o equatoriano Nelson Ullauri, a argentina María Emilia de la Iglesia e a costa-riquenha Carolina Picado Pomarth foram alguns dos representantes do Conselho Latino-americano de CVC que lembraram o histórico do movimento e falaram da importância da construção democrática, participativa, que envolve um programa dessa natureza. “Temos que seguir construindo coletivamente essa pauta”, ressaltou Lula. “Cultura Viva Comunitária não é um processo que vem de hoje, é um processo de vida de muitos coletivos, de muitas organizações”, reforçou Nelson.
Em nome do IberCultura Viva, o uruguaio Gustavo Piegas leu o trecho da ata da 3ª Reunião do Comitê Intergovernamental, realizada em El Salvador, que trata da proposta da mesa de trabalho e diálogo intersetorial. “Este grupo se preocupará com o avanço de políticas de cultura de base comunitária não apenas dos países membros do programa, mas da totalidade de países da região, e buscará articular com outros programas e foros de cooperação ibero-americanos”, esclareceu, lembrando que a ideia é contar inicialmente com a participação de cinco pessoas da sociedade civil e realizar no mínimo uma reunião anual deste grupo de trabalho.
A reunião de sábado foi, portanto, uma primeira aproximação entre Estado e sociedade civil para dialogar sobre a formação dessa mesa de trabalho intersetorial no IberCultura Viva. E uma das propostas feitas pelos participantes foi a formação de mesas intersetoriais nacionais de Cultura Viva Comunitária. Ou seja, cada país membro do programa teria uma mesa intersetorial para fortalecer suas políticas nacionais. A ideia é que mais países se incorporem ao programa, fortalecendo assim a integração regional.
Entre as recomendações para o conteúdo do programa foram citadas: a) promoção da campanha para que se destine 1% dos orçamentos nacionais para a Cultura e 0,1 % para a Cultura Viva Comunitária; b) a contribuição para a compilação do registro, da memória, dos processos e dos avanços do movimento; c) a realização de convocatórias que apoiem a agenda do movimento em nível nacional e iniciativas concretas como as caravanas e os congressos nacionais.
Leia também:
Emergências em debate: as ameaças às democracias latino-americanas
Emergências em debate: as ameaças às democracias latino-americanas
Em 14, dez 2015 | Em Notícias | Por IberCultura
O segundo dia do Encontro Cultura Viva no Emergências começaria com uma roda de diálogos no Espaço NEC, mas as circunstâncias brasileiras levaram a conversa a outros tema e cenário. A manhã de sexta-feira (11/12) foi dedicada à mesa Cultura e Democracia, que reuniu no palco do espaço São Sebastião, na Fundição Progresso, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, os deputados federais Jandira Feghali, Jean Wyllys e Wadih Damous, o senador Lindbergh Farias, a deputada estadual Benedita da Silva, a senadora uruguaia Constanza Moreira, a consulesa da França no Brasil, Alexandra Baldeh Loras, o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, e o escritor e historiador português Rui Tavares, fundador do Partido Livre.
Rui Tavares abriu sua fala dizendo que não parava de pensar numa pergunta que lhe haviam feito no dia anterior, sobre a onda conservadora que vem avançando em vários lugares do mundo: no Brasil, na América Latina, na Europa. “Venho ao Brasil há 15 anos e vejo o país mudar através das caras das pessoas. E posso dizer que mudou muito nesses anos”, afirmou. “Mas não estamos aqui só enquanto brasileiros, portugueses, europeus, latino-americanos. Somos todos cidadãos do mundo. O que nos falta é saber qual o horizonte de mudança que devemos ter. Porque sabemos que a política deve ser feita de outra forma, mais participada, mais transparente, mais democrática. Mas isso não é suficiente se não tivermos uma ideia de aonde ir, se não houver um horizonte, um objeto de desejo politico, uma utopia real.”
Para o historiador, o horizonte político que deve ser conquistado é o da democracia global, “uma democracia em que participemos como cidadãos de nossos países, mas fazendo face aos grandes desafios do planeta”. As alterações climáticas, por exemplo, são um desafio para todo o mundo. A questão dos refugiados é também um desafio para quem está do lado de cá ou de lá da fronteira. Assim, a onda conservadora, ainda que chegue de maneira diferente a cada país, teria a mesma origem: “Ela vem do medo, da repressão, do egoísmo, da falta de vontade de partilhar. E ela só pode ser vencida em conjunto”.
Por isso, Tavares acredita que está mais do que na hora de estarmos juntos pela transformação do planeta. “O século 21 deve ser aquele em que essa geração de emergentes que está aqui, que já se comunica em várias línguas, entre vários países, através da tecnologia, saiba se juntar para construir um novo projeto progressista para todo o mundo”. Solidariedade, sustentabilidade e respeito ao meio ambiente são alguns dos valores que, segundo ele, devem estar em um projeto transformador para a esquerda do futuro. “Uma coisa que aprendemos com os erros que nós, da esquerda, cometemos no século 20, é que chega de fazer da ideologia um dogma”.
Derrubando muros
O deputado Jean Wyllys, por sua vez, lembrou uma série de temas que emergiram nos últimos anos no Brasil e de cujo debate não se pode fugir. Entre eles, a equidade de gênero, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, a agenda da comunidade LGBT, a questão dos povos indígenas, dos afrodescendentes, da segurança pública e, principalmente, da democracia. “É urgente que se discuta tudo isso, e que se discuta a partir do eixo da cultura”, disse ele, lembrando que cultura é “modo integral de vida”, como ensinam os antropólogos. “Os modos de habitar, de amar, as representações de beleza, as soluções para a mobilidade de urbana, tudo isso tem a ver com a cultura.”
