Image Image Image Image Image
Scroll to Top

Para o Topo.

Conselho Intergovernamental

Uma linha do tempo para IberCultura Viva: 10 anos de trabalho conjunto, cooperativo e solidário

(Fotos: LR Fernandes)

.

[SEMINÁRIO | TABELA 1]

Para comemorar seus 10 anos de existência,  o programa IberCultura Viva vem utilizando uma analogia indígena: a da flecha que quanto mais a puxamos para trás, mais a projetamos para frente. Assim, o ato de resgatar a história tecida com a Cultura Viva tem sido pensado como algo que inevitavelmente nos leva a pensar no futuro. E daí surge a pergunta: que mundo queremos alcançar?

“Um mundo mais justo, solidário, cooperativo, no qual todos nós que aqui participamos temos que continuar gerando e redobrando esforços neste contexto tão complexo de polarização e discurso de ódio, que a cultura viva comunitária ajuda a combater”, respondeu Diego Benhabib, consultor de redes e formação da IberCultura Viva, ao apresentar uma linha do tempo do programa na primeira mesa do seminário comemorativo dos 10 anos que se realizou em Brasília, na manhã de 28 de novembro.

Esta linha do tempo, pensada para esses momentos de celebração e reflexão sobre o futuro, foi trabalhada com base em algumas referências contextuais importantes e nas atividades promovidas pelo programa. A compilação serviu para mostrar os resultados desta primeira década em uma publicação que foi montada como uma das ações comemorativas desenvolvidas este ano, junto com a edição de um vídeo, a reformulação do site www.iberculturaviva.org e a plataforma Mapa IberCultura Viva. 

Embora o lançamento do programa tenha ocorrido em abril de 2014, no âmbito do VI Congresso Ibero-Americano de Cultura, em San José (Costa Rica), o livro “IberCultura Viva 10 Anos: Tecendo memórias, celebrando a diversidade, ampliando redes e construindo o futuro” começa em 2004, com o lançamento do programa Cultura Viva no Brasil. Daí surge uma agenda contextual, com eventos anteriores que serviram de base para a criação deste programa de cooperação. 

Além de algumas declarações importantes, como a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005) e a Carta Cultural Ibero-Americana (2006), a linha reúne encontros e congressos relevantes ligados à área, reuniões de Pontos de Cultura e Congressos de Cultura Comunitária Viva; políticas e legislações nacionais e locais, e algumas referências do programa, como os anos de adesão dos países, as reuniões do Conselho Intergovernamental, os planos estratégicos, as convocatórias, os concursos e as publicações lançadas.

“O espírito do IberCultura Viva tem a ver com essa articulação com a sociedade civil, essa ideia de gerar áreas de participação social, construir redes, e a ação intersetorial, de governos locais, movimentos sociais, um diálogo para melhorar a política e gerar linhas de ações vinculadas às necessidades próprias das organizações”, comentou Benhabib, que também incluiu na lista instâncias como a Rede IberCultura Viva de Cidades e Governos Locais e o Grupo de Trabalho de Sistematização, criados respectivamente em 2019 e 2021.

Este primeiro painel, denominado “Resultados e desafios do Programa IberCultura Viva”, foi dividido em três partes. A primeira foi dedicada à linha do tempo da cultura comunitária na região ibero-americana, e a segunda buscou traçar um panorama da cultura viva comunitária, com a participação de representantes dos países membros que viajaram a Brasília para a 14ª Reunião do Conselho Intergovernamental, realizada nos dois dias anteriores. A terceira e última parte desta mesa de abertura (“Resultados e desafios para +10 anos”) foi liderada pela anfitriã Márcia Rollemberg, secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura  e presidenta do Conselho Intergovernamental.

Flor Minici, secretária técnica do IberCultura Viva e mediadora desta mesa de seminário, destacou que quando falamos de resultados e desafios, falamos da dimensão do planejamento, mas também da dimensão participativa. “E como os resultados e as perspetivas dos desafios colocam diante de nós um debate que tem a ver com a governança, com as formas como as instituições articulam as relações muito particulares que na cultura viva existem entre as organizações, entre o Movimento de Cultura Viva Comunitária e também as políticas públicas”, afirmou.

Segundo ela, essa governança, pela qual o IberCultura Viva tenta transitar como uma governança democrática, é o que permite que novas agendas sejam debatidas hoje, “justamente porque há uma escuta e um trabalho permanente em relação à captação, ao processamento e à elaboração de agendas futuras, agendas estratégicas que partem do que está acontecendo no movimento, nas organizações, e também nas profundas transformações que estão passando a organização geral do nosso modo de vida e os modos de produção que habitamos.”

