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02

fev
2016

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

Cultura Viva Comunitária: Convivência para o bem comum

Em 02, fev 2016 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

Por Jorge Melguizo*

(…)Incluir as Culturas Vivas Comunitárias nas decisões políticas e orçamentárias nos levará a incluir na sociedade os múltiplos projetos culturais que são feitos em nossos bairros e zonas rurais sem o Estado, apesar do Estado ou inclusive contra o Estado.

Nestas expressões culturais de bairro e rurais, múltiplas e diversas, está uma boa parte da cultura para a paz que necessitamos com urgência potencializar para que a convivência seja uma palavra que nos defina como sociedade.

O que entendemos por Culturas Vivas Comunitárias: [1]

Somos expressões comunitárias que privilegiam na cultura os coletivos e as pessoas, e os processos sobre os produtos, na realização da emoção e a beleza.

Somos um movimento latino-americano de arraigo comunitário, local, crescente e convergente, que assume as culturas e suas manifestações como um bem universal e como um pilar efetivo do desenvolvimento humano e social.

Nosso objetivo é conseguir que os governos destinem ao menos 0,1% de seus orçamentos nacionais e municipais a programas de Culturas Vivas Comunitárias. E buscamos a possibilidade de que os bens e programas públicos se construam em aliança real entre o Estado e as organizações sociais.

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Foto: Platohedro Medellín

Na Declaração de La Paz sobre Cultura Viva Comunitária, dizemos:

“(…) A nova etapa das democracias e dos Estados latino-americanos requer a recuperação das experiências sociais e populares. A América Latina está em um momento de esperança depois de uma longa crise. Nos abre um panorama de restauração, no qual as experiências e organizações culturais comunitárias podem participar de processos de transformação novos e emancipadores.

(…) Propomos que em nossos países, a exemplo das organizações bolivianas, 18 de maio seja declarado Dia da Cultura Viva Comunitária, já que este encontro continental tem marcado a história comum de nossos povos, e o impulso da Semana Continental pela Cultura Viva Comunitária, de 12 a 19 de abril de cada ano”.

O que oferecemos:

Muitas das perguntas que nossas sociedades e nossos governos têm hoje têm respostas (e novas perguntas) nas Culturas Vivas Comunitárias. Nestes projetos culturais de bairros e rurais há cultura, certamente. Mas há também segurança e convivência, e há inclusão social, e habitação e desenvolvimento econômico e educação. E oportunidades. A transversalidade já está no bairro e nesses projetos culturais: o importante é que os governos saibam ver essa transversalidade e saibam atuar de maneira similar entre suas diferentes dependências. Cultura Viva Comunitária não é um projeto só para as áreas de cultura. Ao contrário: vai muito mais além e oferece seus conceitos, suas metodologias, seus resultados e seus produtos a muitas áreas de governo: segurança, educação, esporte, recreação, bem-estar social, desenvolvimento social, infância, juventude, terceira idade, mulheres, turismo, economia, inovação.

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Foto: Nuestra Gente

Nesses projetos já há alianças público-privadas-comunitárias: o desenvolvimento conceitual e metodológico destes coletivos culturais e artísticos, e seus próprios recursos, tem sido historicamente um investimento público, social, não quantificado e, portanto, não valorizada: valorizá-la, quantificá-la, reconhecê-la como aporte das comunidades aos projetos públicos de transformação de uma sociedade, de uma cidade, é um imperativo.

Estas organizações comunitárias não estão esperando que financiem seus projetos, não estão pedindo: estão oferecendo. Estão se oferecendo na construção de melhores caminhos sociais, de caminhos reais de transformação.

O que estão esperando essas organizações das Culturas Vivas Comunitárias, o que propõem aos governos e ao setor privado e ao setor acadêmico é a soma de recursos, dos dessas organizações comunitárias com os dinheiros públicos – que são de todos e vocês manejam temporalmente – e com os dinheiros privados, para produzir maiores e melhores resultados.

Além disso, o caminho percorrido por algumas cidades e países – e a velocidade que está tomando este projeto continental – permite gerar facilmente uma rede de aprendizagens, de cruzamento de conceitos, de conteúdos, de metodologias, de documentos, de legislações, de experiências, de pessoas e coletivos.

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Foto: Son Batá Medellín

Tudo isso já existe, não há que criá-lo. Há que conhecê-lo. Há que escutá-lo. Há que aproveitá-lo, há que potencializá-lo. Há que colocá-lo em relação com outras áreas da sociedade.

Essas muitas alianças e redes locais, nacionais e internacionais que estão trabalhando para o fortalecimento do local a partir de e com a cultura se convertem por si mesmas em um grande pacto sem fronteiras que ajuda a superar os egoísmos, os interesses e as miopias locais e nacionais.

A oportunidade está servida. As possibilidades são todas. Se não investimos em cultura, como sairemos das crises?

Nos tempos que correm, a cultura se torna necessidade. E o mais importante: a cultura é agora, mais do que nunca, uma grande possibilidade e uma magnífica oportunidade.

* Jorge Melguizo é consultor e conferencista em gestão pública, projetos urbanos integrais e cultura. É assessor do Governo da Cidade de Buenos Aires em Habitação e Inclusão. Foi Secretário de Cultura Cidadã e Secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Medellín.

 

**Este texto é um trecho do artigo publicado no livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado em El Salvador durante o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária. A versão digital do livro pode ser acessada aqui: https://issuu.com/congresocvc.elsalvador/docs/libro_ii_congreso_latinoamericano_d
[1] Tirado do Documento de Conclusões do Primeiro Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária”, La Paz, Bolívia, maio de 2013. https://es.scribd.com/doc/147877286/Conclusiones-Final-4

 

29

jan
2016

Em Notícias

Por IberCultura

O surgimento da plataforma Cultura Viva Comunitária México

Em 29, jan 2016 | Em Notícias | Por IberCultura

Por Rafael Paredes*

México é um país com uma extensão de 1.964.375 km2, o maior território da América Latina depois do Brasil, e com uma população de 112.336.538 de habitantes, sem contar os 20 milhões de mexicanos que vivem nos Estados Unidos. Na primeira vez que nos reunimos, em fevereiro de 2014, o companheiro Sael Blanco, do Coletivo Altepee, fez bem em ressaltar que o grande desafio da nossa articulação será construir pontes entre regiões distantes, realidades comuns e olhares diversos. Foi em outubro de 2015, depois de muita busca e diálogo, que na cidade de Tlaquepaque, Jalisco, reunimos 14 organizações para espalhar a semente da amizade e assim ver nascer a plataforma Cultura Viva Comunitária México.

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Wacha Mi Barrio (Torreón, Coahuila)

Enquanto em Jalisco o Coletivo Cafeteros, a Abarrotera Mexicana, a CulturAula, o Coletivo Cultural Polanco, o Bailando Ayudamos e a ONG Más Música Menos Balas trabalham com resgate da memória, arte lúdica, autonomia audiovisual, diversidade musical e cultura de paz, do outro lado do país a Comunidade Comelibros e a Mazorca de Colores en Puebla trabalham com a promoção da leitura e a defesa do território.

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Coletivo Cultural Polanco (Guadalajara, Jalisco)

Ao sudeste, o Coletivo Altepee de Veracruz promove a música tradicional de cordas e o Centro Cultural Ki’ki’t’aan, as expressões culturais emergentes da península de Yucatán. Ao norte, em Coahuila, encontramos o observatório infantil de direitos humanos Wacha Mi Barrio, e em Tamaulipas, o coletivo Aché Tének, que recupera espaços públicos para a convivência e a arte.

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Coletivo Altepee (Acayucan, Veracruz)

Por fim, a associação civil Planta Baja, em Michoacán, promove a música, a arte e os jogos tradicionais, enquanto o coletivo Habitajes da Cidade do México realiza ações no espaço público como prática reflexiva de direitos humanos.

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Habitajes (Cidade de México)

Assim, com diferentes formas de acionar a partir da arte, da tradição, da investigação e da gestão, buscamos compartilhar nossos sonhos e nossa ética por uma ação cultural transformadora. Buscamos que a plataforma de Cultura Viva Comunitária México possa servir para que as organizações e as redes culturais já formadas no local possam se visibilizar, articular e fortalecer para incidir na política pública.

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Comunidade Comelibros (Puebla, Puebla)

Estamos entusiasmados de participar do Conselho Latino-americano de Cultura Viva Comunitária e agradecidos do abraço de boas-vindas que temos recebido do Movimento de Arte Juvenil Mesoamericano (Maraca) e de todos os países que formam este movimento continental. México já está olhando para o sul.

*Rafael Paredes é membro do coletivo Abarrotera Mexicana e vice-presidente de inovação cidadã do Conselho Promotor de Inovação e Desenho de Jalisco.

 

28

jan
2016

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

Um quipo de mil nós – Cultura Viva na Costa Rica

Em 28, jan 2016 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

Por Fresia Camacho (*)

 

Mulher de palavra

Escrevo neste momento do papel que assumi como diretora de Cultura do Ministério de Cultura e Juventude, desde maio de 2014. Um tempo antes desempenhei o cargo de assessora do ministro Manuel Obregón sobre culturas comunitárias. Dois anos e nove meses intensos. A principal razão que me mantém nas estruturas governamentais, sendo uma pessoa que sempre trabalhou como sociedade civil, tem sido o compromisso adquirido com o movimento de culturas vivas comunitárias. O movimento tem sido meu sustento emocional e sua agenda, a guia de ação.

Em setembro de 2015, fizemos a seleção da Primeira Convocatória de Pontos de Cultura em Costa Rica. Pontos de Cultura nasceu no Brasil e é hoje um programa emblemático porque reconhece o papel fundamental das organizações socioculturais na ativação das comunidades como espaços de crescimento, convivência, criatividade, participação e bem viver.

Pela complexidade dos processos institucionais, nossa primeira convocatória de Pontos de Cultura teve um prazo de um mês e tivemos que restringir a participação a organizações com personalidade jurídica, sem fins de lucro e com pelo menos três anos de experiência. Cento e vinte e cinco organizações concorreram em nosso pequeno país de 4,5 milhões de habitantes. O que teria acontecido se déssemos a possibilidade de participação a coletivos sem personalidade jurídica ou a pequenos empreendimentos de outro tipo? A quantidade de solicitantes teria triplicado, possivelmente. A grande participação na convocatória fala da efervescência que existe em cada rincão da Costa Rica no campo da cultura.

É uma atividade efervescente, muito diversa e organizada, para fazer valer os direitos culturais: um exército cultural que desde muitos diversos campos se manifesta, se pronuncia, defende, propõe, cria e é consciente de que a cultura está no centro da vida cotidiana e que deve estar no centro de qualquer modelo de país que queiramos construir e no centro de qualquer política pública. E assim no continente.

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Foto: Manuel Ledezma

Um quipo de mil nós

Até uns cinco anos atrás não tinha a menor ideia de que chegaria a trabalhar para o Estado, muito menos que me corresponderia uma responsabilidade tão grande como a que me compete estes dias. Antes desta historia trabalhei com as comunidades, as organizações, as rádios, as mulheres e a gente jovem, sempre tentando conectar a emoção com a razão e com o corpo nos processos de construção de expressão, sentido e identidade. O Estado e as políticas públicas estavam distantes do meu campo de interesse.

Mas a história tem mais de cinco anos, possivelmente o dobro ou o triplo. Só posso relatar o que tem passado pela minha pele. É uma história que me mudou irremediavelmente.

Do norte ao sul houve uma viagem apoiada pela Fundação Avina que nos permitiu conectar iniciativas de todo o continente, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Neste espaço se encontraram as organizações pertencentes à Rede de Arte e Transformação Social da América Latina (Peru, Argentina, Brasil, Chile e Bolívia), com as organizações socioculturais da América Central. Entre a música, o ritual, o diálogo e o jogo ratificamos a importância dos encontros presenciais como ritos na construção de um movimento cultural, que ainda não tinha nome. Se a história deste movimento for contada com técnicas ancestrais, teria que ser um quipo (**), e cada encontro, um nó. E assim tem sido: cada encontro um nó para ativar as energias, conhecer e reconhecer-se como pares, definir a rota de viagem e a parada seguinte.

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Foto: Walter Morera

 

Depois de Santa Cruz de la Sierra se abriram os canais entre América Central e América do Sul, a comunicação fluiu, os companheiros e companheiras começaram a viajar de maneira mais assídua, não apenas para fazer teatro ou música juntos, e sim para debater, sensibilizar, compartilhar conhecimentos e ideias.

Minha memória, que é seletiva, recorda-se do argentino Eduardo Balán sentado no bar do Teatro Giratablas, expondo com veemência a necessidade de trabalhar o vínculo entre sociedade e política. Que não podíamos, nós que trabalhávamos no campo da cultura, seguir de costas para o âmbito das políticas estatais, onde se define o uso dos recursos. E que nós também fazíamos política pública desde as organizações.

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Foto: GuanaRED

No fim de 2010 reunimos em Medellín pessoas de 100 organizações culturais e de redes de cultura da América Latina, convocados pelos dois programas emblemáticos de aporte da cultura à transformação social: o Programa Pontos de Cultura do Brasil e a Secretaria de Cultura Cidadã de Medellín. Ali fundamos a Plataforma Puente para el Impulso de las Políticas Culturales en el Continente e nos propusemos como agenda principal conseguir 1% dos orçamentos nacionais para a Cultura (que é recomendação da Unesco) e 0,1% para a Cultura Viva Comunitária. Deste primeiro encontro, além da profusão de ideias, a paixão e o entusiasmo levaram os vínculos e as dinâmicas para outro nível.

Cultura Viva Comunitária emerge como plataforma e consegue convocar organizações culturais já consolidadas, referências do Estado de alguns países, mas logo se converte em um movimento que soma centenas de coletivos pequenos e médios de toda América Latina. Foros de Cultura Viva, seminários, oficinas, encontros… Uma dinâmica potente que reflete o poder da interconexão e, em especial, reflete que as condições estavam dadas para um movimento pelos direitos culturais. As e os líderes vão e vêm, disseminando as ideias.