Recentemente, Jean Wyllys e Ivana Bentes, presidente do IberCultura Viva, participaram de um grupo de 37 líderes latino-americanos que foram convidados a pensar os cenários da democracia nos próximos 15 anos. “Nós imaginamos quatro cenários para 2030 a partir das experiências que vivemos hoje na América Latina. Dois deles são bastante polarizados. Um é o da democracia em agonia, a democracia sequestrada pelos cleptocratas e plutocratas que acham que a força da grana deve determinar as politicas. O outro, que Ivana e eu defendemos, chama-se democracia em mobilização e tem a ver com os movimentos sociais tradicionais, que já estão aí trabalhando há muito tempo, e com os novíssimos movimentos que emergem numa relação direta com as novas tecnologias da comunicação e da informação”.
Neste que seria o melhor dos cenários, democracia representativa e democracia participativa estariam combinadas, naquilo que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chama de “democracia em alta intensidade”. “A representação viria com a participação direta e as soluções não viriam exclusivamente ou necessariamente do Estado. As soluções podem nascer da sociedade civil para uma série de questões que nos afetam, que são prementes para nós. (…) A democracia em mobilização depende de cada um de nós. É preciso que todos lutemos para quebrar a blindagem do sistema político, empoderar cada vez mais a sociedade civil, democratizar a comunicação. É fundamental, sobretudo, que derrubemos os muros que estão dentro de nós.”
Efeito dominó
Ao longo de quase três horas de debate foram várias as intervenções que abordaram a necessidade da derrubada de muros, de preconceitos. Com uma fala simples e emocionante sobre racismo e intolerância, a consulesa Alexandra Baldeh Loras protagonizou um dos grandes momentos da mesa ao falar do genocídio do povo negro. “Meu sonho é que um dia a cor da pele seja só um detalhe, como a cor do cabelo”, afirmou ao fim do discurso, aplaudida de pé pela plateia.
Também muito aplaudida, Jandira Feghali chamou a atenção para o fato de que a crise não é um processo isolado do Brasil. “Derrubar a presidenta Dilma significa um dominó para a América Latina”, alertou. “O que se vê hoje é o avanço de uma onda de ódio, de intolerância, de preconceito agudo contra as mulheres, os negros, e todos os que se posicionam pela esquerda em defesa desse governo. Não estamos discutindo quem gosta ou não da política econômica, se se gosta ou não da Dilma. O que se discute aqui é se vamos continuar avançando na democracia ou se vamos ter um retrocesso.”
Benedita da Silva também falou sobre o ódio dirigido aos negros, às mulheres, aos pobres. E do sonho de que seus bisnetos sejam conscientes de que “esta pátria é deles”. Pouco depois, Benki Ashaninka, convidado pelo ministro Juca Ferreira a subir ao palco, lembrou que desde criança tem como missão defender a sua cultura, os seus direitos, o direito de ter um pedaço de terra “para viver como todos os seres humanos vivem”. “Quantos líderes nossos estão sendo mortos por pessoas que ainda veem o índio como um problema para o país?”, questionou.
Última convidada da mesa a discursar, a uruguaia Constanza Moreira lembrou que o Brasil é a democracia mais nova da América Latina e que a crise política, econômica e institucional por que passa o país afeta, sim, todo o continente. “Venho de um pequeno país que depende muito do que acontece no Brasil. A sorte de todos nós está vinculada à sorte da Bolívia, da Argentina, do Uruguai, do Equador, do Chile, da Venezuela. Mas a tensão que há pelo Brasil é muito grande”, comentou. “A América Latina ficou pintada de vermelho (pelos progressismos), de lilás (pelos feminismos), e de verde (pelos ecologismos). E é essa América Latina vermelha, lilás e verde que está sendo colocada em disputa agora no congresso brasileiro.”
Roda de conversa
À tarde, representantes do Conselho Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, do Comitê Intergovernamental do IberCultura Viva e de Pontos de Cultura do Brasil voltaram a se reunir no Espaço NEC, para mais uma rodada de conversa. A pesquisadora Deborah Rebello Lima, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e o diretor da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Alexandre Santini, contextualizaram o movimento, mostrando como se foi construindo um repertório comum para as políticas culturais da América Latina.
Fazendo um breve histórico, Santini lembrou o seminário sobre políticas públicas de Cultura Viva e Cidadania Cultural realizado durante o Fórum Social de Belém, em 2009. Foi neste encontro que muitos representantes de movimentos culturais da América Latina tomaram conhecimento dos Pontos de Cultura, passando então “a demandar a articulação de uma rede de políticas inspiradas no Cultura Viva”. Depois viriam a criação da Plataforma Puente, em Medellín (2010), o Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, na Bolívia (2013), o 6º Congresso Ibero-americano de Cultura, em Costa Rica (2014)…
“De certa maneira, o IberCultura Viva surge como uma resposta a essa demanda da sociedade civil articulada na América Latina. É mais o acolhimento de um processo que já vinha acontecendo do que uma iniciativa governamental pura, vinda de cima pra baixo”, enfatizou o diretor no início da roda, que seguiu até o início da noite numa conversa proveitosa em português, espanhol e (por que não?) portunhol. Num evento como este, que buscava discutir o papel da cultura na democracia e o reencantamento da política, a barreira da língua era a que menos importava.
Encontro global
Uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), o Emergências foi pensado como um encontro global de ativismo, cultura e política. Segundo a organização, 10 mil pessoas participaram de mais de 300 atividades espalhadas por 20 territórios da cidade do Rio de Janeiro entre os dias 7 e 13 de dezembro, extrapolando a programação pré-definida de encontros de redes, mesas de debates, rodas de conversa, oficinas, apresentações artísticas e percursos culturais.
Os participantes chegaram dos mais diversos pontos do Brasil e do mundo. E muitos deles chegaram de ônibus: foram organizadas 52 caravanas, inclusive com saídas de Montevidéu e Buenos Aires. Além da Argentina e do Uruguai, o evento contou com representantes de países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela.