,

A seguir, apresentamos as intervenções das e dos representantes dos países membros nesta primeira mesa do seminário, seguindo a ordem de participação.

.

EL SALVADOR

Seguindo a linha do tempo apresentada por Benhabib, o salvadorenho Walter Romero iniciou sua intervenção dizendo que é oriundo do Movimento de Cultura Viva Comunitária, e que antes de ser representante de seu país no programa, participou do que considera o marco mais importante de El Salvador no tema: o fato de ter sediado o 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em 2015. “Para nós, foi o posicionamento mais importante para, desde o movimento, podermos dialogar com quem estava no governo. Isso deu origem à criação em El Salvador, em 2016, de um incentivo chamado Pontos de Cultura, inspirado na experiência brasileira e em todo o movimento que vinha se desenvolvendo”, destacou.

“Isso contribuiu para que pudéssemos gerar e tornar visíveis as iniciativas que em El Salvador já desenvolviam a cultura viva nos territórios, possibilitando que as organizações fossem reconhecidas como Pontos de Cultura. Foi uma das primeiras vezes que conseguimos acessar fundos competitivos para apoiar estas iniciativas que, como diz um amigo, já funcionavam nos territórios, sem o Estado, apesar do Estado, e inclusive contra o Estado”, acrescentou.

Em 2019, Romero ingressou no governo e assumiu o cargo de REPPI (representante) do país no programa. Depois de alguns meses, veio a pandemia. “Foi uma fase muito, muito difícil para todos. Uma das primeiras iniciativas foi dar assistência alimentar imediata para poder levar recursos e alimentos à população, a todas as pessoas do movimento de Cultura Viva”, lembrou, antes de destacar algumas iniciativas do programa, como os editais  que permitiram o acesso a recursos financeiros para promover as festas que acontecem nos territórios, e as bolsas de estudo para processos de formação de organizações e grupos de cultura viva comunitária.

“O importante que aprendemos ao longo do caminho é que esta é uma dinâmica de construção coletiva, de um diálogo que pode e deve existir entre organizações comunitárias e funcionários públicos que no momento têm esta dinâmica de tomada de decisão. É um prazer estar aqui e esperamos vê-los no México, no 6º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária”, concluiu.

.

EQUADOR

Marcia Ushiña, representante técnica do Equador no programa, também seguiu o cronograma iniciado por Benhabib, destacando que para seu país foi importante a expedição da Lei Orgânica da Cultura, em 2016. Esta lei define as atribuições, competências e obrigações do Estado, os fundamentos das políticas públicas que visam garantir o exercício dos direitos culturais e da interculturalidade, contemplando a Cultura Viva Comunitária nos seus princípios.

“Este é o marco regulatório que nos permite atuar na alocação de financiamento para projetos e na aproximação com organizações que trabalham em políticas públicas em suas comunidades. É o que permite o fortalecimento das organizações e uma revitalização com consciência política daquilo que são os seus costumes, a sua memória, as suas línguas”, frisou.

Conforme detalhou Ushiña, em 2016 foi emitida a Lei Orgânica da Cultura, e em 2017, o Equador entrou no programa. Nos últimos anos, o governo equatoriano lançou três concursos públicos para atribuir fundos a diferentes projetos e propostas de gestores culturais de comunidades, cidades, nacionalidades e territórios descentralizados, inicialmente com o objetivo de fortalecer atividades em função das suas tradições.

”Atualmente, o que pretendemos é entrar com mais cuidado e com mais orçamento para fortalecer as organizações, sua política, sua organização, em função da revitalização dos resgates da memória, da segurança alimentar e também na defesa da natureza. Esse é, digamos, o modelo com o qual vamos agora construir os próximos encontros e concursos públicos”, afirmou. 

Segundo ela, desde o ano em que o Equador faz parte do programa, foram disponibilizados recursos para cerca de 70 projetos, que foram desenvolvidos em diferentes cidades e províncias do país, tanto nas montanhas, no litoral e na Amazônia. “Tem sido um aprendizado constante, permanente, mas também muito desafiador”, comentou.

Este ano, no mês de julho, foram anunciados os 30 projetos vencedores do concurso público “Cultura Viva Comunitária: difusão, promoção e fortalecimento de comunidades”. Esses projetos estão em fase de implementação e o desafio agora é acompanhar como estão se desenvolvendo, para que isso sirva de experiência para os próximos que receberão os recursos em 2025.

.