Em 2013 fizemos na Bolívia o Primeiro Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, que mobilizou mais de 1.500 pessoas de 300 organizações culturais de todo o continente, e com eles, legisladores, secretários de Cultura, acadêmicos, gestores culturais de municípios e instituções públicas em busca de novas maneiras de entender a gestão cultural. O movimento tomou La Paz com sua alegria e levantou agendas e abriu espaços de reflexão e debate.

 

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O seguinte nó do quipo: Em abril de 2014 em San José, Costa Rica, fomos sede do VI Congresso Ibero-americano de Cultura, organizado pela Segib, Secretaria Geral Ibero-americana (Cúpula de Presidentes), e se marcou um rito político para Plataforma Puente, pois conseguimos que o congresso se centrasse exclusivamente em Culturas Vivas Comunitárias.

Agendas compartilhadas

A construção de uma agenda compartilhada, que se recria e se reinventa em sua abordagem em cada país ou região, mas tem elementos comuns, se converte em um potente elemento de incidência.

Reconhecimento, formação, recursos, diálogos intersetoriais e construção conjunta, alimentar o tecido do trabalho em rede, são alguns dos fundamentos-chaves desta agenda que vai cobrando vida nos diversos rincões do continente.

Desenvolvem-se programas oficiais de Pontos de Cultura no Brasil, na Colômbia, no Peru, na Costa Rica, na Argentina, no Chile. Realizam-se diversos programas intersetoriais. Surge o IberCultura Viva, como fundo de estímulo entre ministérios de Cultura da Ibero-América para o intercâmbio de experiências e a produção conjunta.

Amplia-se a reflexão sobre o caráter do fazer cultural e compreende-se que as organizações civis também geram políticas públicas, muitas vezes de maneira mais efetiva que os Estados.

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Foto: GuanaRED

Mover-se, dialogar e incidir

E são feitas caravanas para sensibilizar, expor o tema, tocar corações. A música, a poesia, os pasacalles tomam os espaços públicos com uma só palavra de ordem: mostrar a potência das dinâmicas culturais comunitárias, unir as forças, levantar as agendas, descolonizar os espaços. Chegam os coletivos das sementes, da semeadura, das mulheres, das comunidades indígenas. Chegam mais coletivos de meios comunitários. O movimento se enriquece. Cada vez somos mais. Agora já não conseguimos reconhecer-nos todos pelos nomes, há rostos novos e desconhecidos que logo se voltam cúmplices. Move-se ao ritmo dos tambores e cada vez mais gente se sente convocada pelas palavras de ordem da Cultura Viva Comunitária. Uma agenda poderosa se levanta de maneira criativa, inovadora, apaixonada. As redes e os meios sustentam e projetam.

Pôr sobre a mesa o tema das políticas públicas de cultura, seus alcances, suas limitações. Levantar a voz para que se escute e se tome em consideração. Estudar, propor, ter uma postura como movimento, em municípios, em regiões, em países. Converter-se em referência.

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Foto: Manuel Ledezma

Entre 2010 e 2014, construiu-se na Costa Rica a política dos Direitos Culturais e o movimento participou de maneira consistente, influindo em muitos de seus conteúdos principais. Em 2013, durante a campanha eleitoral costarricense, o movimento de Cultura Viva Comunitária, com o apoio do Ministério de Cultura, organizou um foro com candidatos políticos, que assinaram a carta do Movimento de Cultura Viva Comunitária e se comprometeram nesse ato a apoiar a agenda de trabalho. Em maio de 2014, o Ministério de Cultura e Juventude designou Diego Zúñiga (um dos líderes locais deste movimento) como assessor, e eu, Fresia Camacho, fui nomeada como diretora nacional de Cultura de Costa Rica. Um ano depois, Sylvie Durán, outra companheira do movimento, foi nomeada ministra de Cultura de Costa Rica.

A tomada dos espaços políticos

O desafio foi, para alguns de nós, a tomada dos espaços políticos: um trabalho muito mais articulado com instâncias do Estado para o desenvolvimento de programas conjuntos; o diálogo e a construção conjunta com instâncias de cooperação (como a Organização de Estados Ibero-americanos, OEI), o assumir responsabilidades públicas, tudo isso foi novo para muitas das pessoas que estávamos levantando estas agendas. Tratava-se de transcender o momento dos discursos e da incidência para assumir a responsabilidade no âmbito público. Acompanhados de excelentes gestores públicos, como Jorge Melguizo (Colômbia) e Célio Turino (Brasil), tivemos que “nos jogar na água” e reconhecer as instâncias do Estado como um espaço em que é necessário intervir, a partir do qual pode-se gerar transformações. Tivemos que mudar a perspectiva de olhar para estes espaços como algo alheio, distante, e entendemos que se não assumimos como nossas estas responsabilidades, com toda a complexidade que implicam, não podemos estar na oposição levantando agendas e apontando as coisas que precisam ser mudadas.

Foto: Manuel Ledezma

Foto: Manuel Ledezma

 

Estamos aprendendo a lidar com o emaranhado de leis, regulamentos e dinâmicas organizativas das instituições públicas, que muitas vezes são contrárias às necessidades e possibilidades das comunidades e das organizações. Temos aprendido a dialogar com os funcionários públicos, que muitas vezes se sentem ameaçados por outros olhares sobre o comunitário. Seguimos aprendendo a lidar com os tempos do Estado, que são muito mais lentos que os tempos do movimento e da sociedade civil. Compreendemos que para transformar o Estado é preciso ter armas diferentes e apoiar-se em saberes especializados; que a consolidação de programas ou projetos requer a instalação de mecanismos legais e de tecidos institucionais diferentes.

Aprendemos dia a dia a eleger as lutas, a enfocar as energias, a desenvolver a paciência, a escutar e aprender de quem tem mais experiência, a ter humildade (a presença em um posto político é algo temporal e em qualquer momento pode acabar). A tomar isso com calma, mas com pressa; a sério, mas com risos. De maneira constante.

Muitas perguntas, algumas sem respostas. Uma pergunta é como manter o vínculo e o trabalho conjunto entre o movimento e a institucionalidade, e ao mesmo tempo cuidar da autonomia do processo social, da própria liderança: como evitar a cooptação. Outra pergunta é como evitar o clientelismo para não repetir a política que beneficia os próprios e abandona ou debilita os outros. O Estado está a serviço de todas as pessoas, e neste caso a serviço de todos os grupos e organizações, reconhecidos ou não como parte do movimento de Cultura Viva Comunitária.

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Foto: Diego Morera

Na Direção de Cultura Nacional de Costa Rica estamos trabalhando em uma agenda com três pontos básicos: a instalação de fundos de estímulo que permitam canalizar recursos para as organizações socioculturais, mediante o programa Pontos de Cultura na Costa Rica e o IberCultura Viva; o impulso de programas de formação em gestão cultural; e o fortalecimento de espaços de participação efetiva na construção de planos e políticas nos territórios, na busca de modelos de participação viáveis e que se sustentem no tempo. Trata-se de estabelecer políticas públicas com mecanismos transparentes, participativos, equitativos e abertos.

Do gabinete da ministra de Cultura e Juventude, Diego Zuñiga continua ao lado do movimento, apoiando as caravanas para incidir nas políticas municipais, os encontros, os festivais, o fortalecimento de sua autonomia e seu acionar.

Tempo de autonomia, conectar e crescer

E o movimento começa a cultivar sua autonomia. De baixo para cima, desde as suas próprias lógicas. Na Costa Rica, no fim de 2014, o encontro anual propôs como tarefa a desconcentração: com Carolina Picado e Oriana Sujey Vindas, se iniciou um novo tempo no movimento de Cultura Viva Comunitária da Costa Rica. Identificaram-se os principais problemas: a participação das pessoas das regiões e a desconcentração; a autonomia política do movimento; a representatividade; a permanência. Em cada região do país são convocados os “círculos de ressonância”, responsáveis por eleger referências para o espaço de coordenação e para o espaço de comunicação. De baixo para cima. Constrói-se um plano e propostas baseadas nestas dinâmicas. Abrem-se espaços de diálogo nas regiões, com referências políticas ou institucionais. O movimento se enriquece, cresce, não tem donos.

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Assim como abaixo, é acima

Com o crescimento vêm novos desafios: a discussão sempre presente do poder: quem toma as decisões, quem representa, como se garante a socialização de informação e conhecimentos. Discussões que retratam que o movimento está em uma nova dinâmica, que já não são aqueles 20 loucos iniciais, e sim 40, 80, 100… as loucas e os loucos visionários que querem transformar o mundo a partir da arte e que encontram neste espaço o lugar para fazer as perguntas e buscar as respostas.

Tempo de construir uma ética compartilhada, de convocar, de ampliar, de deixar de sentir que este movimento é uma organização com alguns donos. Tempo de ampliar os círculos até o infinito e integrar todos aqueles que se sintam parte e compartilhem a agenda e as perspectivas, que abonem este novo modelo de vida, em que a cultura está no centro.

 

fresia* Fresia Camacho é diretora nacional de Cultura do Ministério de Cultura e Juventude de Costa Rica

 

* Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitária: Convivência para o bem comum, lançado durante o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo).
** Quipo: conjunto de cordões de cores variadas, com nós, usado pelos índios peruanos para fazer cálculos e transmitir mensagens.

 

 

 

28

jan
2016

Em Notícias

Por IberCultura

Caravana pela Vida – De Copacabana a Copacabana: a aventura que fez história

Em 28, jan 2016 | Em Notícias | Por IberCultura

Uma nova história foi escrita quando o pequeno ônibus de placa 2717BPE saiu do Lago Titicaca, na Bolivia, rumo à Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, naquele fim de maio de 2012. Dentro dele estavam umas 25 pessoas, a maioria integrantes do Teatro Trono – Compa, criado em 1989 na cidade de El Alto. Junto a eles ia o teatro-caminhão da companhia, de onde o grupo apresentaria a obra Até a última gota em algumas cidades do caminho. Além de propor debates e reflexões sobre as mudanças climáticas, a ideia era recolher ao longo do percurso demandas de meninos e meninas para tentar responder a uma questão: Que mundo queremos ter em 20 anos?

caravana-norio11A pergunta vinha por causa da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que se realizaria no Rio de Janeiro de 20 a 22 de junho, 20 anos depois da histórica Cúpula da Terra no Rio, em 1992. O evento era o destino final da “Caravana pela Vida – De Copacabana a Copacabana”, e ainda que a aventura não fosse tão extraordinária aos olhos dos atores bolivianos, já acostumados a caravanas como aquela, para os brasileiros aquilo parecia algo heroico, mítico, espetacular.

“A Caravana pela Vida foi uma jornada épica, que veio do altiplano boliviano para a Rio+20 afirmando que cultura + natureza = cultura viva”, lembra Alexandre Santini, diretor da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura. “Foi muito forte a chegada deles à Cúpula dos Povos na Rio+20. Nós os recebemos como heróis. Muita gente chorou, muita gente se comoveu com eles”, diz Marcelo das Histórias, gestor do Ponto de Cultura Nina, de Campinas (SP).

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Por que uma caravana pela vida

Iván Nogales, o sociólogo boliviano fundador do Teatro Trono e da Comunidade de Produtores em Artes (Compa), conta que desde a criação da Plataforma Puente (em 2010) buscavam-se maneiras de visibilizar a Cultura Viva Comunitária, algo que permitisse impactar o continente na relação com os governos e a sociedade. Houve até uma campanha pelos Pontos de Cultura e muitos propuseram fazer um pequeno festival, uma obra de teatro, etc. O Teatro Trono, como tinha um teatro caminhão, propôs uma caravana. Na verdade, eles tinham pensado em algo maior, “do Oceano Pacífico ao Oceano Atlântico”, mas não tinham dinheiro para isso.

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Um dia, um amigo alemão entusiasta da ideia disse a Nogales que poderia conseguir “algum fundo”. “No final, conseguiu bem pouco, mas foi bom”, afirma o diretor boliviano. “Então aproveitei e disse, ‘Companheiros do Brasil, há esta possibilidade, podemos fazer uma caravana de Copacabana a Copacabana. Vamos com o teatro-caminhão, com uma obra de teatro maiúscula, grande, mas que trate de denunciar a venda do planeta com a economia verde na Rio+20.”

E assim começou a jornada que acabou se transformando numa espécie de patrimônio do movimento de Cultura Viva Comunitária. O teatro-caminhão saiu de Copacabana, Bolívia, no dia 26 de maio e chegou a Copacabana, Brasil, em 18 de junho. Antes de chegar ao Rio de Janeiro, passou por La Paz, El Alto, Huanuni, Oruro, Cochabamba, Villa Tunari, Santa Cruz, Puerto Suárez, Corumbá, Campo Grande, Rio Claro, São Paulo e Taubaté. Como não havia muito dinheiro, foram os Pontos de Cultura que os acolheram para dormir e comer e beber, numa espécie de “financiamento complementar”. (*)

De ponto a ponto, aplausos e braços abertos

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Em São Paulo, o grupo foi recebido no Instituto Pombas Urbanas

A viagem foi narrada pela internet. No blog caravanario.wordpress.com, eles contavam o que acontecia no trajeto, as alegrias e os contratempos. Em Villa Tunari, por exemplo, chegaram justo no dia do aniversário do lugar e estava tudo cheio, não havia nem como entrar na praça central onde atuariam. À noite, quando finalmente conseguiram subir ao palco, um grupo começou a tocar. E eles tiveram que gritar muito alto para que a plateia os escutasse. “Fizemos o que podíamos. A obra continuou e, por sorte, nosso público também seguiu conosco.”

O percurso brasileiro, por sua vez, começou “cheio de carinho” em Corumbá (MS), com “corpos intercambiando arte” no Ponto de Cultura Moinho Cultural. Depois veio Campo Grande, onde foram “carinhosamente recebidos por Dudu e Andrea” e tiveram um “reencontro cálido” no mercado central com Célio Turino. “Passamos o resto da tarde com a gente muito aberta e amigável que assiste ao curso de Célio… Eles nos dão as boas-vindas com aplausos calorosos e braços abertos”, escreveram.