Também tinha gente da Alemanha, da Espanha, dos Estados Unidos, da França, de Portugal, de Israel, da Itália, do Líbano, do Reino Unido, da Síria, da Somália, da Suécia…
Gente que tentava ultrapassar a barreira da língua para discutir as emergentes lutas por direitos civis, políticos, sociais, econômicos e ambientais do mundo todo. Afinal, esse todo diverso tinha um objetivo comum: o respeito.
Leia também:
Emergências: “Precisamos de democracia lato sensu” https://bit.ly/1P8Md34
Emergências se despede do Rio de Janeiro: https://bit.ly/1QuxP8l
Rodas de conversa sobre Cultura Viva reuniram mais de 120 pessoas no encontro Emergências, no Rio de Janeiro
Em 14, dez 2015 | Em Notícias | Por IberCultura
“Não se cria um movimento, isso é uma construção. Mas o Cultura Viva chegou a um nível de maturidade que podemos orgulhosamente chamá-lo assim. É um movimento cultural importante no Brasil e na América Latina. E estamos cada vez mais convencidos de que é o movimento social das culturas.”
Ivana Bentes, secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SCDC/MinC) e presidente do IberCultura Viva, encerrou assim a primeira manhã de trabalho do Encontro de Cultura Viva realizado durante o evento Emergências, no Rio de Janeiro. E essa certeza da importância do movimento seguiu até o fim dos três dias de rodas de conversas em português e espanhol que tomaram conta da Fundição Progresso e do Palácio Gustavo Capanema, de quinta-feira a sábado (10 a 12/12).
Mais de 120 pessoas compareceram ao primeiro dos três dias do Encontro de Cultura Viva previstos na programação do Emergências. Entre os convidados estavam representantes do Comitê Intergubernamental IberCultura Viva, do Conselho Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, da Rede de Gestores Estatais e Municipais de Cultura Viva e de projetos contemplados no Edital Cultura de Redes 2015.
A quinta-feira começou com uma rodada de apresentações no Espaço NEC, na Fundição Progresso, e terminou com uma ciranda puxada por Alexandre Santini, diretor da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC. Em quase sete horas de conversa, foram discutidos temas como o papel da cultura no estado democrático, os desafios da implementação da Política Nacional de Cultura Viva e os perigos do avanço da onda conservadora na América Latina.
Diversidade
Muitos dos participantes também contaram um pouco de suas realidades, das experiências de cultura viva comunitária em seus países, estados ou municípios. A costa-riquenha Carolina Picado Pomarth, por exemplo, destacou a importância do reconhecimento da diversidade de processos na Ibero-América, da capacidade de transformação social dos grupos organizados, e do diálogo entre governos e sociedade civil. “Não queremos uma ajuda do Estado. Queremos trabalhar junto, lado a lado.”
“Há dez anos começamos na América Central um processo de integração a partir do reconhecimento da diversidade. Como esta é uma lei natural de todo sistema, é normal ser diferente, vimos que a melhor maneira de nos conhecermos é aceitando o intercâmbio, o reconhecimento de que cada país tem suas expressões de trabalho comunitário”, afirmou Carolina, que é integrante da Red Maraca, o movimento de arte comunitária da América Central.
A boliviana Selva Esther Zabala, por sua vez, disse que era preciso dar mais atenção às comunidades, aos pequenos municípios, “não só aqueles onde estão os povos originários, mas também os que não têm uma identidade cultural própria”, como é o caso da cidade onde vive. “Como não tem identidade, o recurso para cultura é muito pouco”. Para ela, é preciso formar redes, “fortalecer o tecido e fazer o intercâmbio cultural”, agindo dentro das próprias possibilidades, sem esperar que alguém financie (“porque esperamos, esperamos, e nada acontece”).
A municipalização também foi comentada por Ivana Bentes. “A gente acredita que existe uma revolução que vem do interior. É o prefeito, é o gestor municipal… O território pode fazer uma enorme transformação”, ressaltou a secretária. “Há, inclusive, ótimos gestores de partidos de oposição ao governo. A eficácia do programa Cultura Viva, o impacto simbólico no cidadão é tão grande que os partidos estão colocando esse bem comum acima da disputa política. A gente viu isso nas pequenas cidades do Brasil. O Cultura Viva está em mil dos 5 mil municípios brasileiros. E muitas vezes o Ponto de Cultura só acontece por pressão da comunidade.”
Cultura jurídica
Alexandre Santini lembrou que a regulamentação da Lei Cultura Viva (a lei nº 13.018, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em julho de 2014) vem trazendo alguns conflitos com as leis municipais e estaduais. Além disso, há problemas relacionados ao desconhecimento de instrumentos aprovados pela lei, como o Termo de Compromisso Cultural (TCC), criado para simplificar o repasse para as organizações culturais.
Daí a importância de levar para o debate temas como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o Mrosc, vindo da Lei nº 13.019/2014, uma espécie de “lei-irmã” da Lei Cultura Viva. Iniciativa da Secretaria Geral da Presidência, o Mrosc tem o objetivo de aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional no que diz respeito às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado.
“É preciso ter uma nova cultura jurídica, ter outros mecanismos de relação com o Estado”, observou Santini. “Este talvez seja o avanço mais importante neste momento, inclusive pela crise política e pela crise econômica. Nós precisamos ter avanços institucionais para evitar criminalizações e perseguições às entidades culturais em qualquer cenário político. Isso vale para outros países da América Latina. Se não houver uma cultura jurídica que proteja as organizações culturais comunitárias, nós estaremos sempre ameaçados pelas elites, porque a estrutura do Estado não foi pensada para os setores populares, para a cultura comunitária, para as redes culturais.”