COSTA RICA

Johanna Madrigal Araya, diretora de Gestão Sociocultural do Ministério da Cultura e Juventude da Costa Rica, lembrou que seu país sediou o VI Congresso Ibero-americano de Cultura, que aconteceu na cidade de San José, de 11 a 13 de abril de 2014. Neste evento, que teve como tema culturas vivas comunitárias, foi lançado oficialmente o programa IberCultura Viva. “Tivemos a honra de acolher as primeiras sessões de trabalho e isso tem sido fundamental para o nosso país. Nos sentimos honrados em fazer parte do programa IberCultura Viva, que nos ensinou muito”, disse. 

Uma das principais lições aprendidas, segundo ela, tem a ver com o fato de que um programa de Pontos de Cultura, como o que existe na Costa Rica desde 2015, é uma possibilidade flexível e adaptável ao contexto e às diferentes diversidades e realidades dos países. “Cada um dos nossos países conseguiu assimilá-lo, operá-lo de diferentes formas e a partir daí também pudemos aprender e replicar tudo isso em outros serviços que oferecemos no Departamento de Gestão Sociocultural”, comentou, destacando o contribuição do programa na implementação da Política Nacional de Direitos Culturais do país. 

“O IberCultura Viva veio para nos dar mecanismos, instrumentos para entender, para orientar como realizar parte da nossa política e como buscar cada vez mais o acesso e o exercício efetivo, bem como o gozo dos direitos culturais tão necessários na região ibero-americana e que estão abandonados há muito tempo. Em geral, fala-se muito sobre direitos humanos, mas infelizmente os direitos culturais foram deixados para trás. Temos que continuar lutando, ativando espaços, trabalhando para que haja cada vez mais acesso a isso. Acredito que a partir do programa, na participação que fazemos internamente em cada um dos países, é esse o compromisso e o esforço que procuramos”, notou.

A representante da Costa Rica também mencionou a importância de participar do Comitê Executivo e do Conselho Intergovernamental do IberCultura Viva, com a intenção de continuar a trabalhar juntos para construir melhores realidades em cada um dos países e na região como um todo. “Temos interesse em estar lá, poder estar mais perto das comunidades, dos territórios, das organizações de base comunitária. É aí que está o nosso grande desafio: cada vez mais implementar, buscar, pesquisar como se conectar, se aproximar das populações e de sua diversidade. Então é seguir compartilhando, criando em conjunto para um futuro melhor, para uma região ibero-americana melhor, com acesso e fruição dos direitos culturais”.

.

URUGUAI

Ao expressar a sua alegria em participar nestes dias de trabalho em Brasília, o uruguaio Juan Carlos Barreto disse considerar muito importante garantir que um programa com essas características esteja completando 10 anos. Ele destacou o poder das redes de trabalho colaborativo, o fato de poder ouvir as experiências das e dos companheiros e ver como se pode melhorar as ações desenvolvidas no seu país, como, por exemplo, o programa Pontos de Cultura, um dos mais importantes na política cultural territorial.

Além de reforçar que os Pontos de Cultura estão distribuídos por todo o Uruguai, “em diferentes regiões, com suas diferentes características e identidades”, Barreto mencionou outras iniciativas da área de Gestão Territorial da Direção Nacional de Cultura, como o programa de Festivais Uruguaios, que trabalha para fortalecer, apoiar e reconhecer as festas populares como patrimônio imaterial do país, e o programa Usinas Culturais, que está completando 15 anos.

Localizadas em todo o território nacional (mais de 20 em funcionamento), as Usinas Culturais são centros regionais que dispõem de salas de gravação musical e equipamentos para produção audiovisual. O objetivo central é promover o potencial criativo de cidadãos e cidadãs por meio da utilização de novas tecnologias, com acesso democrático e gratuito. “É um programa que vale muito a pena conhecer. Nesse período, muita gente já passou por lá”, afirmou.

.

CHILE

Marianela Riquelme Aguilar, vice-presidenta do IberCultura Viva e chefa do Departamento de Cidadania Cultural do Ministério das Culturas, das Artes e do Patrimônio do Chile, iniciou sua participação nesta mesa mencionando o “orgulho” de poder estar no programa desde o começo. “Desde 2015, o Chile participa, oferecendo às organizações culturais comunitárias – e hoje aos Pontos de Cultura Comunitária – as possibilidades de ter esta base, uma base de partilha, de alianças, de tecer redes importantes para as organizações culturais comunitárias”, destacou.

Abrindo sua apresentação sobre o programa Pontos de Cultura Comunitária, que está em seu segundo ano de implementação no Chile, ela explicou que este é também o resultado do trabalho que vem sendo realizado neste âmbito. “O programa IberCultura Viva significou para muitos países um refúgio, um espaço de resistência contra os altos e baixos das ondas que recebemos de diferentes governos, diferentes administrações nacionais e territoriais, que muitas vezes sentem uma desconexão com as comunidades. Hoje temos no Chile o compromisso do presidente Gabriel Boric de lançar um programa como os Pontos de Cultura, Comunitária, que consegue converter uma política pública em uma política latino-americana, abraçada por muitos países no que diz respeito ao trabalho das comunidades”.