 

A recepção calorosa se repetiu nas cidades seguintes, Presidente Prudente, Rio Claro, São Paulo, Taubaté… até o ponto final, Rio de Janeiro. Marcelo das Histórias, que vinha acompanhando a saga dos bolivianos pelas redes, foi um dos que se comoveram com a chegada deles à Rio+20. “A expectativa era grande e eles chegaram justamente no momento em que começaria a plenária da Cúpula dos Povos. Foi muito emocionante ver os meninos, tão desgastados, começando a montar os banners, com aquele discurso poético, dizendo que cultura + natureza = cultura viva”, afirma o campineiro contador de histórias.

 

As mensagens de esperança pelo caminho

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Ao fim do espetáculo no teatro-caminhão

A pintura e a exposição dos banners estavam entre as atividades lúdicas previstas para a caravana, assim como as apresentações de teatro, os debates e a mostra de curtas que marcaram seu trajeto até o Rio de Janeiro. Até a última gota, a obra central apresentada durante a viagem, tinha a água como fio condutor, como elemento vital, relacionado a diferentes temáticas (mineração, pesticidas, mudanças climáticas, etc).

Com a caravana, o grupo de atores conseguia atravessar fronteiras levando não apenas propostas e demandas de crianças e jovens, mas também mensagens de esperança por um futuro que compete a todos. Rio+20, afinal, era uma oportunidade de olhar para o mundo que queremos ter e debater questões urgentes, como a redução da pobreza, o fomento da equidade social e a proteção do meio ambiente num planeta cada vez mais povoado.

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A caravana já no Rio de Janeiro

“Seria mais natural, pelo poder aquisitivo, ver uma caravana brasileira fazendo isso. E a iniciativa veio da Bolívia, um dos países mais pobres (economicamente) da América Latina”, comenta Marcelo das Histórias. “Isso foi um fator crucial para a decisão de fazer na Bolívia o primeiro Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária. Aquela noite fomos à  Lapa comemorar a chegada deles e o assunto vinha a todo momento, a bravura deles, o esforço que fizeram para chegar. Ali tivemos a ideia de fazer o caminho de volta: se os bolivianos mobilizaram uma caravana para vir ao Brasil, todos os países iam se mobilizar em caravanas para fazer o primeiro congresso na Bolívia. Ali organizamos a Caravana por La Paz”.

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Marcelo das Histórias (à esquerda, com a mão levantada) e a trupe na Rio+20. Ao fundo, os banners levados pelos bolivianos: “act now

A caravana como expressão da vida

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Iván (com o papel nas mãos) leu o manifesto ao chegar à Cúpula dos Povos

Iván Nogales sorri quando se lembra da reação dos brasileiros ao ver o grupo de atores chegando à conferência global do meio ambiente, com seus desenhos e mensagens em defesa de um futuro que pode ocorrer já (act now, “atue agora” era a frase formada pelos banners quando montados). “Foi surpreendente porque para nós (uma caravana) é um pouco cotidiano, algo que fazemos com frequência. No entanto, para os brasileiros pareceu uma ação muito heroica”, confirma Nogales.

“Isso marcou um rito, um acontecimento que acredito que agora se transformou em uma espécie de mito porque conseguiu o que não esperávamos, que uma ação visibilizasse e impactasse, enamorasse a sociedade, os governos, todas as instâncias (…) Daí em diante, as pessoas começam a ter maior respeito porque a Cultura Viva Comunitária é capaz desse tipo de acontecimentos, que vão quebrar a cotidianidade, vão marcar um outro rumo, uma outra forma de relacionamento através de impactos que rompem o ordinário da nossa vida, a forma de incidir no espaço público”.

 

Segundo Nogales, uma caravana atravessando fronteiras, aproximando uns aos outros, “nessa busca do encontro em direção ao outro”, gera (em todos os sentidos) uma mobilidade, um fluxo, uma potenciação do intercultural, intergeneracional. Mostra que os sonhos não são remotos, “e sim estão presentes e estão aqui”, porque a Cultura Viva Comunitária é também o bairro, e a partir do pequeno é possível acontecimentos de impacto continental.

“A Caravana pela Vida é como uma pegada da Cultura Viva Comunitária que, no fundo, explicita a cultura como fluxos migratórios contínuos e permanentes de aproximação dos povos”, acredita Nogales. “A arte através da caravana, a única coisa que faz é explicitar isso que os povos são permanentemente: caravanas. As culturas são caravanas sempre. Por isso, as nossas caravanas culturais nada mais fazem que deixar claro que a caravana da vida está permanentemente em todo o planeta.”

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Apresentação do Teatro Trono na escola Januario Sylvio Pezzotti, em Rio Claro (SP)

A descolonização do corpo e o sonho de outra vida

Iván Nogales Bazan trabalha com arte comunitária e educação desde 1980. Sob sua direção nasceu em 1989 o Teatro Trono – Compa e, com ele, toda uma tecnologia que tem a ver com caravanas. “Fomos fundadores da kinder kultur karawane, a caravana cultural das crianças, que circula na Europa há 18 anos”, conta. Nessas caravanas, que duram quase três meses, de 6 a 8 grupos circulam por ano na Alemanha e em grande parte da Europa até parte da África e da América Latina.

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Resultado do trabalho do Teatro Trono – o grupo de teatro independente que começou com meninos de rua em um centro de reabilitação há 26 anos –, a Fundação Comunidade de Produtores em Artes (Compa) já realizou mais de 40 excursões internacionais. Ainda que desenvolva suas atividades principalmente em El Alto, cidade da área metropolitana de La Paz onde abriu quatro centros culturais, a organização tem sedes em Cochabamba e Santa Cruz. Em 2010 também ganhou uma sucursal na Europa: a Compa Berlín.

A principal metodologia da Compa se denomina “descolonização do corpo” (“arte que se faz abraço”). Como eles explicam no site www.fundacioncompa.com, “é uma proposta que pretende mudar a lógica de aprendizagem, passando de um processo meramente intelectual a um processo vivencial, criativo, emotivo, envolvendo todo o potencial corporal”. Colonização, dizem, é “o domínio, a imposição, a submissão de um sobre outro/a ou outros/as”. Ou seja, de uma forma de pensar sobre outra, de entender e sentir o corpo sobre outra. Descolonização, portanto, seria “o processo de liberação da estrutura colonial interna como indivíduos e coletivos, base para projetar utopias”.

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Com vistas a experimentar de forma permanente suas metodologias alternativas de arte e educação, o grupo vem construindo pouco a pouco seu projeto mais ambicioso: o Pueblo de Creadores. O espaço já existe: um terreno de três hectares adquirido na  comunidade de Santa Gertrudis, em Nor Yungas. No povoado vizinho, Mururata, de população predominantemente afro e cultura aymara muito presente, a Compa vem criando espaços de diálogo, aproximação e construção de comunidade por meio da arte, com oficinas de teatro, música, rádio, vídeo e outras ações para o resgate da memória e o fortalecimento dos saberes locais.

Nesta comunidade onde tentam construir o sonho coletivo de descolonização, eles pretendem se inspirar nos saberes indígenas para recuperar seu legado de convivência harmoniosa com a natureza e mostrar, assim como fizeram poeticamente na Rio+20, sua equação mais básica: a que ensina que cultura + natureza = cultura viva.

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Pueblo de Creadores, a comunidade alternativa da Compa: sonho construído aos poucos

 

(*Texto publicado em 28 de janeiro de 2016)

 

Assista aos vídeos sobre a Caravana pela Vida:

https://www.youtube.com/watch?v=jv34hlnGbvM

https://www.youtube.com/watch?v=wGF12nloSes

https://www.youtube.com/watch?v=Bs4zdPGsdzA (trailer)

https://www.youtube.com/watch?v=zOWchkZqkc8L (spot)

 

Saiba mais:

www.facebook.com/CaravanaPorLaVida

* A Caravana pela Vida teve o apoio de instituções como Terre des Hommes (Alemanha), Fundación Cultural del Banco Central de Bolivia, Gobierno Autónomo Municipal de La Paz, Fundación Solón e Universidad de la Cordillera.

19

jan
2016

Em Notícias

Por IberCultura

Lei Cultura Viva: de programa de governo a política de Estado

Em 19, jan 2016 | Em Notícias | Por IberCultura

“Se a partir de um ponto a gente pode refazer o mundo, a partir de muitos pontos, reunidos, fortes, visíveis, presentes, ativos, vamos desenhar muitas linhas para mudar as coisas e derrotar preconceitos.”

 

As palavras do então ministro Gilberto Gil na entrega do Prêmio Cultura Viva, em 06/06/2006, referiam-se ao Brasil “de alma, espírito e imaginário simbólico” que enfim começava a ser reconhecido nas políticas públicas como um grande desenho construído ponto a ponto, linha a linha. Era o primeiro de vários ciclos que viriam com o programa Cultura Viva, criado em 2004 como uma política pública de mobilização e encantamento social, um “reconhecimento plural e democrático de quem já é, já faz, já diz, já mostra”.

Neste caminho traçado há uma década, com muitas linhas e algumas curvas, há algumas datas marcantes. A começar pelo 22 de julho de 2014, dia em que a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.018, que institui a Política Nacional de Cultura Viva, valorizando a diversidade cultural brasileira, simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil.

Com a aprovação da lei, os Pontos de Cultura passaram a ser não apenas a ação estruturante de um programa de governo, e sim uma política de Estado. Ou seja, a lei garante a permanência e continuidade desta política baseada no protagonismo da sociedade civil, que reconhece as práticas, saberes, fazeres e manifestações culturais das comunidades, independentemente do viés ideológico dos governos que estejam no poder.

“A Lei Cultura Viva é uma lei inovadora, transformadora e muito importante como política de Estado. É uma lei que entende o Brasil em sua totalidade. Que desburocratiza, credencia, cadastra, reconhece”, afirmou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora do projeto da Lei Cultura Viva, aprovado após três anos de tramitação no Congresso Nacional. “Foi uma grande vitória da sociedade brasileira, do chamado Brasil profundo, da pluralidade, da criatividade, da diversidade cultural.”

Participação social

A Política Nacional Cultura Viva foi resultado de um longo processo de debates envolvendo Pontos de Cultura, parlamentares, gestores estaduais e municipais, universidades e órgãos de controle. Com a Lei nº 13.018 vieram dois novos instrumentos de gestão: a autodeclaração dos Pontos de Cultura, por meio do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura, e o Termo de Compromisso Cultural (TCC).

Pensado como um instrumento jurídico mais simples e adequado à realidade dos agentes culturais, o TCC substitui os convênios no repasse dos recursos para as entidades culturais. Com a prestação de contas simplificada, fundamentada essencialmente nos resultados (e não nos números), pode-se demonstrar a boa aplicação dos recursos com o envio de documentos como a relação de pagamentos e o extrato bancário da conta específica do projeto. Os convênios permanecem apenas para  as parcerias entre o governo federal e os estados e municípios, para implantação de redes de Pontos de Cultura.

 

“Precisamos mudar a cultura jurídica do pais. A Lei Cultura Viva tem potencial para contagiar políticas de saúde, economia, educação e as próprias políticas do Minc”, ressaltou Ivana Bentes, secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e presidente do IberCultura Viva, à época do lançamento da lei e da regulamentação da Política Nacional de Cultura Viva, em abril de 2015.

Encontro de redes

O lançamento da Lei Cultura Viva se deu em 8 de abril de 2015, em Brasília, com a presença do ministro da Cultura, Juca Ferreira, de gestores estaduais e municipais de cultura, de parlamentares e representantes da sociedade civil. Nos dois dias anteriores foram realizados encontros, debates, reuniões e oficinas envolvendo temas como mídia livre, culturas de matriz africana, política indígena, cultura periférica, ação griô, cultura LGBT e novos movimentos urbanos.

O ministro no lançamento da Lei Cultura Viva em Brasília, em abril de 2015. Foto: Janine Moraes

O ministro no lançamento da Lei Cultura Viva em Brasília, em abril de 2015. Foto: Janine Moraes

 

“Esta legislação traz uma ferramenta muito importante, que é autodeclaração. Agora, qualquer manifestação cultural com mais de dois anos de atividade poderá ser reconhecida como Ponto de Cultura”, afirmou Juca Ferreira. “Existem mais de 100 mil grupos culturais no Brasil, dos mais diversos segmentos, e o Estado tem obrigação de se relacionar com eles, de disponibilizar recursos para que esses grupos cresçam e aumentem seu raio de ação”.

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Ivana: “A autodeclaração é uma demanda histórica”

Para Ivana Bentes, a autodeclaração é uma “demanda histórica” dos Pontos de Cultura, proposta desde o início da experiência no país, e uma “vitória importantíssima,  decisiva”. “Estamos criando uma política pública para além do financiamento”, destacou a secretária. “Não vamos mais falar em 4 mil Pontos de Cultura financiados pelo Estado. Serão 10 mil, 20 mil, 30 mil, 100 mil. Vamos articular, construir, dar visibilidade nesse espelho virtual que é a rede, para a dimensão imensurável da cultura. E de forma mais concreta também, fazer um mapa, uma cartografia dos Pontos de Cultura.”

Criada em software livre, a ferramenta que permitirá o reconhecimento e o mapeamento de entidades e coletivos culturais foi lançada com a plataforma da Rede Cultura Viva (www.culturaviva.gov.br), em 5 de outubro de 2015, dia em que a Constituição da República Federativa do Brasil completou 27 anos — e o país que se redesenha há uma década com os Pontos de Cultura ganhou um novo marco em seu traçado de muitas linhas para mudar as coisas e derrotar preconceitos.

 

 

Conheça a Lei Cultura Viva e sua Instrução Normativa

Veja a linha do tempo do programa Cultura Viva

 

 

Leia também:

Sobre a Lei Cultura Viva e a Instrução Normativa: https://www.cultura.gov.br/cultura-viva1

Juca Ferreira: “A Rede Cultura Viva é um avanço enorme”

Discurso do ministro Gilberto Gil na entrega do Prêmio Cultura Viva (Rio de Janeiro, 6/6/2006)

 

 

 

 

11

jan
2016

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

Como organizar nossa esperança: O movimento de Cultura Viva Comunitária no Uruguai

Em 11, jan 2016 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

Por Paula Simonetti*

 

Me proponho através deste texto fazer um primeiro desenho do movimento pelas Culturas Vivas Comunitárias no Uruguai que, ainda que incompleto e parcial, possa trazer tanto uma retrospectiva do processo como uma série de ideias, avanços, desafios e perguntas para esta grande festa latino-americana que é ao mesmo tempo celebração e conflito, esperança e disputa, cultura e política.