Democracia em crise
A relação da cultura com a política neste momento de crise da democracia na América Latina seguiu como pauta ao longo do dia. Qual o papel das políticas públicas na construção da relação do Estado com a sociedade, como criar estruturas jurídicas, políticas e institucionais que deem conta dessa relação complexa, foram algumas das questões levantadas pelos participantes do encontro.
“A relação dos movimentos com o Estado é opressora”, afirmou o curitibano João Paulo Mehl, da Rede Livre, um dos projetos contemplados recentemente no Edital Cultura de Redes. “Os instrumentos jurídicos que a gente tem hoje igualam uma organização de base comunitária com uma empreiteira na sua exigência, no rigor da aplicação dos recursos. A burocracia coloca os grupos culturais reféns desse processo. (…) Agora, a gente tem uma disputa jurídica e política ao mesmo tempo. A jurídica é o desafio de construir uma rede de advogados culturais que deem suporte aos movimentos, que pensem junto, para que a gente tenha mais qualidade para fazer a disputa política. E para que a relação entre Estado e sociedade avance de maneira mais justa.”
O programa anuncia os projetos habilitados nas categorias 1 e 3 do Edital IberCultura Viva de Intercâmbio
A Unidade Técnica do programa IberCultura Viva informa a relação de projetos habilitados nas categorias 1 e 3 do Edital IberCultura Viva de Intercâmbio. As inscrições estiveram abertas de 4 de agosto a 1 de dezembro. O prazo de apresentação de recursos terminou às 23h59 de 14 de dezembro.
Vinte e sete projetos foram habilitados na categoria 1, que tem como objetivo promover e fortalecer o intercâmbio entre agentes culturais ibero-americanos por meio da criação de redes. Na categoria 3, dirigida a produtos feitos em conjunto por organizações da sociedade civil de dois ou mais países ibero-americanos, foram habilitados para continuar na seleção 16 projetos.
A etapa de julgamento será de responsabilidade do Comitê Intergovernamental e do Comitê Técnico do programa. Serão destinados US$ 35 mil a cada uma das categorias (US$ 5 mil para os sete primeros colocados). Os resultados serão divulgados até 15 de fevereiro de 2016.
Informações aos interessados:
Resultado_da_Fase_de_Recursos_aos_Projetos_Habilitados_nas_Categorias_I_e_III
Aviso Prazo de Resolução do Edital
Confira a relação de projetos habilitados (*atualizada em 18/12/2015):
CATEGORIA 1
Nome do projeto – Entidades/ Coletivos
1. Las mujeres decimos basta a la violencia! – Museo de la Mujer (Argentina) / Museo de las Mujeres (Costa Rica) / Centro Cultural Ensamble (Colômbia)
2. Redes de Fuego – Museo Casa Bruzzone (Argentina) e Asociación de Ceramistas de Catalunya (Espanha)
3. Somos Guerreras. Tour 2016 – Cooperativa Sulá Batsú (Costa Rica) / Investigación y Educación Popular Autogestiva, A.C (México) / Producciones y Milagros Agrupación Feminista, A.C. (México)
4. Festival de Teatro TAT (Temporada Alta em Timbre 4) 2016: Semana Iberoamericana en Buenos Aires, Argentina – Teatro Timbre 4 (Argentina) / Temporada Alta (España)
5. Trenzando caminos. Una construcción político cultural, desde la sociedad civil en el Mercosur – Asociación Ecuménica de Cuyo ( FEC) Argentina / Centro Tierra Nueva Argentina /Centrac – Centro de Acción Cultural Centrac Brasil / CPP – Centro de Participación Popular Montevideo- Uruguay / ECO – Educación y Comunicaciones Chile /SEDEJ – Servicio para el desarrollo de los jóvenes Chile / Decidamos – Campaña por la Expresión Ciudadana Paraguay
6. Mapeamento de coletivos de artivismo, comunicação alternativa e cultura livre na Espanha –
Baixa Cultura (Brasil) / ZEMOS98 – Cultura Libre e Innovación Social (Espanha)
7. Primer Intercambio de Experiencias y Formación en el circo: Costa Rica y España se unen – Asociación Cultural Arte y Circo (Asocarte, Costa Rica) / Asociación Cultural Malabaracirco (Espanha)
8. Intercambio de experiencias de fomento a la lectura entre México y Colombia para fortalecer la Red de Colmenas de Lectura en Chiapas – Germinalia A.C. (México) / Fundación para el Fomento de la Lectura – Fundalectura (Colombia)
9. Labareda – Laboratórios Artísticos em Rede – Club Cultural Matienzo Asociación Civil (Argentina) / Nodo (Chile)
10. Red de Festivales Internacionales de Teatro de Titeres Colombiatiteres – Red Colombia Títeres; Fundación La Tortuga Triste; Manicomio de Muñecos de Medellín; Trotasueños de Cartagena –y Agárrate Catalina de Argentina- grupo para la movilidad.