Um processo participativo

Quanto ao processo de construção da política pública, Riquelme destacou o trabalho colaborativo das organizações culturais comunitárias do Chile que se espalham por todo o território nacional, reconhecendo que, sem elas, não seria possível ter um programa como o que existe hoje. “Esta tem sido a conclusão de um processo interessante de articulação, de partilha de experiências, de partilha de saberes entre países, do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista mais humano e territorial”, celebrou, destacando a necessidade fazer a vinculação entre as linguagens da institucionalidade e os tempos e linguagens das comunidades no território.

A implementação do programa Pontos de Cultura Comunitária no Chile ocorreu após um processo participativo em que foi possível realizar 121 Diálogos Cidadãos nas 16 regiões do país, em outubro e novembro de 2022, com mais de 1.400 participantes pertencentes a 825 organizações culturais comunitárias. Nestes espaços de conversa articulados pelo Ministério das Culturas, das Artes e do Património, representantes de municípios e organizações culturais comunitárias puderam partilhar, propor e discutir, com base nas suas experiências territoriais, propostas para o desenvolvimento de um programa público de culturas comunitárias. 

O programa, que foi divulgado em 2022 e começou a ser implementado em 2023, conta hoje com 535 Pontos de Cultura Comunitária cadastrados em todo o país. Uma cifra que, segundo a representante do Chile, é “absolutamente diversa, muito enriquecida por todo o trabalho que as pessoas realizam no seu território, com a realidade que em algumas ocasiões é muito difícil, mas com a força que nos dá o trabalho solidário que é gerado no âmbito da cultura viva comunitária para o bem viver”. 

Neste registo nacional há uma importante representação dos povos indígenas, particularmente dos andinos Aymara, com uma percentagem bastante elevada, superior à dos Mapuche e Kolla, e também com a incorporação do povo Rapa Nui. Também estão representadas pessoas idosas, com deficiência, crianças, adolescentes e comunidades migrantes pertencentes a organizações comunitárias, o que confirma a diversidade que possuem em seus territórios. 

“São organizações sem fins lucrativos que têm raízes comunitárias e um impacto positivo reconhecido em cada um dos territórios que habitam, com reconhecimento local e uma valorização importante das suas comunidades”, reforçou a vice-presidenta do programa, explicando que o apoio é dado por meio de linhas de trabalho dedicadas ao fortalecimento de organizações culturais comunitárias e planos de articulação, para que possam se vincular com outras organizações e desenvolver ações conjuntas. Outra linha interessante que estão desenvolvendo é a formação, que conta com a colaboração de um consórcio de universidades do Chile.

.

REPÚBLICA DOMINICANA

Henry Mercedes Vales, diretor geral de Mecenato do Ministério da Cultura da República Dominicana, anunciou no encontro em Brasília a incorporação plena do país ao IberCultura VIva, após um ano de participação nas atividades do programa como país convidado. Ele iniciou sua participação nesta mesa mencionando a celebração da XXI Conferência Ibero-americana de Ministros e Ministras da Cultura que se realizou em Santo Domingo, no dia 21 de outubro de 2021, e um dos acordos alcançados nessa ocasião: o de promover a coordenação com diversos atores para o financiamento de projetos culturais que promovam o mecenato cultural na América Latina e deem visibilidade à cultura como objeto de responsabilidade social corporativa. “Como a questão do mecenato está ligada à questão da cultura comunitária? É o mecanismo que temos neste momento para podermos buscar financiamento, buscar a sustentabilidade dos projetos culturais”, explicou o diretor.

O Ministério da Cultura foi criado na República Dominicana em 2000. Em 2010, foi emitida uma nova Constituição, que em seu artigo 67 estabelece a questão dos direitos culturais. Henry Mercedes disse que de 2013 a 2019 houve uma convocatória que teve um impacto muito direto nos projetos culturais de base comunitária, nos projetos de cultura viva, mas a pandemia da Covid-19 desmantelou todos esses processos. A ideia de ativar a Lei do Mecenato seria então o mecanismo de financiamento desses projetos, porque viria de fundos do setor privado, e também da Cooperação e de fundos públicos de outras instituições que pudessem ser articuladas.

Além disso, ele comentou que o Ministério da Cultura tem, por exemplo, uma Direção de Participação Popular, onde existe um Departamento de Carnaval, algo que se celebra no seu país, em diferentes regiões, durante todo o mês de fevereiro, e como uma festa que se repete em datas diversas, como no dia 16 de agosto, feriado da Independência, e até na Semana Santa, quando uma cidade o celebra nos cemitérios, sobre as sepulturas. “Em algumas cidades, o Carnaval é uma expressão viva que se manifesta com grande diversidade”, assinalou.