Este percurso terá três grandes marcos: o primeiro refere-se a uma contextualização e história do recente movimento da Cultura Viva Comunitária em nosso país; o segundo tentará trazer algumas leituras e concepções para pensarmos e, por último, uma série de perguntas e questões um tanto “espinhosas” pelas quais nos parece necessário, e urgente, transitar.

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1.“Criar um novo mundo é encontrar as palavras para nomeá-lo”. Um pouco de história

No Uruguai, os primeiros passos para a formação de uma  incipiente rede de articulação entre as experiências nacionais autodefinidas como “cultura comunitária” coincidem com a participação de um grupo de coletivos no 1º Congresso Latino-americano celebrado em La Paz, Bolívia, em maio de 2013. Surge, então, a partir da percepção das possibilidades que tinha este conceito, trabalhado em centenas de espaços latino-americanos através dos anos, para nominar, reunir, articular, fortalecer e incidir politicamente em uma realidade que, prévia ao conceito, encontrava uma forma. “Criar um novo mundo é encontrar as palavras para nomeá-lo” — esta frase de Gertrude Stein é, portanto, alusiva a este interessante processo. Entendemos que o conceito “Cultura Viva Comunitária” vem dar nome, uma vez que potencializa, a uma série de experiências existentes, pujantes e transformadoras.

De concreto, a partir do nosso incipiente movimento, realizamos encontros em distintos lugares de Montevidéu e Canelones, participamos de todas as instâncias regionais-continentais possíveis, foram feitas articulações com atores institucionais diversos e se realizou um encontro regional de Cultura Viva Comunitária em Paysandú (litoral do país), em 2014.

A premissa fundamental no aqui e agora é trabalhar sobre um registro nacional de organizações de cultura comunitária e no crescimento, a partir de uma convocatória o mais aberta possível, de todas as experiências culturais comunitárias que existem, que são muitas e de vital incidência na vida de homens e mulheres em todo o território uruguaio, com vistas a um Encontro Nacional de Cultura Viva Comunitária Uruguai.

O encontro

Devido ao fato de que o movimento das culturas comunitárias é e deve ser plural, aberto e diverso, e dada a impossibilidade de dar conta dessa abertura em um artigo que é necessariamente parcial e tendencioso, tentarei fazer uma síntese do conversado e debatido neste Primeiro Encontro Regional, como forma de integrar algumas vozes que compõem este entramado, muitas vezes harmônico, outras tantas tenso.

No encontro de Paysandú, do qual participaram umas trinta organizações sociais e comunitárias, além de atores representativos de programas estatais (com destaque para os Centros MEC, do Ministério de Educação e Cultura, presentes em todo o território nacional, e o Programa Esquinas da Cultura, pertencente à Prefeitura de Montevidéu) os debates giraram em torno dos eixos “Gestão cultural e comunicação comunitária”, “Juventude e arte para a transformação social”, e “Democratização cultural”, enquanto se transversalizavam estes temas: Incidência em políticas públicas, Conceitualização de Cultura Viva Comunitária e trabalho em rede.

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Temas-chave

Do registro do conversado emergem certos desafios que considero importante mencionar aqui. Como num mosaico, estas foram algumas frases surgidas no contexto do Encontro:

“Aquele projeto que se gesta para responder a uma necessidade determinada, num âmbito social determinado, mobilizando um coletivo para perseguir um fim comum, costuma ser sustentável e permanente, enquanto aquele projecto que nasce do Estado para atender aquilo que o governo da vez considera uma necessidade, provavelmente seja um projeto destinado ao fracasso”.

“Os coletivos se vêm imersos num giro paradigmático em que a democracia representativa e o capitalismo estão na ordem do dia, esquema muito questionado que tenta incursionar um novo discurso assentado em modelos de democracia participativa. Talvez o não ficar com o estabelecido e tentar modificar ou criar novos modelos de gestão cultural que acentuem uma mudança consiga paliar a perversidade deste sistema capitalista”.

“Foram nomeados e reconhecidos organismos concretos (Esquinas, Prefeitura de Montevidéu, Centros MEC – Ministério de Educação e Cultura) que trabalham na mesma direção que a cultura comunitária e são permeáveis às propostas, mas ‘isso não alcança’, sem um ‘antes’ que conte com a ação participativa das pessoas”.

Uma síntese

O primeiro encontro regional de Cultura Comunitária Paysandú 2014 superou em sua convocatória as expectativas que tínhamos previamente na rede. A participação em número e qualidade é uma prova de que a cultura comunitária é uma realidade extremamente presente em todo o território nacional. Que conseguir reconhecimento e legitimidade é possível e o esforço vale a pena. Como dizemos no documento de síntese elaborado após o encontro: “O primeiro elemento a ter em conta é a valorização das individualidades, as mulheres e os homens que de alguma maneira participamos deste encontro, com seriedade, compromisso, liberdade de pensamento e alegria. Poucas vezes nos fica tão claro que formamos pessoas para as organizações e instituições. E é partir desta dimensão do indivíduo que vai se tecendo o compromisso, uns se aproximando dos outros, formando conceitos, grupos, coletivos sumamente diferentes entre si, redes, movimento”.

A cultura comunitária nos precede e este tipo de acontecimentos nos envolve definitivamente nela e nos dá a possibilidade de fazer parte deste momento histórico: o reconhecimento longamente postergado para a cultura viva e comunitária. Entendemos que este encontro foi um passo importantíssimo no caminho que estamos iniciando e que tem a ver com o fortalecimento, a visibilidade e a articulação deste setor de nossa cultura no Uruguai. Nos permitiu, entre outras coisas, comprovar que os objetivos e as metas que traçamos fazem sentido em nosso território e que é no trabalho em rede, a partir dos coletivos, pessoas e grupos que realizam práticas culturais comunitárias, que vamos avançando neste processo.

Neste sentido, atualmente trabalhamos em direção aos seguintes objetivos:

. Propiciar o intercâmbio e o conhecimento entre as experiências de cultura comunitária no Uruguai.

. Trabalhar para a visibilidade, legitimação e fortalecimento do setor.

. Georreferenciar, mapear, documentar as experiências que atuam em todo território nacional a partir da perspectiva da cultura comunitária.

. Avançar em termos de formação em gestão cultural comunitária.

. Propiciar a troca de saberes e conhecimentos que circulam em cada um dos coletivos, a fim de afiançar uma conceitualização e definição da cultura comunitária no Uruguai.

. Incidir na elaboração de políticas públicas de alcance nacional que contemplem esta dimensão da cultura através da geração de fundos nacionais para as Culturas Vivas Comunitárias, fundos e recursos que os próprios atores executem e gestionem.

. Aprofundar no trabalho de articulação da Cultura Viva Comunitária em nível latino-americano.

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  1. De onde pensar nossa esperança

Depois deste breve passeio pelos principais “ritos” da história deste emergente movimento no Uruguai, no qual sem dúvida há recortes imperdoáveis, me interessa expor algumas ideias conceituais que acredito permear nossa construção.

Neste sentido, abordar estes espaços, movimentos e experiências coletivas de cruzamento ou encontro entre a arte, a estética e o político, implica também construir, reconstruir e criar juntos um marco a partir do qual poder pensá-las, nomeá-las e debatê-las. Sobre isso, proponho retomar alguns conceitos:

. Entender este movimento como um espaço de esperança, de possibilidade e de construção de alternativas, um espaço que possibilita, desde as práticas, pensar e repensar estas categorias, assumindo, por outra parte, seus limites. Dizia Bloch que nestes tempos a possibilidade tem tido “muita má fama”. A falta de alternativas é o estribilho que escutamos, reproduzimos e argumentamos (frequentemente com muito bons argumentos) uma e outra vez; o que vai reduzindo as experiências que resistem ou propõem em inúteis, irracionais e ingênuas.

Harvey, por sua parte, em Spaces of hope, se pergunta por que é que estamos tão absolutamente convencidos de que não há alternativas, sugerindo que seguramente não é por falta de imaginação, e diz: “O mundo acadêmico, por exemplo, está cheio de explorações do imaginário. Em física, a exploração dos mundos possíveis é a norma mais que a exceção. Em humanidades, aparece por todas as partes uma fascinação pelo que se denomina o imaginário. E o mundo dos meios de comunicação de que agora dispomos nunca havia estado tão repleto de fantasias e possibilidades de comunicação coletiva sobre mundos alternativos”.[1]

Tudo lembra uma anedota que Zizek comenta sobre a China, quando o governo proibiu na televisão, no cinema e na literatura qualquer tema relacionado com realidades alternativas ou viagens no tempo: “É um bom sinal sobre a China: os chineses são gente que ainda sonha com alternativas, por isso deve-se proibi-las. Aqui não faz falta, não necessitamos de proibições porque o sistema imperante tem danado até a capacidade de sonhar. Vejam os  filmes que vemos todo o tempo: é fácil imaginar o fim do mundo ou um asteroide destruindo a vida, mas não podemos imaginar o fim do capitalismo”.[2]

. Rebellato, intelectual (“radical”) uruguaio, que decidimos retomar para que volte a nos interpelar neste movimento, utiliza o conceito de ética da esperança, delimitada na construção de projetos políticos emancipatórios, que confiam nas capacidades e nos potenciais dos “sujeitos populares” e das construções em coletivo.

. No terreno da possibilidade vinculada com o artístico e o político voltamos a olhar para a Antiguidade, por exemplo, repensamos aquela famosa distinção de Aristóteles em Poética, entre a poesia e a história: a poesia e a história, nos diz Aristóteles, não se diferenciam por estar escritas em verso ou em prosa, e sim porque a história se ocupa do que sucedeu e a poesia do que poderia suceder; quer dizer, da possibilidade. Neste sentido, poderíamos acrescentar, a política lhe é inerente.

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Estas possibilidades de que falamos se encarnam sim no terreno da proximidade e da micropolítica, mas não perdem de vista um projeto político maior. Voltando a Rebellato, não é possível resistir sem abrir espaços alternativos e, portanto, é preciso fortalecer  microalternativas e microprocessos que se encaminham em direção a uma alternativa global. O mesmo autor faz uma diferença entre utopias totalizadoras e utopias liberadoras, as últimas: constituem os horizontes de sentido, tanto para o pensamento como para a ação, de uma ética da esperança [3].

. Por outra parte, aparece a pergunta sobre como lemos, desde onde e a partir de que estas experiências que mesclam o artístico com o social, o estético com o político. Em algum sentido aceitamos que isso é “uma mescla”, ainda que também podemos pensar que é um giro forte em direção à “função social da arte” tão visitada e revisitada desde as vanguardas históricas até nossos dias, ou uma volta a reconectar elementos que se desconectaram historicamente, mas que funcionam muito bem juntos, no sentido de uma arte e uma estética vividos como experiência (recordando a Dewey) artística sim, mas também política, social, pedagógica, etcétera. Nesta direção, também necessitamos da “mescla” conceitual para pensar o que fazemos.

. Para Rancière, o que têm em comum a arte e a política (ou melhor, em seus próprios termos, “o político”) é que ambas se ocupam da reconfiguração material e simbólica do território comum. Rancière considera que o político é o conflito sobre a existência deste espaço comum, e a partir disto retoma a reflexão de Aristóteles quando define que o homem é político por ter uma linguagem que põe em comum o justo e o injusto, enquanto que os animais apenas têm o grito para expressar a dor ou o prazer. Diz Rancière que a questão, então,  reside em saber quem tem a linguagem e quem só o grito:

“A resistência a considerar determinadas categorias de pessoas como indivíduos políticos teve a ver sempre com a negativa a escutar os sons que saíam de suas bocas como algo inteligível. Ou mesmo com a constatação de sua impossibilidade material para ocupar o espaço-tempo dos assuntos políticos. Os artesãos, diz Platão, não têm tempo para estar em outro lugar além de seu trabalho. Esse “em outro lugar” em que não podem estar é, claro, a assembleia do povo. A «falta de tempo» é de fato a proibição natural, inscrita inclusive nas formas da experiência sensível. A política sobrevém quando aqueles que «não têm» tempo  tomam este tempo necessário para erigir-se em habitantes de um espaço comum para  demonstrar que sua boca emite perfeitamente uma linguagem que fala de coisas comuns”.[4]

. Gustavo Remedi, professor e teórico uruguaio contemporâneo, se pergunta em seu texto “As bases estéticas da cidadania”: quais são ou deveriam ser as intervenções estéticas de base para resgatar nosso papel de cidadãos, isto é, para dar sentido à democracia. Maneja neste texto uma definição amplia e includente da estética que resulta pertinente na hora de pensar em nossas práticas: “Pode-se dizer então que a experiência estética não é outra coisa que a forma em que nos conectamos, nos comunicamos e interatuamos com o mundo, em que visualizamos e representamos o mundo, em que construímos, transformamos e damos valores ao mundo”. De fato, o autor chama a atenção sobre as raízes etimológicas do termo estética, que remitem a percepção, a sensação. Há também no texto de Remedi um interessante jogo que, retomando a Barilli, transita pela ideia de estética como contraposto ao conceito de anestesia. No sentido de que se mediante a anestesia perdemos o corpo, a consciência e o sentido, a experiencia estética supõe recuperar o corpo, reencontrar-nos com o mundo. [5]

. Por último, mas fundamental, é necessário e urgente pensar nossas práticas, nossas estéticas e nossas produções artísticas “mais pra lá e mais pra cá” de si mesmas, insertas no contexto da criação de espaços sólidos no âmbito da participação social e da política, assentando-nos  — ao mesmo tempo, e talvez sobretudo, reinventando-os — em modelos de democracia participativa, que nos envolvam na gestão de esquemas verdadeiramente alternativos.

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Filmagem do programa Hacé y Mostrá (Foto: www.arbol.org.uy)

  1. Para não “pisar o palito”

“Pisar o palito” é uma maneira de nos referirmos a algo como “cair em nossas próprias armadilhas”, ou nos descobrir, na ação ou no discurso, no lado contrário ao que dizemos estar. Armadilhas que também existem neste nosso terreno, onde uma parte muito importante da construção está em ter a capacidade crítica e a coragem de enfrentar uma série de questões mais “espinhosas” que vão se abrindo neste processo.