11. Encontro Étnico Afrodescendente – Resgate e Difusão da Memória Viva na América do Sul – Rede Criativa Moreterra Produções (Brasil) / Agitando Cultura (Argentina)
12. Mundo Puckllay y Pé No Chão. Un enlace artístico y cultural entre Perú y Brasil (1ra Etapa) –
Puckllay (Peru) / Pé no Chão (Brasil)
13. Movimente em Rede – Cia. Dançurbana & Los INnato – Associação Cultural Dançurbana (Brasil) /
Los Innato (Costa Rica)
14. Knots-Nudos Festival Encuentro Itinerante Internacional de Teatro de Grupo / IV edición, Brasil – Asociación Civil Teatro In (Argentina) / Impulso Coletivo (Brasil)/Teatro Grito (Bolivia)
15. La Visión Compartida – Cinco Minutos Cinco (Peru) / Asociación Maipú Cine (Argentina)
16. Proyecto JuglarEX “Guardianes de la Cultura” – CEU EMEF Professora Mara Cristina Tartaglia Sena (CEU Parque Bristol) (Brasil) / Colegio Santa Teresa (España) / Centro Regional de Educación Juan E. O´ Leary (Paraguai)
17. Preparación de una muestra teatral con la Comunidad Nativa Yánesha de Tsachopén, en la Provincia de Oxapampa, Peru – Selvámonos (Peru) / Colectivo Ámbar (Argentina)
18. Museu da Pessoa. Rede Internacional de Histórias de Vida – Instituto Museu da Pessoa (Brasil) / Emiliano Polcaro – Museo de la Persona Argentina (Argentina)
19. Intercâmbio – Entepola Santiago – Chile /2016 – Companhia Etc e Tal Artes Cenicas e Manipuladora de Formas (Brasil) / Fundación Entepola (Chile)
20. Jornadas de Teatro y Cine Comunitario Infantil México-El Salvador – Cinematequio (México) / Gruta (Grupo Universitario Teatral de la Unasa, El Salvador)
21. Corredor Cultural Ruta 40” – Fundación Catalina (Argentina) / Teatro Andante (Brasil)
22. Red Iberoamericana de Talleres de Música Popular – Fundación Al Toque Taller Creativo Musical- Argentina / Casa do Núcleo-Brasil / TUMP- Taller Uruguayo de Música Popular-Uruguay
23. Festival Internacional de Videodanza Perú 2016 – Vasos Comunicantes (Peru) / Festival Internacional Videodanzaba (Argentina)
24. Red de Fortalecimiento en el tejido de acciones de arte comunitario en América – Lunasol / La Pochoclera- Multiespacio Cultural y Biblioteca (Argentina)/ Casa da Rua do Amor (Brasil)
25. II Foro educativo centroamericano. Desarrollo curricular y Arte Social, Etapa I –
Sociedad Civil para el Arte y la Cultura Guanared / Red Centroamericana Maraca
26. Integración entre agentes culturales de Costa Rica (Red Cultura Viva Comunitaria) y Chile (Nodo Valpo) – Costa Rica (Red Cultura Viva Comunitaria) y Chile (Nodo Valpo)
27. Maca en las alturas: murales comunitários a partir de la memória territorial del pueblo aymara –
Fundación Kine Cultural y Educativa (Argentina)/ Fundación Arte Amaru (Chile)/ Colectivo Teatro de Tierra (Chile)
CATEGORIA 3
Nome do projeto – Entidades/ Coletivos
1. Encontro de Bastidor Traços Aéreos. Soluções para artes do circo (Brasil) / Coletivo instrumento de ver (Brasil)/Ciclicus (Espanha)
2. Festibero – Festival Iberoamericano de Teatro de São Paulo – Associação São Pedro Pró-Cultura (Brasil) /Centro Paraguayo de Teatro (Paraguai)
3. Kwatiara Abya Yala (Escrita Indígena da América) – Thydêwá (Brasil) / Comunidad Indígena Territorial Comechingón Sanavirón Tulián (Argentina) / Comunidad Linkan Antai Corralitos (Argentina)
4. Primer plano para Los Derechos. Web serie. “ Arte, Cultura y Trabajo”. Una herramienta de Promoción de Derechos para las y los jóvenes – Fundación Crear desde la educación popular (Argentina) / Superarte AC (México)
5. Ventana a la biodiversidad – Cultura Savia A.C. (México) / Unesco Etxea – Centro Unesco del País Vasco (Espanha)/ .txt Texto de Cinema (Brasil)
6. EnSEÑA y aprende – Seña y Verbo Teatro de Sordos SC (México) / IBBY
México/A leer AC (México) / Fundación Leer / IBBY (Costa Rica)
7. Porto Alegre – Tijuana: mulheres olhando para seu cotidiano e além dele – Cidadania e Arte (Brasil) / Imagen y Creación (México)
8. Mainumbí. Voces, tradición y memoria oral Iberoamericana – Artesanas de la Palabra de Paraguay (Paraguai) / ONG Asociación Civil Proyectos Culturales para el Desarrollo (Argentina)
9. Anotación Núm 7. (Anotaciones Sobre El Miedo) – DOOS Colectivo (Espanha) / La Cantera-via Julia Färber (México)
10. Brasil – Colômbia: Literatura e Arte em Toda Parte – Grupo Scenário (Brasil) / Corporación Debluss – Duberney Arias Parra (Colômbia)
11. Taller Comunitario de Creación Cinematográfica Intercultural con y para Niños – CinemaTequio (México) / Sociedad de Arqueología e Historia Museo Fonck (Chile) / Club de excursionismo Grupo Tacitas (Chile)
12. Lxs jóvenes cantamos nuestros derechos – Fundación SES (Argentina) / Fundación Salvadoreña Para la Promoción Social y el Desarrollo Económico (FunsalProdese) (El Salvador)
13. Cooperación Ecocultural Perú (A.C.E.R. “Montaña”) – Costa Rica (Yarä Kanic) – Coopercost
Asociación Cultural Ecoturística de Recuperación “Montaña” (A.C.E.R. “Montaña”) (Perú) / Asociación Yarä Kanic (Costa Rica)
14. Oralidade escrita – Fundación Abriendo Surcos (Argentina) / Coletivo Aty Sâso (Brasil)
15. Proyecto Ja’ab de edición colectiva y fomento de la escritura y la lectura en el área maya – Museo de la Palabra y de la Imagen (El Salvador) y SOM Editorial Colectiva A.C. (México)
16. Músicas del Sur – Fundación Al Toque Taller Creativo Musical (Argentina) / Casa do Núcleo-Brasil / TUMP- Taller Uruguayo de Música Popular (Uruguai)
Los caminos de la incidencia política de Cultura Viva Comunitaria – Incidencia de alianzas y acuerdos
Em 09, dez 2015 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura
Por Patricia Requena
La Plataforma Puente Cultura Viva Comunitaria, de la que forman parte colectivos y redes sociales, comunitarias y también entidades gubernamentales y universidades y centros de estudio, ha realizado un largo camino que ya habían iniciado nuestros pueblos, tanto en la lucha contra la colonización como en la promoción en el campo del desarrollo y la ciudadanía desde el arte y la cultura.