Nesta mesma direção está o Departamento de Cultura de Bairro, que trabalha todos os dias para fortalecer a identidade cultural dos bairros, promovendo práticas e tradições que enriquecem as comunidades. “É um departamento ativo e que trabalha muito diretamente com todas as manifestações populares”, disse, antes de destacar alguns projetos apoiados por meio do mecanismo de mecenato, como um festival de teatro infanto-juvenil, uma iniciativa de uma associação que trabalha com a questão da violência de género em abrigos; um projeto sobre a história do merengue, além de projetos voltados à criação de um sistema de informação e gestão de projetos culturais e outro vinculado à formação de gestores culturais.

.

PARAGUAI

Estela Franceschelli, que recentemente assumiu a função de representante do Paraguai no IberCultura Viva, iniciou a sua apresentação dizendo que no seu país, em 2010 e 2011, foram instalados 98 Pontos de Cultura. “As idas e vindas das mudanças de governo e de orientações fizeram com que esses 98 Pontos de Cultura enfraquecessem progressivamente. Porém, neste momento temos 47 Pontos de Cultura reconhecidos”, explicou, lembrando que em 2021 o governo paraguaio apresentou o programa Pontos de Cultura como uma das estratégias para a reativação do setor cultural, após o período de emergência sanitária, a fim de fortalecer e garantir a sustentabilidade dos espaços e centros culturais comunitários em todo o país. 

O Paraguai foi um dos primeiros países a aderir ao programa IberCultura Viva após a sua criação, aprovada em outubro de 2013, na 23ª Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, na Cidade do Panamá. A Secretaria Nacional da Cultura esteve presente nas reuniões do Conselho Intergovernamental de 2014 a 2016, ano em que saiu do programa. Após participar das atividades do IberCultura Viva durante o ano de 2022, como país convidado, o governo do Paraguai oficializou sua reincorporação ao Conselho Intergovernamental como país membro em março de 2023.

“Na Secretaria de Cultura do Paraguai existe um mandato primeiro e fundamental, que é o de garantir direitos. Às vezes falhamos um pouco no objetivo, mas no geral é o que temos feito e isso se reflete no fato de hoje existirem três redes nacionais de gestores culturais comunitários. A maioria deles vem de comunidades e cidades muito pequenas, muitos povos indígenas. O programa IberCultura Viva tem proporcionado compreensão, reflexão e análise. Precisamos muito de tudo isso, mas ainda assim acho que estamos no caminho certo”, afirmou.

Estela Franceschelli também mencionou os três projetos do Paraguai que foram selecionados este ano no Edital IberCultura Viva de Apoio a Redes e Projetos de Trabalho Colaborativo e estão em andamento em seu país. São eles: o 4º Encontro Nacional de Gestão Cultural Comunitária, apresentado pelo Centro de Desarrollo de las Artes y la Cultura Avaré Sumé; “Por uma lei para espaços culturais no Paraguai”, apresentada por Red Escucha, e “Inclusão Digital para o Desenvolvimento Cultural no Chaco Paraguaio (IDDC Chaco)”, proposta pela Asociación Melodía para la Promoción de la Educación y la Cultura.

“El Chaco é uma área muito pobre, bastante abandonada, muito seca, quase sem internet, com muitos povos indígenas e grandes áreas despovoadas. Porém, para esta jornada de formação, temos mais de 4.550 gestores comunitários inscritos, que vão participar de uma capacitação intensiva para aprender a administrar redes sociais e se interconectar”, comemorou a REPPI do Paraguai, referindo-se ao projeto de criação da rede Chaco. de gestores culturais comunitários. “Por outro lado, acabamos de ter uma experiência bastante importante a nível urbano, as jornadas de formação e reflexão da Red Escucha, que é uma rede de centros e espaços urbanos com um grande desafio de refletir, analisar e construir uma proposta de lei que regulamente os espaços públicos comunitários”.

.

ESPAÑA

Jazmín Beirak, diretora geral de Direitos Culturais do Ministério da Cultura da Espanha, disse estar muito feliz pela oportunidade de ter podido partilhar estes debates, naquela que foi a sua primeira participação no Conselho Intergovernamental do IberCultura Viva. Sua apresentação começou com a explicação de que a Direção Geral dos Direitos Culturais, criada há nove meses, é a primeira ação concreta institucional de um compromisso político do governo espanhol. “Quando esta nova equipe governamental chegou ao Ministério da Cultura, um dos eixos fundamentais que quis introduzir foram os direitos culturais, como linha estratégica para colocar a cidadania no centro, como principal destinatário da ação pública”, afirmou. 