Por um lado, aparecem as formas, os dispositivos e a organização que damos ao movimento. Certamente, neste caso como nos demais, a forma é nem mais menos que conteúdo político.

O que acontece com o Estado? Quando o político nos despolitiza

. Por mais que entendamos o Estado como um (heterogêneo, diverso, múltiplo, contraditório) administrador e gestor da “coisa” pública, e a nossas experiências e práticas como outra maneira de fazer e operar no “público”, cujo reconhecimento e apoio por parte do primeiro é um direito exigível e legítimo (como demonstra o valioso estudo sobre o 0,1% coordenado por Tomás Raffo), não podemos deixar de ver com que frequência surgem em nossos encontros a disputa que se encarna na oposição “Estado sim, Estado não”. Esta dicotomia, exposta neste termos, pode ser muito daninha ao nosso movimento, sobretudo se a lemos em relação à urgência de considerar, propor e levar adiante modelos alternativos do político. Em todo caso, talvez seria mais produtivo perguntar-se: “Estado… como?”.

. E nesse como, também, é necessário ver de que forma nos afastamos e construímos à margem, no lado ou nas fendas de uma lógica que, ao menos no Uruguai, impera e tem a ver com a “transferência” – vinculada a uma “desresponsabilização” — estendida do Estado para a sociedade civil organizada no formato de ONG, sobretudo no que está se convertendo em um tipo de “gestão da pobreza” nas mãos do terceiro setor. A proliferação de convênios de ONG com organismos estatais para esta “gestão ou aplicação” de políticas territoriais, vai deteriorando substancialmente os conteúdos e as formas da participação social auto-organizada, no sentido de que as despolitiza.

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(Foto: www.arbol.org.uy)

O que acontece com o “saber” técnico e com o controle que exerce?

. Alguns dos questionamentos mais profundos que têm atravessado minha própria prática neste terreno têm a ver com o papel do “profissional”, por um lado, e com o papel tão preponderante que vem tomando a cultura e a arte como chave da “transformação social”.

A cultura vem tomando um papel predominante em nosso século XXI que contamina e cruza agendas antes especificamente políticas ou econômicas. Isso é uma notícia muito boa para os que trabalhamos com a cultura desde esta perspectiva, mas pode chegar a ser muito má para os objetivos políticos que nos propomos se não analisarmos com cuidado o seu alcance e nos embandeiramos acriticamente nesta qualidade já quase inquestionável da cultura/arte para transformar realidades socialmente injustas. Neste sentido, impõem-se a responsabilidade e a ética de não perder de vista sob nenhuma circunstância (por menor que nos pareça o trabalho que realizamos) a dimensão política do que fazemos e a capacidade crítica para pensar nisso.

O fenômeno da profissionalização de muitos projetos que tinham uma raiz mais próxima do popular, do vicinal e do comunitário, atendendo às políticas públicas e empresariais e aos apoios financeiros aos que hoje em dia parecem poder acessar “a piacere” estes projetos (à custa, claro, de que tenham uma retórica técnica e profissional muito sofisticada e específica, além de uma “pessoa jurídica”); e que em muitos casos, de maneiras diversas, apontam para neutralizar e “encausar” suas práticas, é um fenômeno a que temos que prestar especial atenção, os que trabalhamos precisamente desde o incômodo lugar “profissional”.

“O que parece claro é que no trabalho real conjunto com os atores populares é preciso recordar uma vez e outra que é na política e não na cultura onde a sociedade tem que buscar respostas à pergunta fundamental: que fazer?”, nos lembra Cevasco.[6]

. Os riscos de não poder visualizar-debater estas dificuldades em nossas práticas são diversos. Neste caso, um dos mais sobressalentes é que podemos estar trabalhando no sentido inverso de nossos discursos e, mais ainda, de nossa ética e dos autênticos objetivos políticos que perseguimos.

Podemos, efetivamente, estar contribuindo para uma espécie de bonito decorado da democracia, invisibilizando a pobreza e estetizando o conflito social.

Os discursos que muitas vezes fazem eco ou ressoam tanto nestes movimentos como nas políticas culturais do Estado, e que unem acriticamente palavras como cidadania e cultura, ou termos como democracia cultural, entre outros, operando no espaço público, podem estar perseguindo o  fim de que – tal como advertem Delgado e Malet: “Os membros de outros setores sociais eventualmente conflitivos ou “perigosos” concebam a si mesmos como cidadãos, (…) no sentido de integrantes de uma esfera de confraternidade interclassista. Para isso se abre um dispositivo pedagógico de amplo espectro que concebe ao conjunto da  população, e não apenas aos mais jovens, como estudantes perpétuos destes valores abstratos de cidadania e civilidade”.[7]

Estes autores nos lembram que “Se trata de divulgar o que Sartre teria chamado de esqueleto abstrato de universalidade, do qual as classes dominantes obtêm suas fontes principais  de legitimidade e que se concretiza nesta vocação fortemente pedagógica que exibe em todo momento a ideologia “cidadanista”, da qual o espacio público seria sala de aula e laboratório”. E concluem: “O idealismo do espaço público – que é de interesse universal capitalista – não renuncia a se ver desmentido por uma realidade de contradições e misérias que se resiste a recuar ante o “vade retro” que esgrimem diante dela os valores morais de uma classe média bem-pensante e virtuosa, que vê uma e outra vez frustrado seu sonho dourado de um amansamento geral das relações sociais”.[8]

Além de levantar sem temores estes e outros conflitos, chegamos à ideia de que devemos tomar isso (este lugar, de certo modo, privilegiado) como ponto de partida para a construção conjunta de um cenário do coletivo sobre o qual, em algum momento, temos que ser capazes de perder o controle ou, ao menos, de criar as condições em que o controle seja verdadeiramente compartilhado, cuidando destes espaços de maneira que se afastem dos múltiplos simulacros de participação que conhecemos.

Esse é o projeto político que acredito ter validade nestas práticas, e o horizonte a não perder de vista.

“Hoje, como nunca, necessitamos organizar a esperança”, dizia Rebellato. E aí estamos.

Uruguay, Paula Simonetti* Paula Simonetti é licenciada em Letras, escritora, poeta e jornalista. Integra a Rede Cultura Viva Comunitária Uruguai

[1] Harvey, David. Espacios de esperanza, Madrid: Akal, 2003.
[2] Entrevista, 2006. Disponível em: https://www.lavaca.org/seccion/actualidad/1/1392.shtml
[3] Brenes, Alicia et. Alt (comps.) José Luis Rebellato, intelectual Radical. Montevideo, SCEAM, 2009
[4] Ranciére, Jacques. Sobre políticas estéticas. Barcelona: Universitat Autónoma de Barcelona, 2005.
[5] Remedi, Gustavo “Las bases estéticas de la ciudadanía”, en Revista Aisthesis, 2005.
[6] Cevasco, Maria Elisa. Diez lecciones sobre estudios culturales. Montevideo: Trilce, 2013.
[7] Delgado, Manuel y Daniel Malet. “El espacio público como ideología”, 2007. Disponible: https://www.fepsu.es/docs/urbandocs/URBANDOC1.pdf.
[8] Isso se conecta, certamente, com aquela “beleza do muerto” a que fazia menção De Certeau na maneira em que pensamos as culturas populares.

* Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado no 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)

 

08

jan
2016

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

Rede Latino-americana de Arte e Transformação Social: 15 proposições para o debate

Em 08, jan 2016 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

1.Somos grupos e organizações sociais que trabalhamos em arte e transformação social na América Latina. Mulheres e homens artistas, educadores, comunicadores e técnicos que, ao longo de todo o continente, participam de iniciativas e projetos que combinam criação estética e política em um mesmo movimento; um gesto irreverente que busca a equidade, a beleza e a democracia, com crianças, jovens e adultos, na montanha, no campo e nas cidades.

2.Nossa tarefa se desdobra em um continente maravilhoso e desafiante, ainda que profundamente ferido. Maravilhoso em sua multiplicidade cultural, étnica  e natural, no caudal criativo de suas multidões, na inesgotável variedade de suas “artes populares” e no talento de sua gente,  no sempre aberto redemoinho de suas identidades buscando no destino comum, a própria visão frente ao universo. Mas ferido por abismos irracionais de desigualdade, de fome e de violência; pelo desperdício cotidiano da energia de gerações inteiras, pelo autoritarismo e a cegueira de sistemas políticos e econômicos incapazes de recuperar, proteger e orientar a vida.

3.Nosso lugar, esta América Latina que nos enamora, tem um romance apaixonado com a arte, os símbolos, as cores e os sons. Por aqui e por ali florescem (e resistem) culturas grandes, medianas e pequenas, todas desafiantes e vitais. Mestiçagens poderosas que fecundaram uma arte que tem servido tanto para celebrar o futuro e a autoafirmação, como para fazer o duelo e a memória das tragédias e a morte. Murais, blocos, festividades, teatro popular e itinerante, cine, dança, música e palavras têm andado de mãos dadas num caminho paciente, muitas vezes violento e sempre incessante em direção à construção do próprio destino num mundo em mudança, com experiências populares econômicas, políticas e sociais tão audazes como suas criações artísticas. A desmesura latino-americana é, sem dúvida, nosso maior poder.

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4. A arte tem sido e é nossa maneira de nos encontrar com o mundo e transformá-lo. A arte nos mostra a comunidade humana em sua capacidade de criar formas e símbolos que buscam a emoção e a compartilham, em um processo multidimensional em que todos mudamos junto com a realidade. A arte, presente na história como uma ferramenta rudimentar e inicial de nossa espécie, é um ponto luminoso da evolução e da transformação do homem e do universo. É a prova de que, sempre, outro mundo é possível.

5.Por isso sentimos estéreis, neste campo, todas as variantes do elitismo e do individualismo. Muito antes de que determinados indivíduos ou grupos pudessem tomar profissionalmente o nome de “artistas” e criar, entre outras coisas, “obras” passíveis de serem convertidas em “mercadorias”, os “fatos artísticos”, transformadores da interpretação do mundo, e portanto, criadores de novas realidades, são criados pela comunidade humana, pelas relações sociais, em sua capacidade de gerar símbolos e relatos. Afinal, o que chamamos “obra de arte” é nada mais (e nada menos) que uma peça jogada no tabuleiro do fato artístico. Este último é uma construção social, mas nem por isso está “fora” da arte e, neste sentido, os que o fazem também podem (e devem) ser chamados, com justiça, “artistas”. As coisas não começam onde o Poder diz que começam; por isso podem terminar onde o Poder não quer que terminem.

6.A arte nos enamora desde o gesto inicial da expressão: o milagre de poder desenhar e realizar a chegada de uma nova emoção entre as pessoas. Por isso acreditamos também que se trata de um processo transformador e educativo em si mesmo. Ainda que se possa utilizar recursos “artísticos” para compartilhar experiências de aprendizagem no campo da saúde, do emprego ou da física subatômica, não é esta a contribuição distintiva da arte na produção de conhecimento, seu lugar insubstituível no que entendemos por educação e aprendizagem. Em nossa experiência, criar e compartilhar a emoção da arte é, em si, a abertura de uma fase distinta na relação entre as pessoas, em que a transformação própria e a do mundo sejam consideradas parte de um jogo orientado pelo conhecimento humano e coletivo, num salto para o futuro, para o impossível, intrinsecamente educativo.

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7.Essa aposta, esse ato lúdico e gozoso presente no primeiro gesto da arte, é o que o converte em motor privilegiado do desenvolvimento pessoal e grupal, afetivo e profissional de milhões de garotos, jovens, adultos e avós de nosso continente. E, como numa cascata audaz, o fermento viaja no interior de suas criações, abre outras capilaridades e desata mais “aberturas” na consciência de outras pessoas e grupos. O conhecimento que navega pela arte tem uma característica: se contagia na emoção.

8.Por isso a arte vai se convertendo cotidianamente, também, em nossa melhor maneira de provocar a sociedade. De comovê-la, escandalizá-la, refrescá-la e querê-la. Com mistérios, lendas, perguntas e ritos, a comunidade humana cria mundos para voltar a interrogar-se: Este planeta é o amor de nossas vidas? Como? E faz essa pergunta com muito mais que a “denúncia” ou o “discurso das vítimas”. A arte, concebida como produção social de liberdade, como manifestação do poder humano, prefigura sempre uma sociedade mais justa, solidária e democrática.

9.Na feitura de suas ferramentas, nossos grupos, as pessoas que assumem este desafio, costumam começar buscando as fontes da energia que necessitam. E a encontram em si mesmos e no que os rodeia. Aí é que a categoria de “identidade” revela sua densidade e seu colorido. As múltiplas identidades que nutrem este continente (urbanas, étnicas, de gênero, organizacionais, etc.) vão formando a trama de um futuro possível; suas nervuras e fluxos de vida robustecem o desdobrar de uma novidade compartilhada, na medida em que buscamos e articulamos os novos mecanismos de encontro e capacidade de ação. Onde, senão na arte, as identidades mostram seus rasgos generosos? Em sua órbita se expõem, se mesclam, se dividem e se recriam em relação com o mundo.

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10.Por isso se torna imprescindível introduzir o problema de nossas metodologias. Quais são as chaves metodológicas destes cruzamentos entre a dinâmica da criação artística e os caminhos da transformação social? Nossas experiências partem de uma primeira verificação, a de que os processos estéticos criativos e participativos produzem em si novas modalidades do fato artístico, quase sempre ligadas, em escalas diferentes, a transformações políticas e sociais. Verificamos isso em experiências protagonizadas por crianças, jovens, adultos, povos originários, anciãos, camponeses, loucos, presos, desocupados, dirigentes, meninos de rua ou mineiros. Em um processo artístico, criativo e participativo, o final do caminho sempre nos encontra mais livres, mais capazes e mais fortes.