Esto, en tanto que la instalación que hace el movimiento del concepto “Buen Vivir”, propio de las etnias latinoamericanas, es un aporte para repensar la Democracia, ya que este contiene en sí misma la idea y la necesidad de relaciones armónicas entre sociedad civil y Estado, basadas en la participación ciudadana como columna vertebral de los procesos de desarrollo.
Hoy este punto es central, más cuando vemos el deterioro de nuestras democracias, las que no han podido hasta ahora restablecer integralmente las ciudadanías dañadas. En lo particular, en el ámbito cultural creemos que la ciudadanía cultural aún no es reconocida ni ejercida; el ciudadano solo se siente receptor de ofertas culturales que vienen de un sistema que produce y se las hace llegar como “consumidor”. Así, el protagonismo de las comunidades y sus grupos no es visto y menos apoyado como legitima expresión del ciudadano (cultural). Un resultado y a la vez un reflejo de esta situación son las distancias y las desconfianzas que mantienen los actores culturales con el Estado y con sus instituciones.
En ese plano y en una mirada panorámica de las políticas culturales de los estados latinoamericanos, se percibe aún una muy tibia voluntad de apoyo a procesos de culturas comunitarias. Es destacable la voluntad de ciertas autoridades y agentes por instalar una mirada política que acentúa la mirada en las miles de experiencias de base, pero tenemos que reconocer que siguen siendo una minoría respecto del total de instancias y procesos legislativos y de políticas públicas.
Cultura Viva Comunitaria como palanca de cambio institucional
El movimiento Cultura Viva Comunitaria ha hecho en los países de Latinoamérica propuestas concretas que intentan asegurar el reconocimiento y el apoyo a las experiencias culturales locales a través de la promoción de condiciones institucionales y políticas para su fortalecimiento. De este propósito hay ejemplos que destacar como son inicialmente “Puntos de Cultura” en el Brasil y casos como el de la Alcaldía de Medellín y Bogotá en Colombia, o las gestiones en Lima, Perú y en otros países de Latinoamérica. En ellos se ha buscado que sea la misma voz ciudadana, de la base de la sociedad, la que entre en el diálogo con el Estado. No está demás decir que esos esfuerzos se encuentran generalmente con culturas institucionales, gubernamentales y municipales llenas de trabas y rigideces, que una mirada que les propone otra direccionalidad de las decisiones o de los motivos de la política los cierra e inhibe de hacer intentos por esos cambios.
Este proceso, con sus dificultades y potencialidades, fue visibilizado y proyectado por el movimiento, que en su momento diseñó el “Plan Acción Pública Conjunta y Continental” en el se especifican una serie de propósitos, uno de los cuales fue lograr un impacto político que contribuya a mejorar los escenarios institucionales y sociales en cada lugar en el que se desarrolle una acción. Desde ese momento, es que toma cuerpo la línea de incidencia dentro del movimiento, la que se tradujo en algunos puntos claves para la Cultura Viva Comunitaria:
. Promover la gestión pública participativa que apunte a la construcción de una democracia cultural deliberante y transformadora.
. Aportar a construir políticas culturales pertinentes para nuestras comunidades y territorios, que sean incluyentes, respetuosas de la autonomía, integrales y conducentes al empoderamiento social y a la construcción de sistemas territoriales de cultura democráticos, que incluyan la lógica y el lenguaje del arte. Ello implica una participación directa de las comunidades en estos procesos.
Desde esa misión se aterrizó un plan de acción que define entre sus líneas fundamentales de trabajo, la Incidencia, la que en concreto se propone:
. Plantear legislaciones nacionales inspiradas en la acción cultural comunitaria y hacerlo de manera participativa.
. Impulsar las metas del 1% del presupuesto nacional y municipal para la cultura, y el 0.1% de esos presupuestos para la Cultura Viva Comunitaria.
. Propiciar alianzas de políticos locales latinoamericanos.
. Promover la creación de los Consejos Municipales de Cultura como referencia pública de debate y decisión del quehacer cultural.
. Hacer un mapeo de aliados.
. Implicación en políticas públicas en toda la región.
. Identificación de los espacios nacionales y locales donde se están construyendo programas culturales e incidir e intervenir en ellos” (1)
Incidir, ¿qué significa?
Para explorar lo que ha sido y puede seguir significando para el movimiento estas líneas de acción, es necesario profundizar en sus diversas aristas, definiciones, condiciones, estrategias. En primer lugar, decir que de las diversas acepciones, tomaremos para el propósito de esta reflexión la siguiente, ya que nos parece más completa y clara que otras revisadas: Incidencia política es un proceso de acciones planificadas por alguna instancia de la sociedad civil para cambiar las relaciones de poder que impiden el ejercicio de los derechos.
Desde esa perspectiva, incidir está concebido como una acción de influencia y también de involucramiento; es decir, implica que los actores se hacen parte del proceso de cambio para hacer valer sus derechos e intereses. Por ello, la incidencia política es un ejercicio de democracia y también de empoderamiento.