Segundo ela, o trabalho tem se concentrado em manejar um conceito extenso de cultura, saindo da dicotomia da cultura como objeto de consumo, como obra, e encontrando-a mais com a ideia de cultura como o comum, como o compartilhado. “E também compreender que o direito de acesso à cultura vai além do direito aos bens e serviços, do direito aos espetáculos, como usuário, como espectador. Antes disso, tem a ver com o desenvolvimento de capacidades, de uma identidade, de um pertencimento comunitário, com o manejo dos códigos e de um património, com a cultura comunitária, com as tradições, com a própria gestão dos projetos culturais”, acrescentou.

Nesse sentido, o Ministério da Cultura alinhou-se com o que já diziam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sobre a ideia de participar da vida cultural, e tem procurado abordar questões como a atenção ao território, a igualdade, a ideia de que a existência de uma oferta cultural não garante o acesso à cultura e à participação cultural, mas sim que são necessárias políticas específicas que tenham em conta condições e determinantes para isso. “Entender a diversidade num sentido amplo, étnico, racial, linguístico, com atenção às deficiências, à igualdade de género. E a ideia da transversalidade da cultura, entendendo que a cultura não é um setor separado do resto das nossas realidades, mas que tem muito a ver, por exemplo, com a educação, com a saúde”, resumiu.

Para Beirak, a incorporação dos direitos culturais na ação do Ministério permitiu-lhes completar e complementar algo que já estava sendo realizado do ponto de vista setorial e patrimonial. “Agora, na Espanha, chamamos este marco de ‘Direitos Culturais’, e é algo que tem uma tradição de décadas, mas também outros significantes, entre eles a cultura viva, a democracia cultural, os impactos sociais da cultura. É todo um campo semântico no qual estamos falando de elementos muito semelhantes. Por isso é essencial olhar a América Latina em tudo isto, porque só temos uma política institucional há 9 meses, e aqui há projetos que já duram 20 anos, 15 anos, 10 anos. Para nós, é fundamental olhar para o que vocês estão fazendo, aprender e transferir esse conhecimento para o nosso território”, afirmou.

Um dos dois importantes projetos em que estão trabalhando é o Encontro “Cultura e Cidadania”, que é anterior ao lançamento da Direção Geral dos Direitos Culturais, mas que segue a mesma linha, embora sem o nome “direitos culturais”. “É um encontro que existe há 10 anos e que nos tem ajudado a dar visibilidade, gerar redes, conectar e valorizar todas aquelas práticas comunitárias que se desenvolvem no território espanhol, com uma ideia de inovação, experimentação, geração de uma nova institucionalidade. E que também tem uma derivada no meio rural, Cultura e Ruralidades”, explicou.

 A 11ª edição do encontro “Cultura e Cidadania” terá lugar em Barcelona em setembro de 2025, dias antes da celebração do Mondiacult, e com os seus principais eixos temáticos alinhados com os que serão discutidos neste evento da UNESCO: os direitos culturais, a cultura da paz e a inteligência artificial.

O segundo projeto que está em curso é o primeiro Plano Nacional dos Direitos Culturais, que tem apresentação prevista para maio de 2025. “No fundo é um roteiro que traçamos, um instrumento que nos vai ajudar a identificar quais ações vamos querer realizar na Direção dos Direitos Culturais. É um plano ambicioso, composto por 13 eixos que organizam todas as ações que queremos desenvolver”, adiantou. 

.

Uma rede espanhola de Pontos de Cultura

Um desses eixos é o do território, do desenvolvimento local e do desenvolvimento comunitário, no qual está prevista a possibilidade de implementar uma rede de Pontos de Cultura na Espanha. Outros exemplos seriam um eixo específico de educação, para que as políticas possam ser partilhadas com o Ministério da Educação, e um eixo de avaliação da política cultural, a ser reivindicado como uma política de igualdade com as políticas de trabalho, de finanças, de segurança social. Ou seja, algo que não dependa do gosto de quem governa num determinado momento, e que não se trate de uma “política decorativa”, mas sim de uma política pública como todas as outras. 

“É também um processo ambicioso em termos de participação. Temos contado com associações, entidades, especialistas que trabalham na área dos direitos culturais, são mais ou menos 300, 400 pessoas participando. Também com o setor profissional, com as indústrias culturais. Nos parece fundamental abrir esse espaço porque acreditamos que é preciso compreender que são vasos comunicantes, ou seja, não é antagônico levar arte e cultura às escolas, pois isso ajuda as indústrias a formar público e a gerar profissionais. É um circuito que você tem que saber conectar”, acrescentou. Para a participação dos cidadãos e cidadãs, a Direção Geral dos Direitos Culturais criou uma plataforma online, por meio da qual recolheram cerca de mil contribuições.