11.Também sentimos que essas experiências transitam “tateando” em um terreno às vezes hostil, despojado de categorias, indicadores e paradigmas que possam dar conta da riqueza em desenvolvimento. Nos falta ainda construir a engenharia metodológica capaz de assumir o conhecimento que desdobra a nova criação e de projetá-la para outras comunidades humanas ou outras metas do conhecimento e da transformação que necessitamos. Porque o potencial que flui nos interpela, e sabemos que o novo passo nos pede um salto de sistematicidade, profissionalização, rigor conceitual, competência e qualidade. Não só pela solidez e pela vitalidade de nossas próprias experiências, e sim por sua capacidade de transformação política. A academia, os sistemas institucionais, o Estado, as ciências sociais e as estruturas de hierarquização da indústria cultural devem assumir as dimensões e ramificações da crise que atravessamos. E, neste contexto, nossas vozes (as da arte e da transformação social) podem alterar o desenho de um tabuleiro em que se jogam muitas coisas. Também por este território transita a possibilidade de um mundo mais justo: pelo poder de criar as palavras que o nomeiem.

12.A política, então, aparece como um desafio profundo; a novidade que estamos explorando nos exige, neste campo, uma audácia que só se pode esperar de um temperamento “artístico”. Trata-se de dar a pincelada que o quadro nos pede, e não a que “convém” a alguém. E, se sentimos algo com clareza, é que o quadro está nos pedindo um novo traço. Nossas práticas têm uma vigorosa dimensão política, e têm cunhado um punhado de ideias no jogo geral. A multiplicidade (não como obstáculo, e sim como potência), o debate (como necessidade da ação e como espaço para a pergunta e o incerto), a fragmentação e o isolamento como perigos, as alianças (não como imperativo da debilidade, e sim como vocação democrática), o território (o universo como caminho para a aldeia, a aldeia como um universo cifrado e vital, e a interseção como chave do humano), a construção de agendas sociais e paralelas na incidência pública, a tensão entre o privado, o estatal, o público e o comunitário. A ineludível complexidade do cenário deste debate em que os Estados, as empresas e as grandes instituições impulsam suas políticas, nos mostra a necessidade de articular um discurso e uma capacidade, uma modalidade no desenho do debate, um “estilo” no processamento dos conflitos em que a democracia é assumida como uma construção cotidiana.

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13.A nova sociedade, que a arte e a transformação social prefiguram e constroem, se realiza em outra equação entre a produção e a distribuição da riqueza, em uma cotidiana vocação de democracia e inclusão social com justiça. Como no caso de uma criação estética, encontra seu sentido na comunidade humana e seu poder no grau de liberdade que permite projetar o gesto, o traço, o símbolo ou a nota.  O direito à saúde, à educação, à vida e ao desenvolvimento são também, e talvez sobretudo, uma questão de beleza. Uma encruzilhada que nos convida a fazer do mundo inteiro uma obra de arte, ou melhor, um feito artístico, e não o espetáculo frustrante de uma espécie que reduziu seu próprio horizonte. A arte, longe de ser um instrumento acessório neste desafio, é uma ação humana integral, contundente e transformadora do presente, um presságio ativo do triunfo da vida.

14.Por isso construímos estas redes nacionais, regionais, continentais. Como outro exemplo de desmesura, mas também de vocação transformadora. Já não se pode construir esta beleza separados; e ainda que a matéria se rebele e seja difícil “misturar” as cores, e o texto não apareça e tenha que jogar fora rascunhos e recomeçar sempre, decidimos nos encarregar de certa responsabilidade. A nova tapeçaria precisa de tecelões e o acorde exige pelo menos três notas. Queremos ir dando forma a esta vontade latino-americana de reescrever a arte e a transformação social a partir de novos pontos de vista, mais próximos da vibração da vida. Por isso construímos pontes e espaços, e por isso também nos animamos a “perfurá-los” e buscar caminhos entre os túneis que nos conectam e as praças em que nos encontramos. Uma rede que progressiva, mas pacientemente, como na abertura de uma sinfonia, como numa procissão de La Puna, como em uma llamada de Montevidéu, num trio elétrico brasileiro, ou também no poema tímido de um adolescente, nos devolva uma nova capacidade em nossa relação com o futuro.

15.Sondagens, buscas, apostas na construção de uma nova subjetividade capaz de transformar a realidade. Escolas de arte, movimentos sociais, grupos culturais, teatros, circos e artistas de todas as “disciplinas” estamos experimentando a chegada de um novo tempo, marcado por uma maior capacidade de ação, reflexão e produção. Com novas certezas, acreditamos que a arte e a transformação social na América Latina podem inaugurar percursos de criação coletiva substancialmente poderosos na definição de um futuro mais justo. A beleza, a festa, o rompimento e a criação simbólica se preparam, talvez, para subir a aposta na defesa da vida. A desmesura, como daquela vez, volta a nos convocar.

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Autor:

Red Latinoamericana de Arte y Transformación Social

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https://www.artetransformador.net

*Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado no 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)

04

jan
2016

Em Notícias

Por IberCultura

Mais de 70 pessoas participaram do Encontro Regional de Pontos de Cultura de Lima e Callao

Em 04, jan 2016 | Em Notícias | Por IberCultura

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Representantes de Pontos de Cultura do Peru se reuniram nos dias 18 e 19 de dezembro para definir prioridades de trabalho conjunto durante 2016. Entre as 72 pessoas que participaram do Encontro Regional de Pontos de Cultura de Lima e Callao (ER Lima e Callao) estavam representantes de organizações reconhecidas como Pontos de Cultura, organizações em processo de reconhecimento, organizações articuladas independentes e funcionários do Ministério de Cultura do Peru. Atualmente o país tem 225 Pontos de Cultura reconhecidos em 22 regiões.

O encontro foi realizado na sede central do Ministério de Cultura, espaço criado com os objetivos de (1) fomentar o reconhecimento e a articulação dos Pontos de Cultura e as Direções Desconcentradas de Cultura (DDC) em nível macro regional, (2) compartilhar conhecimentos e experiências entre o Estado e a sociedade civil que permitam a descentralização do programa e (3) construir uma agenda de trabalho macro regional conjunta como base para a incidência.

Definiram-se as seguintes prioridades para o trabalho conjunto entre os Pontos de Cultura e o Ministério de Cultura:
. Criar espaços de tomada de decisão conjunta entre múltiplos atores para gerar alianças que potencializem as ações dos Pontos de Cultura.
. Criar oportunidades para o fortalecimento de capacidades dos Pontos de Cultura.
. Garantir a continuidade e permanência do programa Pontos de Cultura através da aprovação da proposta de anteprojeto de lei.
. Visibilizar o trabalho dos Pontos de Cultura diante dos demais ministérios, instâncias do Estado e cidadania.
. Promover formas de colaboração e articulação dos Pontos de Cultura para o benefício mútuo.
. Promover o desenvolvimento de políticas públicas de Cultura Viva Comunitária em nivel de governos locais e regionais.

Leia a ata do encontro aqui

O ER de Lima e Callao é o último dos cinco encontros que fazem parte da estratégia de descentralização do programa para 2014-2015. Antes foram realizados os seguintes encontros macro regionais:
. EMR da Amazônia (Moyobamba, novembro de 2014) com representantes de Loreto, San Martín, Amazonas y Ucayali. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/OCbO1S
. EMR do Sur (Cusco, dezembro de 2014) com representantes de Arequipa, Moquegua, Tacna, Puno, Madre de Dios e Cusco. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/i9JV4R
. EMR do Norte (Trujillo, março de 2015) com representantes de Tumbes, Piura, Lambayeque, La Libertad, Ancash e Cajamarca. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/tF3DJD
. EMR do Centro (Huancayo, novembro de 2015) com representantes de Huánuco, Pasco, Junín, Huancavelica, Ayacucho e Ica. Veja a ata de acordos aqui: https://goo.gl/tSqPpD

Saiba mais: www.puntosdecultura.pe

28

dez
2015

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

A equação da Cultura Viva: PC = ( a + p ) r

Em 28, dez 2015 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

Por Célio Turino*

Cultura viva, a cultura que as pessoas fazem, a cultura como processo, as diferentes interpretações da realidade, os desejos, os sonhos, os modos de ser, a arte, a tradição e a invenção convivendo juntas, promovendo permanência e ruptura ao mesmo tempo. Cultura morta, a cultura produzida “à parte” das pessoas, a cultura como produto, as interpretações acabadas, os desejos fabricados, os sonhos dirigidos, os modos de ser reproduzindo aquilo que os outros querem que sejam os nossos “modos de ser”, a arte pronta, a tradição perdida, a invenção roubada, a permanência do que não deve permanecer e a ruptura com o que não deve ser rompido. A cultura pode unir, mas também pode ser um meio de distinção entre as pessoas, separando, segregando, fazendo odiar o diferente. Por isso a necessidade de um substantivo composto, a Cultura Viva.

A cultura é viva porque está sempre em mutação e se reproduz sem perder o tênue fio da história, unindo passado, presente e futuro. Mas pode ser morta, quando se fossiliza, se burocratiza, se aliena, deixando-se comandar não mais pelos desígnios da vida, mas pelas regras e normas do sistema. Uma cultura que não se aliena é aquela que não teme a vida, que se espraia pelo ambiente, pelas pessoas, pela imaginação. E, ao agir assim, está sempre ao lado da arte. Arte concebida como habilidade humana, do latim Ars, ou Artem, que significa “capacidade de realizar algo”. Compreendida desta maneira, a arte está presente em todos nós.

Como habilidade cultivada, do latim colere, a arte nos remete a cultivo, mais precisamente ao “cuidado com as plantas”, de tal modo que quanto mais se cultiva a arte, mais se cultiva a humanidade; assim, arte e cultura é aquilo que nós, humanos, realizamos sobre o nosso meio e sobre nós mesmos. A princípio, visando uma transformação para melhor, como se faz no cultivo com as plantas, através da agricultura. Cultura também nos remete a cultus, de culto religioso, reverência e respeito para com algo ou alguém.

Baiana do acarajé no lançamento da plataforma Oyá Digital. Foto: Lia de Paula/MinC

Foto: Lia de Paula/MinC

 

Cultura Viva como substantivo composto também nos permite romper com um conceito antropológico clássico, em que cultura é o oposto de natureza, ou “a parte do ambiente feita pelos humanos”. Segundo este conceito antropológico, a natureza existe “por si”, independendo de quem lhe dê significado e a cultura só existe a partir das interpretações e expressões produzidas previamente, só passando a existir após a construção de significados e significantes produzidos pela mente humana. Para a Cultura Viva o conceito é outro e se expressa pela seguinte equação: Cultura + Natureza = Cultura Viva.

Ao assumir o conceito Cultura + Natureza = Cultura Viva, a Cultura Viva se distancia do conceito ocidental (ou europeu) de cultura para aproximar-se do conceito e da ética dos povos originários deste continente que veio a levar o nome de América. É quando a Cultura Viva se encontra com o Bem Viver, outro substantivo composto. Sumak kawsai, em quéchua, Suma qamaña, em aymara, Tekó porã, em guarani, uma filosofia que está em nossa alma ancestral, significando “viver em aprendizado e convivência com a natureza”. Aqui não se trata apenas de assumir a cosmologia dos primeiros povos das Américas, mas de resignificar um conceito político, econômico e social com referência à visão desses povos, a partir deles e com eles. Somos “parte” da natureza (ou “poeira do universo”, como a física já demonstrou) e, para nossa própria sobrevivência como espécie, é preciso romper, de uma vez por todas, com a ideia de que podemos continuar vivendo “à parte” da natureza.

O mundo, para além dos humanos, é povoado por muitos seres, também dotados de sentimentos, consciência e alma; o Ajayu do mundo andino, a energia vital que flui no universo em onda vibratória, conforme os povos do Xingu, na Amazônia brasileira, cada espécie vê a si mesma e às outras espécies a partir de “sua” perspectiva, de modo que as relações entre todos os seres do planeta (incluindo animais, vegetais e minerais) tem que ser encarada como uma relação social, entre sujeitos, em que cultura e natureza se fundem em humanidade, ou, em Cultura Viva.

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Foto: Oliver Kornblihtt

 

Cultura Viva como Bem Viver se afirma na profunda conexão e interdependência com a natureza, na vida em pequena escala, sustentável e equilibrada, tendo por fundamento as relações de produção autônomas e autossuficientes. Também se expressa na articulação política da vida, em práticas construídas em espaços comuns de socialização, coletivos culturais e artísticos, jogos, brincadeiras e manifestações em parques, jardins, teatros, museus, bibliotecas, hortas urbanas ou palácios; tanto faz o local, porque a vida se espraia em abundância e acontece onde puder acontecer.

Cultura Viva, assim como o Bem Viver, também pode ser entendida como uma oposição ao “Viver Melhor” capitalista, sustentado na exploração máxima dos recursos disponíveis, até que as fontes básicas da vida sejam exauridas. A busca é por uma vida mais justa, se contrapondo à iniquidade própria do capitalismo, em que apenas poucos podem viver bem em detrimento da grande maioria. Cultura Viva é, portanto, criativa, solidária, sustentável. É o oposto da cultura que transforma tudo – e todos – em coisa. É o direito de amar e ser amado, com o florescimento saudável de todos os seres, com o prolongamento indefinido das culturas, a sua recriação e intersecção, o tempo livre para a contemplação, a ampliação das liberdades, capacidades e potencialidades de todos e de cada um. É a cultura da alegria e da amorosidade.

Ao se aproximar do Bem Viver ameríndio, a Cultura Viva também se aproxima da ética e da filosofia ancestral africana. Ubuntu: “eu sou porque nós somos”. Viver em Cultura Viva é romper com o individualismo, é a sensação de pertencimento à unidade na diversidade. É isto que explica esta a ideia da Cultura Viva estar florescendo pelas Américas e agora pelo mundo. Não se trata de uma simples política pública para organizar o fazer cultural, mas de um modo de colocar a emancipação e a cidadania em novos patamares, em que a interdependência e a colaboração se realizam em diálogo, consenso, inclusão, compreensão, compaixão, partilha, cuidado e solidariedade.