Se puede incidir a través de varios medios, tales como la comunicación, la construcción de agenda, el diseño de propuestas para visibilizarlas en el debate público. Sin embargo, cualquiera de estas prácticas sólo tendrá peso y legitimidad si están insertas en procesos de participación ciudadana, de diálogo entre el Estado (en sus distintos niveles) y la sociedad civil. Sin este marco, la incidencia puede ser estéril ya que no posee el respaldo que en democracia solo la ciudadanía activa puede asegurar. Es por ello que los procesos de incidencia desde Cultura Viva Comunitaria se han planteado como espacios abiertos y representativos, como efectivos pasos hacia la creación de una Democracia Participativa, Deliberativa e Integral.
En este sentido, es fundamental que la participación vaya de la mano de organización de la gente, que a su vez es una manera que han encontrado los grupos, sus asociaciones y alianzas de habitar el espacio público y por qué no mirarlo así, de ir haciendo política pública desde el territorio, desde los barrios.
¿Hacia adónde apunta la incidencia en Cultura Viva Comunitaria?
El punto de partida que fundamenta la acción de incidencia que plantea Cultura Viva Comunitaria es la afirmación que la cultura es un derecho humano que si no se ejerce se pierde y que a quien le corresponde satisfacer ese derecho es al Estado.
Recordemos aquí lo que expresa la Declaración de La Paz, que emana de los acuerdos a los que se llegó en el Primer Congreso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitaria: “Las mujeres y hombres reunidos en la ciudad de La Paz decidimos usar como herramienta la exigibilidad de los derechos culturales como materia básica para la elaboración de políticas públicas de culturas vivas comunitarias, de manera de generar y fortalecer en nuestras comunidades prácticas integrales de descolonización, despatriarcalización y de igualdad de géneros entre todos y todas”. (2)
Los derechos culturales empezaron a ser “reconocidos” en nuestra sociedad, al menos en las declaraciones internacionales, cuando las ciencias sociales tuvieron la evidencia que la cultura le entrega los significados a nuestro mundo, a los grupos y a las personas: la cultura es el espejo de las sociedades; es decir, la cultura nos ayuda a ser humanos. Estos derechos son del individuo y de las comunidades. Y solo para tener en cuenta su referencia, la Declaración de Friburgo (3) los define como:
. Derecho a la identidad y patrimonio culturales.
. Derecho a referencias a comunidades culturales.
. Derecho al acceso y participación en la vida cultural.
. Derecho a la educación y formación.
. Derecho a la información y comunicación.
. Derecho a la cooperación cultural.
Desde estos principios (derechos), lo que aspira Cultura Viva Comunitaria son legislaciones y políticas culturales que efectivamente aseguren su cumplimiento, para lo cual deben tener varias condiciones:
. Ser pertinentes culturalmente para las comunidades y territorios
. Ser incluyentes
. Ser respetuosas de la autonomía de las organizaciones
. Ser integrales,
. Ser conducentes al empoderamientos social y a la construcción de sistemas democráticos territoriales de cultura.
Tal como lo expresan los documentos de Cultura Viva Comunitaria, este resultado solo es posible si las comunidades y sus grupos se involucran en los procesos.
De otra forma, solo implicarán recursos que llegarán de forma vertical a los grupos, no produciéndose el involucramiento que requiere un proceso transformador de la cultura de relaciones, de la cultura institucional y también de la cultura de alianzas y de autonomía.
Aspectos y preguntas relevantes acerca de la incidencia en Cultura Viva Comunitaria
Desde lo anteriormente dicho, y proyectando lo que pueden ser nuevos procesos de incidencia de Cultura Viva Comunitaria por la transformación de políticas y las decisiones públicas, especialmente tomando como referencia el caso chileno, podemos mencionar varios elementos a considerar en estos procesos.
En primer lugar, debemos recordar que por naturaleza el Estado es el administrador de los bienes del pueblo, administración que debe hacerse en función de las necesidades de los gobernados. Para esta función existen las políticas públicas, que son “el conjunto de decisiones tomadas y de acciones emprendidas por una serie de actores, tanto públicos como privados, orientada hacia la solución de un problema publico delimitado” (4)
Desde allí es que ante la construcción y el diálogo de incidencia es fundamental un diagnóstico serio y amplio, que defina las características de las culturas comunitarias del territorio, sea país, región o comuna según el ámbito de la política que se diseña.
En Latinoamérica podemos decir que los modelos de gestión pública en relación con la cultura de base han sido insuficientes; la han percibido fundamentalmente como “destinatarios” (gente que accede, publico, beneficiarios) a la cultura. No se ha promovido su asociatividad y los recursos destinados a resolver sus necesidades son siempre escasos y, en muchos casos, ni siquiera son considerados como ítems en los presupuestos. Los modelos tradicionales de políticas culturales en nuestro continente no han logrado atender las necesidades que surgen desde las dinámicas culturales cotidianas ni de las personas y colectivos que las animan.
Esta situación evidentemente tiene que ver también con lo nuevo que es este campo en tanto concepto que agrupa este tipo de iniciativas; se habla aún de cultura tradicional, cultura popular, cultura poblacional, situadas en su mayoría en el campo del patrimonio cultural.
Con toda la complejidad de la tarea, es necesario que al menos la organización que se siente a la mesa de la incidencia política sepa las características generales y específicas que tiene el ámbito de la cultura comunitaria, ya sea en su comuna, su región o su país.
Otro elemento en este camino es el conocimiento y la formación de los colectivos culturales respecto de los aspectos básicos de las políticas públicas y las leyes. Es necesario educarse y dominar los parámetros y los límites, las distinciones y diferencias entre tipos de leyes, entre políticas y normativas. Ese conocimiento no es algo complejo para el movimiento y debe ser procurado por los mismos actores involucrados.
Es bueno recordar y asumir que en el movimiento existe ya una vasta experiencia de incidencia que debe acopiarse y ordenarse y que así servirá de base y orientación a los distintos movimientos locales, nacionales y regionales.