.

MÉXICO

Norma Cruz Hernández, responsável técnica do México, destacou a importância destas jornadas de trabalho para gerar novas perspectivas e colaborações, e agradeceu às organizações culturais de base comunitária, “o coração do movimento, a razão pela qual o programa IberCultura Viva está aqui”. “Todo o nosso reconhecimento vai para as organizações de cada um dos países”, reforçou, antes de voltar à linha do tempo iniciada por Diego Benhabib e lembrar que o México participa do programa desde o seu início, em 2014; esteve na presidência do Conselho Intergovernamental no triénio 2021-2023, e em 2024 segue integrando o Comitê Executivo. “Continuamos nesse aprendizado, nesse fortalecimento, nessa luta pela potência da cultura viva.”

Ao mencionar o impacto que IberCultura Viva teve em seu país, ela destacou que mais de 120 pessoas, integrantes de organizações de povos originários, indígenas e afrodescendentes, estiveram presentes nas diversas convocatórias e concursos do programa, e que no Mapa IberCultura Viva estão cadastradas mais de 140 organizações culturais comunitárias e mais de 900 agentes mexicanos. 

Mencionou, também, que a experiência adquirida com a participação no programa contribuiu para a criação do programa Cultura Comunitária, que a Secretaria de Cultura do Governo do México instituiu a partir de 2019, buscando destacar que a cultura é um direito humano e que são as pessoas, as comunidades, as localidades, que estão no centro das políticas culturais. “Temos uma dívida histórica com todas as populações que foram excluídas de alguma forma. É aí que devemos construir, começando de baixo para cima”, assinalou.

Uma das principais apostas do programa Cultura Comunitária no México são os Semilleros Creativos, um modelo pedagógico de formação artística voltado para infâncias e juventudes em condições de vulnerabilidade. Nesses grupos, crianças e jovens podem aprender linguagens artísticas (artes cênicas, artes visuais, escrita criativa, música, produção audiovisual) e expressões culturais (línguas indígenas e artes tradicionais, como têxteis, bordados, cerâmica e brincadeiras) gratuitamente, com o objetivo de desenvolver atitudes e habilidades e participar da vida cultural de suas comunidades.

Norma Cruz explicou que os Semilleros Creativos são criados a partir de um diagnóstico, que lhes permite mapear em nível nacional quais são as áreas onde há alto índice de violência, atraso social, os pontos que têm interesse em abordar com maior prioridade para que as crianças e os jovens tenham espaços mais seguros para si e para as suas famílias. Hoje existem mais de 400 Semilleros Creativos no país, e neste período foram realizadas mais de 36 mil atividades, onde participaram mais de 4 milhões de pessoas de 711 municípios.

Outra área de atuação do programa Cultura Comunitária são as jornadas culturais comunitárias, que buscam a recuperação afetiva dos espaços públicos. “São atividades que estão de alguma forma ligadas a ferramentas de mediação sociocultural e são intergeracionais. Aqui recuperamos espaços muitas vezes em desuso ou relacionados com a violência”, explicou, antes de salientar a importância da formação e da participação cultural comunitária. “A partir do programa acreditamos também que as pessoas são públicos ativos, que tudo começa na escuta das necessidades e interesses, que tudo se constrói em conjunto e partilhado.”

.

BRASIL

João Pontes, diretor da Política Nacional de Cultura Viva e representante do Brasil no IberCultura Viva, falou sobre a alegria de poder retomar esta política, que começou como um programa em 2004, num momento de democratização do país, de efervescência política, de construção de uma esfera de participação. “Esta é uma resposta importante e criativa do país para o debate sobre os direitos culturais”, afirmou. 

Ao contextualizar o caminho percorrido até o lançamento do programa Cultura Viva no Brasil, há 20 anos, ele fez referência à experiência francesa do Ministério dos Negócios Culturais, na segunda metade do século 20, quando se passou a entender a importância de promover políticas públicas para o conjunto da população, e citou iniciativas de governos progressistas em cidades como Porto Alegre e São Paulo, em especial na gestão de Marilena Chauí, com as experiência de descentralização da cultura, em que o Estado e as prefeituras disponibilizavam oficinas e atividades nos territórios e comunidades.

“A cultura viva vem como uma inovação importante, que é o reconhecimento de que não cabe ao Estado somente levar bens e serviços culturais, de que não compete ao Estado promover o acesso aos cidadãos e cidadãs somente por meio dos equipamentos, mas sim reconhecendo o conceito de que em todos territórios e comunidades já existem grupos culturais que promovem o acesso da população, que são as raízes mais profundas da sua diversidade cultural. É neste espírito que surge o programa Cultura Viva”, comentou.