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Foto: Oliver Kornblihtt

 

A humanidade de todos e de cada um está indissoluvelmente ligada à humanidade dos outros. Por isso os encontros da Cultura Viva são festeiros, acolhedores, generosos. E assim se fazem fortes, potentes, resilientes. Não há como praticar a Cultura Viva sem estar aberto e disponível aos outros e é com esta atitude que a pessoa não se sente intimidada, ganhando coragem e autoconfiança para se colocar no mundo. E isto não significa “vencer a qualquer custo”, pois jamais é possível estar bem se o nosso entorno não está bem.

Cultura Viva com Bem Viver e Ubuntu é descolonizar corpos e mentes, assumindo uma outra perspectiva, em que a ética e a filosofia de povos, antes desprezados em suas formas de conhecimento, agora é valorizada em plenitude, seja nos momentos de reflexão, contemplação ou na prática cotidiana. Por isso os encontros da Cultura Viva acontecem em meio às rodas, às peñas e cirandas, com muita festa, em que todos se olham sem hierarquias. De jovens da cultura digital a grupos de cultura tradicional, da arte experimental e de vanguarda à cultura de rua, das aldeias indígenas e assentamentos rurais às favelas e universidades, das bibliotecas comunitárias aos teatros nacionais, dos museus mais completos às exposições em parques públicos. Tudo cabe na Cultura Viva, tudo cabe porque a cultura é viva.

A Cultura Viva se espalha pelas Américas como uma macro-rede, em que, a partir de afetos, desejos e vontades, grupos de cultura comunitária foram se integrando em uma grande rede de conexão. Mas ao mesmo tempo em que é macro, ela também é micro e se realiza nas comunidades, a partir da identificação e fortalecimento de Pontos de Cultura.

O que é um Ponto? A unidade, a base de uma rede, sem dimensões ou forma pré-determinadas. O Ponto independe da forma, mas se realiza no espaço e é, portanto, localizável e identificável no território. Como a Cultura também é uma abstração, a melhor palavra para dar forma a um conceito igualmente abstrato, seria Ponto, ou “punctos”, que, no latim, refere-se a um lugar determinado em que ocorre a intersecção de condições para realizações específicas. Basta um pequeno sinal para que a cultura aconteça, mas como ela também é infinita, seria necessária a utilização de uma palavra que representasse esse sinal sem limites e que, ao mesmo tempo, fosse constituído por infinitas partes. Daí Ponto de Cultura, como forma de expressão da micro-rede, realizada no território.

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Foto: Thiago Nozi

 

Um Ponto de Cultura condensa a Cultura Viva na medida em que suas ações se desenvolvem com autonomia e protagonismo. Ou seja, não podemos interpretar um Ponto de Cultura como um simples ponto de conexão, apenas como um ponto de recepção e irradiação de cultura, mas sim como um espaço livre para a interpretação e realização da cultura. Um ponto de ebulição, em que ocorrem mudanças qualitativas, a depender das condições de pressão e temperatura. Desta forma, cada Ponto é diferente do outro, pois, em cada qual, as realidades são distintas. As pessoas, as histórias, os recursos, o ambiente, as condições, tudo é diferente; mas ao mesmo tempo igual, ou próximo, e há que identificar estes pontos de aproximação.

Se na forma cada Ponto de Cultura é diferente entre si, na essência todos são muito parecidos. Para começar, há que ter alguém (ou alguéns) com muita potência, com muita vontade, com muito compromisso. Não importa se a pessoa seja do local ou não, o que importa é o compromisso, a disposição e a perseverança (há que perseverar muito para que a cultura aconteça).

Há que ter também pessoas dispostas a dar e receber. Quando alguém chega pensando que sabe tudo e que vai ensinar aos outros, já chegou errando. Mas quando alguém recebe achando que não há nada a receber, a ebulição também não acontece. Também não cabe se conformar ou se acomodar. Há que inventar sempre e jamais parar de descobrir. Estas são as condições básicas, depois, tudo mais se resolve.

Local? Pode ser o coreto de uma praça, a sombra de uma árvore, uma garagem, um quiosque, uma casa abandonada, e também um centro cultural muito bem equipado (por que não?). Recursos? Primeiro os de dentro, os da própria comunidade, as vontades, a criatividade; mas só isso não basta, há que colocar o Estado a serviço de seu povo, e cultura é um direito básico, por isso os governos precisam prever orçamento para assegurar a ação cultural nas comunidades; mas não um recurso de “fora para dentro”, que já vem em formatos prontos, elaborados por gestores públicos que mal conhecem a realidade local, e sim recursos para que a própria comunidade desenvolva sua ação conforme seus desejos e necessidades, um recurso para que a cultura se realize “de dentro para fora”.

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Foto: Thiago Nozi

 

Intercâmbio? Sem intercâmbio, sem troca, a cultura não se realiza, não progride e só regride; há que ter disposição para, além de fortalecer a identidade, também exercitar a alteridade; trocas de todos os modos, de todas as formas, com todas as gentes, foi assim que nos realizamos como humanidade, será assim que recuperaremos nossa humanidade. Comunicação? A cultura só se realiza a partir de um agir comunicativo, seja uma simples palavra, expressão ou desejo fixado em uma caverna para que gerações futuras saibam que alguém passou por ali; a comunicação só acontece a partir de uma mensagem, uma cultura portanto, pois, sem cultura a transmitir, não há o que comunicar; desta forma cultura e comunicação precisam caminhar juntas, pois quando uma se distancia da outra, alguém impõe a sua cultura sobre os demais. Depois, é juntar tudo, pessoas, conhecimentos, criatividade, curiosidade, local, recursos, intercâmbios e comunicação. Assim se coloca a cultura em movimento: com referências, preservando e inventando, com formação, produção, criação e difusão.

Cultura é partilha, é participar de algo, é tornar comum. Por isso a simplicidade de um Ponto de Cultura, para que possa estar espalhado por todos os lugares, por todos os corações e mentes. Se o planeta é a estrutura de nossa “casa comum”, a cultura é o fluxo, o sopro que mantém viva a nossa “casa comum”. Mas para que um Ponto de Cultura se realize em toda sua potência, há que zelar pela autonomia e protagonismo das comunidades, das pessoas que fazem com que um ponto seja vivo.

Autonomia é liberdade, é a capacidade de governar-se pelos próprios meios e, neste sentido, é a própria realização da vontade humana em se autodeterminar. Porém, quanto mais as civilizações avançam na exploração dos recursos e na construção de sistemas de distribuição e controle dos recursos, mais a humanidade se afasta da autonomia. Cultura nem sempre é sinônimo de libertação, pois também há a cultura que oprime, em que a história da colonização da América Latina é prova viva. Assim, como forma de dominação, ela também se vale dos mesmos mecanismos de heteronímia empregados pelos poderes político, econômico, religioso ou social: dependência, submissão e subordinação.

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Foto: Thiago Nozi

 

Uma cultura que liberta precisa caminhar em sentido oposto, não podendo ser paternalista, patriarcal, assistencialista. É difícil, pois até mesmo pessoas, movimentos e partidos que se apresentam como progressistas e libertadores normalmente cedem à tentação de se perpetuarem no mando a partir da reprodução de relações de dependência, submissão e subordinação dos outros. Mas há que perseverar e cultivar os meios para que as pessoas exercitem sua autonomia, de modo a gerirem livremente suas vidas e a partir de suas próprias escolhas.

Para tanto, ao lado da autonomia, há que fomentar o protagonismo das comunidades. Do latim “protos”– principal, primeiro – e “agonistes”– lutador. Há que assumir o palco, há que falar na própria voz, há que tomar a narrativa da história “para si”. Protagonismo é outro componente sem o qual uma ação cultural que se pretenda emancipadora jamais poderá prescindir. O “índio pelo índio”, “o jovem das ruas pelo jovem das ruas”, “as comunidades pelas comunidades”, “as mulheres pelas mulheres”, “as comunidades tradicionais pelas comunidades tradicionais”.

Cultivar autonomia e protagonismo é se apoderar dos grandes espelhos da sociedade e de seus meios narrativa. Não basta falar apenas nas comunidades, com as comunidades e para as comunidades, há que ir além e tomar conta dos meios de produção e difusão audiovisual e de construção do discurso, seja realizando os próprios filmes, documentários, ficção, registrando as próprias imagens, contando as próprias histórias, fazendo a própria arte. E ir para fora, e falar com os outros, por si e para si.

Aldeia Multiétnica no XV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Foto: Oliver Kornblihtt

Foto: Oliver Kornblihtt

 

A autonomia e o protagonismo são condições indispensáveis para quebrar hierarquias sociais e construir novas legitimidades. Não como um processo impositivo, de negação do outro, mas para que se estabeleça uma nova relação de equilíbrio e diálogo entre as pessoas, entre classes e grupos sociais e entre vida e sistemas.

Mas ainda assim não basta. Quando circunscritas a apenas um ponto, a autonomia e o protagonismo perdem potência, podendo se transformar, até mesmo, em base para novos fundamentalismos, para verdades acabadas e falta de diálogo. Precisamos ir além e conectar cada um desses pontos em uma grande plataforma de inteligência e ação coletiva para a Cultura Viva entre os povos. É aí que a articulação em rede ganha papel estratégico, pois somente através da potência das redes, estabelecida pela intersecção entre pontos autônomos e protagonistas, é que será possível dar um salto qualitativo (tal qual a transformação da água entre os estados líquido, gasoso ou sólido) nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais.

No fundo, este deve ser o grande objetivo de um Ponto de Cultura: a emancipação humana. E uma emancipação realizada com afeto, daí a importância da arte, da alegria e da solidariedade. De tal forma que tudo que foi dito nestes parágrafos também pode estar condensado em mais uma equação simples:
PC = ( a + p ) r (Ponto de Cultura igual a autonomia + protagonismo elevado à potência das redes – e quanto mais redes, melhor!)

 

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    Foto: João Caldas

    Célio Turino é historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi Secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura entre 2004 e 2010.

*Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitaria: Convivencia para el bien común, lançado no 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)
Foto do alto (em destaque): Oliver Kornblihtt

24

dez
2015

Em Artigos e publicações
Notícias

Por IberCultura

Uma rota para visualizar o caminhar do Tecido Cultura Viva Comunitária Bolívia

Em 24, dez 2015 | Em Artigos e publicações, Notícias | Por IberCultura

Por Iván Nogales*

A pergunta ressoa muitas vezes: por que foi na Bolívia que se realizou o 1º Congresso de Cultura Viva Comunitária? Um país onde os governos nunca deram importância significativa ao setor criativo cultural. Com um Estado frágil para encarar qualquer apoio a uma iniciativa da sociedade civil desta envergadura. Sem sinal de uma articulação na sociedade civil de Cultura Viva Comunitária.

Quando Eduardo Balán, o argentino líder do Pueblo Hace Cultura, na ocasião da ação do Teatro Trono na Rio + 20, insistia com a realização do Congresso na Bolívia, só atinamos para rechaçar essa ideia descabelada, alegando que naturalmente devia ser o Brasil o organizador e a sede do evento, por haver desenvolvido um programa de Pontos de Cultura, ou a Argentina, com uma articulação em ascensão, ou qualquer outro país onde a narrativa caminhou pelos bairros conseguindo articulações e resultados concretos. Mas na Bolívia nada de nada, isso ao menos nos parecia. Talvez porque não alcançamos ver o que contemos.

No entanto, apesar de todos os percalços ou limitações, este congresso foi realizado e hoje vivemos outro momento, em que a Cultura Viva Comunitária tem recebido cidadania, sendo protagonista nas propostas mais importantes de gestão cultural que vêm se desenvolvendo em nosso país. Faremos um pontilhado, uma rota para visualizar o caminhar do Tecido de Cultura Viva Comunitária Bolívia.

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Fotos: Cultura de Red/Cobertura Colaborativa

Antes do Congresso de Cultura Viva Comunitária

Em 1952, antes de Cuba, a Bolívia viveu uma revolução com participação massiva. Que foi traída é outra história. O cinema, a rádio, os muralistas retrataram e acompanharam esta insurgência. Houve um setor cultural criativo acompanhante de processos revolucionários e insurgentes. Nas ditaduras militares tivemos recordes de golpes de Estado, a poética da rebelião chamou a democracia sequestrada uma e outra vez.

Em épocas democráticas, de 1982 em diante, o acompanhamento derivou em relatos de boa convivência a partir das ONG em voga. Estas sofisticaram uma relação clientelar com a cooperação internacional e os setores populares, a pobreza como pano de fundo de poéticas da fome e da miséria.

A Lei do Cinema nos anos 1990 e o Movimento Para Seguir Semeando e para Seguir Sonhando, no novo milênio, são as articulações do setor cultural mais significativas. Uma tentativa importante foi a do Teatro Popular, que nasceu nos anos 1980, hoje quase inexistente, ou ressignificado atualmente em Cultura Viva Comunitária.

Cidade de El Alto

É a cidade mais jovem da Bolívia, por duplo motivo: concentra a porcentagem de maior população juvenil e nasce formalmente no ano de 1985. Com mais de 1 milhão de habitantes, é o 2º município mais populoso do país, atrás de Santa Cruz e à frente de La Paz. Concentra também a massiva migração rural aymara e mineira. É uma “bomba de tempo” por seu acelerado e caótico crescimento urbano, e por sua misturada memória indígena, mineira, mestiça, constituindo-se como a cidade mais rebelde da sempre rebelde história da Bolívia.

Hoje El Alto vive o auge de seu protagonismo na história nacional, conseguindo que as mudanças mais significativas, incluída a presença do primeiro presidente indígena, sejam produto da ação política das organizações de base. Numa cidade onde há pouco tempo emanava a vergonha, hoje se pode respirar na atmosfera o orgulho de ser altenho.

As expressões culturais de horizonte político mais significativo emergem dos bairros desta cidade. E é por este motivo que o tecido de Cultura Viva Comunitária terá seu epicentro com organizações altenhas.

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Teatro Trono

Experiência que nasce em 1989 e herdeira de práticas de teatro popular político. Forma parte da Rede Latino-americana de Arte e Transformação Social, RLATS. Posteriormente, em conexão com outras redes afins no continente e os tecidos de Cultura Viva Comunitária, forma parte do nascimento da Plataforma Puente.