Un aspecto estratégico a definir en estos procesos por parte del movimiento es la perspectiva desde la cual se dialogará. Con esto queremos decir que en esa “conversación” está implicado un gran mundo de acción comunitaria, más allá de las fronteras de dos entes dialogantes; es decir, la conversación no puede realizarse en función de intereses corporativos de un grupo o sector,
Una condición fundamental para que el diálogo sea amplio e inclusivo es que el “carácter” del proceso debe ser participativo. Para ello es evidente que se requiere una voluntad política y también la alianza con el mundo de las organizaciones que se debe lograr que confíen, que se abran y sean actores protagónicos de ese proceso. Los y las dirigentes deben cumplir el papel de informar y socializar las condiciones y las reales expectativas de cada instancia, de tal forma de no crear falsas expectativas y desencuentros a mitad de camino. El proceso participativo en sí mismo irá empoderando a las y los líderes mas claros y convencidos, los que serán fundamentales a su vez en el fortalecimiento de las mismas redes.
Es relevante establecer una comunicación fluida y sincera con el Estado, el que debe disponerse a un diálogo que implica un recorrido mayor pero de más riqueza y legitimidad.
Aunque parezca menor, y dada la experiencia en Chile, en este asunto hay distinciones que es necesario realizar ya que en estos procesos es fácil a veces, por la falta de claridad o bien por la inexperiencia de los agentes que participan de la incidencia, confundir los límites de las experiencias “comunitarias”. Se trata de poner en el centro a los grupos históricamente segregados de las políticas y de las decisiones de lo público, es decir a las experiencias multiplicadoras que se constituyen desde los valores del respeto a la diversidad, el protagonismo y la autonomía de las organizaciones.
En general, son experiencias que han nacido desde el seno mismo de los barrios, sin fines de lucro, procesos comunitarios posibles solo gracias al trabajo voluntario, a la gestión de proyectos y a diversas estrategias creativas para resolver las necesidades. En ellos, por cierto, se dan múltiples innovaciones para solucionar los problemas pero en general han subsistido pese a la escasez de recursos, la falta de infraestructura, de espacios y de estabilidad en el trabajo.
Desde el movimiento Cultura Viva Comunitaria se apuesta ala reconstrucción de una acción política y de la sociedad a partir de un nuevo paradigma que instala el poder e la base social: poder de iniciativa, poder de la experiencia, poder de los movimientos sociales. Con esta mirada se logra, paulatinamente, que las dinámicas que se construyen sean más dinámicas, horizontales y democráticas. Creemos que estas iniciativas deben estar guiadas por la práctica de la ciudadanía donde las personas y los grupos son actores de sus derechos y deberes.
Es claro que la perspectiva de Cultura Viva Comunitaria choca con un modelo de gestión (estatal, especialmente, pero presente también en muchas organizaciones que se piensan “alternativas”) vertical y con muchos rasgos de autoritarismo y exclusión. A pesar de lo que dicen algunos relatos políticos y de organizaciones, las prácticas tradicionales que se han instalado en el poder en la mayoría de nuestros países, así lo ratifica. Y es así que en lo referente a la política cultural el paradigma vigente asume cultura como gasto, todo lo cual está basado en que es una élite la que “hace” cultura. Por esto, el objetivo es lograr que finalmente el Estado se asuma como promotor y facilitador.
Un factor también importante en estos procesos es el nivel organizativo de la sociedad civil que constituye el sector de la cultura comunitaria. Sabemos que en los distintos países es, en general, incipiente o, al menos, inicial. Se han conformado redes y asociaciones y en la práctica juegan un rol fundamental en la articulación de los grupos. Esta acción es central y hay que cuidarla y fomentarla, no perder la articulación como eje porque ese carácter articulador le dará más fuera a las organizaciones en su necesaria de interlocución y negociación con las entidades estatales y, especialmente, con los funcionarios de esas entidades estatales.
Promover el tejido social, que es su misión, es un componente central de la participación ciudadana ya que es evidente que el trabajo en red permite sumar esfuerzos y en definitiva construir opinión y acción colectiva y comunicativa para la transformación social. Otra ganancia que permite la existencia de estas redes es la formación que se hace posible en encuentros y el necesario intercambio de materiales y de experiencias.
Finalmente, es claro que debemos estar atentos a los distintos aspectos, etapas y actores que juegan en estos procesos. Así, en la formulación de las políticas públicas hay que involucrar tanto a las entidades que conforman el poder ejecutivo como a quienes tienen la tarea de legisladores en lo local, subregional o nacional.
En la tarea de construir un mejor escenario político, institucional, programático y presupuestal para la Cultura Viva Comunitaria, debemos ser capaces de sensibilizar, motivar e involucrar a los funcionarios, a los directivos de las entidades públicas, a la academia y a los diferentes espacios de participación de nuestras sociedades.
(1) Pensar, Sentir, Hacer… ¿Por qué Cultura Viva Comunitaria? Texto surgido del encuentro fundador de Plataforma Puente, Medellín, Colombia, 2010.
(2) Declaración de La Paz. Documento declarativo que firman los y las participantes del Primer Congreso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitaria, La Paz, Bolivia. Mayo 2013.
(3) Los derechos culturales. Declaración de Friburgo. Mayo de 2007, en la Universidad de Fribourg.
(4) Subirats, Knoeptfel, Larrue, Varone, 2012, p13.
-
Patricia Requena Gilabert es gestora, actriz y docente en temas de cultura, políticas locales de cultura y animación comunitaria. Es una de las fundadoras del movimiento CVC en Chile y actualmente es parte del colectivo Cultura Viva Comunitaria Plataforma Chile
* Fuente: Este artículo es parte del libro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, presentado en el marco del 2º Congreso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitaria, en San Salvador, en octubre de 2015 (Compilación y edición: Jorge Melguizo)