Este tecido continental empreende a campanha pelos Pontos de Cultura e o 0,1% dos orçamentos públicos para Cultura Viva Comunitária. Neste contexto realiza uma Caravana Pela Vida, de Copacabana (Lago Titicaca) a Copacabana (Cúpula dos Povos, Rio + 20) em maio de 2012, proposta que impulsa e fortalece o grupo e o movimento continental. Nesta cúpula nasce a proposta do Congresso de Cultura Viva Comunitária, e Trono assume a tarefa de organizá-lo.

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1º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária

Em maio de 2013, a cidade de La Paz foi “tomada poeticamente por assalto” por mais de 1.500 ativistas artístico-culturais provenientes da América Latina. Para Bolívia, sem dúvida, este foi um acontecimento para o setor cultural, inusual, atípico em um país onde o setor criativo cultural, ainda que em algumas ocasiões tenha protagonizado ações políticas, não foi muito além do esporádico, ou esteve imerso nas demandas de outros atores em voga, ainda sem voz própria.

O 1º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária deixou de ser um acontecimento, um rito, para ser hoje um mito continental. Ao mesmo tempo canalizou, catalisou articulações locais e nacionais maiores que hoje assomam como protagonistas, interlocutores do relato de época mais conhecido: Viver Bem.

Oito pontos me servem para sintetizar o que significou este maravilhoso encontro em La Paz:

  • 8753806331_f10a270d87_bMais de 1500 pessoas de 17 países da América Latina e de outros sete países do mundo. Da Bolívia, sete de seus nove departamentos. Desfrutamos as caravanas que confluíram em La Paz.
  • Chegamos dispersos com a tarefa de cruzar nossas diversas narrativas de Cultura Viva Comunitária. Saímos fortalecidos com a tarefa de encarar uma organicidade do Movimento Continental de Cultura Viva Comunitária.
  • Participaram 35 representantes de governos, formando uma aliança para políticas públicas que visem garantir 0,1% dos orçamentos públicos para a Cultura Viva Comunitária e uma rede de cidades criativas pela Cultura Viva Comunitária.
  • Participaram o ex-secretário nacional de Cidadania Cultural do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Célio Turino (Pontos de Cultura), e Jorge Melguizo, ex-secretário de Cultura Cidadã e ex-secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Medellín. Da oficialidade eles retornaram à sociedade civil impulsando o movimento.
  • Se formou uma aliança de parlamentares latino-americanos pela Cultura Viva Comunitária, presidida pela presidenta da Comissão Nacional de Cultura do Congresso Nacional, a deputada Jandira Feghali. Outras ações parlamentares se abriram em espaços como o Parlamento Andino e o Mercosul.
  • Os governos da Colômbia e da Argentina ofereceram apoio para realizar encontros em seus países. E depois se deram outras iniciativas regionais.
  • O governo da Bolívia apresentou uma declaração do Ministério de Culturas como proposta ao continente.
  • Conquistou-se o apoio da Prefeitura de La Paz para um trabalho articulado entre organizações da sociedade civil e a prefeitura. O terceiro sábado de maio de cada ano foi declarado Dia Internacional da Cultura Viva Comunitária.

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Nunca havíamos “estado”, “tido”, um ministro de Cultura tão próximo na Bolívia. Em muitos momentos seus passos se confundiam com os nossos, os fotógrafos da oficialidade nos solicitavam para as fotos de rigor. Nossos passos marcavam uma agenda governamental. Se abriu um espaço de coordenação, que derivou em uma agenda conjunta com Telartes como articulação matriz mais ampla.

Recordamos a descida desde El Alto até La Paz, emitindo uma dramaturgia batizada como “assalto poético”, que fazia um chamado para que as pessoas se somassem, transeuntes, “revivendo” os mortos, todas as memórias que confluem como um só rio, na “reunificação” dos corpos desmembrados. Isso foi o Congresso, um rito de “reunificar” o continente, um corpo que se reencontra.

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Mais além do Congresso

É difícil sustentar uma articulação política só com ações macros. A acumulação de nossas fortalezas está no cotidiano. O tecido real é o cotidiano. O tecido não são só os acontecimentos míticos, estes são detonadores de processos e, ao mesmo tempo, o momento em que expomos o que temos crescido, desenvolvido, as dificuldades que temos enfrentado, sorteado, e os desafios comuns que devemos encarar. O tecido como o de um “aguayo” é a teia, o minúsculo, o pequeno. Cada ponto é um universo necessário para compreender a configuração da totalidade. Acumular força é alinhavar ponto por ponto.

Depois do Congresso na Bolívia tivemos que assumir a tarefa de constituir uma articulação de tecido de Cultura Viva Comunitária que se sustente, que perdure mais além da urgência de nos organizar para o macro evento. Custa acima, porque para ser anfitriões do Congresso, só em La Paz logramos reunir em seu momento mais alto, a 170 experiencias. Ocorreu algo similar em outras cidades do país.

Hoje, ter 10 grupos coordenando uma agenda conjunta do tecido de Cultura Viva Comunitária em El Alto, a mais sólida do país, é um logro significativo. Menos é mais, dizemos, e neste caso esta expressão é apropriada.

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Telartes

Telartes teve com o Congresso de Cultura Viva Comunitária o melhor argumento para consolidar-se. Telartes havia nascido pouco tempo antes como uma articulação da sociedade civil do setor cultural, aberta à diversidade de narrativas em seu interior. Seus passos iniciais se aceleram, provocados pelas ações de Cultura Viva Comunitária já mencionadas. Telartes fortalece seu vínculo com o Estado e com outros atores da sociedade civil.

Mesas de Trabalho – Telartes – Governo

Criam-se com o Ministério de Culturas mesas de trabalho de participação compartilhada, para aprofundar propostas de legislação, circulação cultural, e Cultura Viva Comunitária entre outras. O ritmo de trabalho conjunto tem sido marcado pela agenda governamental. Mudanças de ministro e de pessoal no ministério têm interrompido a possibilidade de continuidade e aprofundamento das propostas conjuntas.

A Lei de Culturas da Bolívia é a principal tarefa que, em uma acidentada e frutífera trajetória de dois anos de trabalho, vê enfim resultados concretos.

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Congresso Culturas em Movimento

Em parceria com o Ministério de Culturas, a Prefeitura de La Paz, outros municípios do país, os Conselhos de Culturas de alguns departamentos e outros atores são agora também convocadores do 1º Congresso de Culturas em Movimento, marcado para o fim de outubro na cidade de Sucre. Será outro momento para avaliar este novo rito na Bolívia e analisar seus resultados.

O Tecido de Cultura Viva Comunitária, é parte protagonista e importante em Telartes, com todas suas conquistas até agora obtidos.

Lei de Culturas

O debate de Lei de Culturas inaugura um momento inusual na história do setor cultural. É a base de legislação, o guarda-chuvas, seguramente o de maior alcance até este momento em toda a nossa história.

Temos abordado nas mesas de trabalho com o governo se Cultura Viva Comunitária deveria ser um capítulo na lei ou, deixando de lado sua especificidade, ser o espírito da lei mesma. Temos agora um anteprojeto consensual que será debatido em mesas de trabalho com múltiplos atores da sociedade para elucidar, ampliar e aprofundar esta dicotomia. Temos à frente esta tarefa maiúscula. Esta definição marca, sem dúvida, um dos temas centrais no Congresso de outubro de 2015 em Sucre.

O Tecido de Cultura Viva Comunitária novamente tem uma sólida presença nestes passos mencionados.

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Programas de Cultura Viva Comunitária

É na cidade de La Paz onde surge o primeiro Programa de Cultura Viva Comunitária depois do Congresso de Cultura Viva Comunitária, implementado em 2014, que tem como objetivo contribuir, a partir da atividade criadora, para uma sociedade inclusiva com diálogo intercultural, construindo uma sociedade democrática,  justa e com ampla participação dos atores culturais.

O Governo Autônomo Municipal de La Paz, com o fim de preservar, fomentar, proteger e difundir a diversidade cultural do município de La Paz, mediante lei declara o 22 de Maio como “Dia Municipal de la Cultura Viva Comunitária”, para celebrar, promover, difundir e conservar a Cultura Viva Comunitária, como proposta de convivência fundada em valores de solidariedade, liberdade e reconhecimento da dignidade e igualdade de todos os pacenhos.

Mais conquistas do Tecido de Cultura Viva Comunitária

Em outras cidades como El Alto, Sucre, Tarija, Cochabamba, criam-se expectativas para debater e construir programas de Cultura Viva Comunitária. Ao mesmo tempo, o governo central tem aberto a possibilidade de desenhar um programa de alcance nacional.

Pode-se realizar, com o acompanhamento de Telartes, o Primeiro Congresso do Tecido de Cultura Viva Comunitária, com alcances ainda limitados, pois contemplou fundamentalmente a cidade de El Alto, com escassa presença de La Paz e de representantes de outras cidades do país.

Gestão participativa, cogestão articulada, experiências, olhares compartilhados, saberes, complementaridade, interpelar a partir da arte e da cultura, transformação social, que é o comunitário, corresponsabilidade com o Estado, nós fazemos “o público”, comunidade, convivência, sentido de vida, organização integral articulada, sociedade integral não dividida, fragmentada ou segmentada, diversidade: essas palavras, esses conceitos atravessaram o Congresso do Tecido de Cultura Viva Comunitária, que esteve marcado em seis eixos temáticos:

  • Formação
  • Economia / sustentabilidade
  • Cidade
  • Estado / incidência
  • Comunicação cultural
  • Circulação cultural

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As principais conclusões e tarefas em cada um desses seis eixos foram:

1. Formação

  • Plano de formação para aprofundar o bem comum, que fortaleça nossas comunidades.
  • Sistematizar experiências.
  • Formação artística e não apenas técnica, também de sentido histórico.
  • Construção coletiva para o Viver Bem, a partir do urbano.

2. Economia / Sustentabilidade

  • O principal recurso são nossas potencialidades e capacidades.
  • ILLA (proposta feita por Wayna Tambo), ou economia redistributiva que resgata as experiências dos setores populares do mundo andino, onde a circulação de relações é o principal capital de acumulação.
  • Criam-se os “poquitits”, moeda complementar, com participação dos grupos do tecido de Cultura Viva Comunitária, o Estado e outros atores.
  • Jacha ou feiras de troca.
  • Coordenação de projetos conjuntos entre os grupos.

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3. Cidade

  • Bairro de Criadores, proposta feita por Compa, Comunidade Produtora de Arte.
  • Macroimpacto de experiências para o Viver Bem.
  • Laboratório, experimentação, chacra urbana.
  • Metodologias alternativas.
  • Energia, educação, saúde, arquitetura.
  • Lugar permanente de cultivo de experiências.
  • Segurança pública: diante da insegurança, convivência.
  • Apropriação do espaço público.
  • Formação com a polícia, vizinhos, colégios.
  • Descriminalizar o público.
  • Participação multinível.
  • Gestão do público.

4. Estado / Incidência

  • Posicionar Cultura Viva Comunitária.
  • Trabalho continuo e sustentável.
  • Fortalecer a articulação.
  • Programas de Cultura Viva Comunitária nacionais, regionais e locais.
  • Socializar a Cultura Viva Comunitária.
  • Propostas de legislação.
  • Redistribuição de orçamentos.
  • Cogestão participativa.
  • Principal incidência: nós articulados.
  • Mapeamento Cultura Viva Comunitária.

5. Comunicação Cultural

  • Transversal
  • Fortalecer os eixos propostos
  • Geração de conteúdos
  • Difusão por diferentes canais e redes
  • Fortalecer estratégias de comunicação em cada coletivo
  • Formação em microcursos
  • Comunicação intra-rede

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6. Circulação Cultural

  • Festivais
  • Fortalecer a comunicação intergeracional
  • Apresentações
  • Cursos
  • Exposições
  • Pré-encontros, pré-festivais
  • Jacha, Festival do Tecido de Cultura Viva Comunitária cada 2 anos.

Sem ter esgotado a discussão, este Congresso nos permitiiu avançar na construção do que poderíamos chamar de nossas ferramentas políticas:

  • Somos experiências comunitárias de base da sociedade civil; independentes, livres, autônomas e organizadas para o bem comum.
  • Construímos democracia de abaixo-abaixo e também de abaixo-acima.
  • Buscamos a gestão corresponsável de lo público, redefinindo a relação sociedade-Estado.
  • Demandamos aos Estados 0,1% de todo orçamento público para a Cultura Viva Comunitária.
  • Fortalecemos a colaboração, a reciprocidade e a redistribuição nas redes comunitárias.
  • Agimos a partir de uma perspectiva descolonizadora, despatriarcalizadora e desmercantilizadora das relações.
  • Fortalecemos as relações intra e interculturais em equidade e diversidade.
  • Estamos comprometidos com a convivência equilibrada e respeitosa entre seres humanos e natureza, desde o horizonte do Viver Bem e desde os direitos da Mãe Terra.
  • Amplificamos nossa posição e ação política cultural sendo protagonistas da transformação social.

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Acompanhar o processo que se desenvolve na cidade de El Alto, constituindo um Tecido de Cultura Viva Comunitária, tem nos permitido preencher a ausência de articulação que marcamos num início deste breve texto. Hoje contamos com este tecido, que cresce e se fortalece paulatinamente. Hoje somos um interlocutor importante, um ator único no  panorama da gestão cultural, em níveis locais, nacionais e continentais da Cultura Viva Comunitária.

Representantes de duas organizações deste Tecido formam parte do Conselho Latino-americano da Cultura Viva Comunitária: Compa e Wayna Tambo.

Temos sido testemunhas, pelo papel que assumimos em 2013 na organização do Primeiro Congresso Latino-americano, dos processos nacionais em muitos outros países. Isso mereceria outra história a ser contada. Apenas para expressar que o Tecido de Cultura Viva Comunitária de El Alto e de Bolívia é um acompanhante privilegiado dos passos que vem sido dados em todo o continente.

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Iván Nogales é sociólogo e desde o ano 1980 vem desenvolvendo diversas iniciativas relacionadas com o teatro comunitário e a educação. É criador do Teatro Trono e da Comunidade de Produtores em Artes (Compa)

Fonte: Este artigo faz parte do livro Cultura Viva Comunitária: Convivência para o bem comum, lançado durante o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador, em outubro de 2015 (Compilação e edição: Jorge Melguizo)