Do discurso de posse do ministro Gilberto Gil, em janeiro de 2003, ele trouxe o trecho do “do-in antropológico”, a ideia do Estado massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país. Falou do sentido filosófico programático, “ao mesmo tempo simples e sofisticado”, do que são os Pontos de Cultura, esses pontos que não tem fórmula nem regra, que podem ter sede ou não, podem trabalhar com formação, criação, produção e/ou difusão, mas que tem como princípio básico a presença da comunidade nesses processos culturais, de forma gratuita e continuada.

Depois de lembrar algumas ações que se realizaram ao longo desses 20 anos de Cultura Viva no Brasil, como Ação Griô e Cultura de Ponto a Ponto, João Pontes chamou a atenção para a forma como esta política é entendida hoje no Brasil: é a política de base comunitária do Sistema Nacional de Cultura. Ou seja, assim como os sistemas de saúde ou de educação têm seus postos de saúde e suas escolas, aqui se encontram os Pontos e Pontões de Cultura, em diálogo com o poder público, mostrando que a sociedade civil não é apenas beneficiária, e sim protagonista na execução da política. 

“A participação é uma diretriz fundamental. Não haveria outra forma de fazer a política pública senão em diálogo, de maneira horizontal, com a sociedade civil”, destacou o diretor. Em 2025, os fóruns, onde se dão os principais diálogos e participação, terão sua grande edição junto à Teia, o encontro nacional dos Pontos e Pontões de Cultura, que se realizará entre setembro e outubro na cidade de Vitória (Espírito Santo). 

Em sua apresentação, Pontes também destacou a aprovação da Lei Cultura Viva, que transformou o programa em política de Estado em 2014 (“uma lei de autoria da deputada Jandira Feghali, com forte participação da sociedade civil na sua construção e mobilização do Ministério da Cultura”). Falou do cadastro nacional, que hoje conta com 6.500 Pontos e Pontões de Cultura em todo o Brasil; de instrumentos que facilitam as formas de parceria entre a sociedade civil e o Estado, como o Termo de Compromisso Cultural (TCC), e do recém-aprovado Marco do Fomento à Cultura, “que tem uma forte inspiração na Lei Cultura Viva e sua regulamentação, porque tem o foco no objeto dos processos culturais e não nos instrumentos”.

.

Cinco gerações de Cultura Viva

Para o Ministério da Cultura, esta é a quinta geração da política de Cultura Viva. A primeira abarca o período 2004-2008, com os primeiros editais do MinC; a segunda, entre 2008-2014, é marcada pela descentralização de recursos e o redesenho do Cultura Viva. A terceira (2014-2016) inicia com a aprovação da lei e com instrumentos que facilitam a parceria entre Estado e sociedade civil. “Em 2016, tivemos o golpe parlamentar no país e um processo de desmonte da política pública. Não por completo, porque vimos servidores e servidoras que vieram em defesa dos instrumentos, mas paramos de ter investimento, editais, e havia um ambiente de censura e perseguição aos grupos culturais. Agora estamos nesta quinta fase, de reconstrução, de retomada de diálogo com a sociedade civil, de maior pactuação entre estados e municípios”, resumiu.

Essa reconstrução, segundo ele, é feita a partir da base com a rede de Pontões de Cultura, que hoje somam 42, atuando em quase todos os estados brasileiros (com exceção de 4), sendo 15 deles temáticos. E acima de tudo, é uma retomada feita com o maior investimento da história da Política Nacional de Cultura Viva (PNCV), a partir da vinculação de recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB). 

A PNAB prevê recursos por um período de 5 anos, garantindo um mínimo de 10% do valor total para a PNCV. São 3 bilhões de reais por ano, 15 bilhões de reais ao todo; o que dá para a PNCV um mínimo anual de 300 milhões de reais (cerca de 50 milhões de dólares). Neste primeiro ano de implementação, por uma decisão da ministra da Cultura, a vinculação foi de 13%, o que significou um valor de 388 milhões de reais para a PNCV. A expectativa de fomento, segundo o diretor, é de 14 mil Pontos e Pontões de Cultura.

“Este é um momento muito importante. Em todas as 27 unidades da federação, vinculamos para 696 municípios. E mais do que o dobro, por vontade própria, decidiram vincular seus recursos à Cultura Viva, o que faz com que este número de municípios passe de 1.400. Como os governos estaduais também terão seus editais, a gente acha que pode chegar a 2 mil municípios brasileiros com Pontos de Cultura fomentados”, anunciou João Pontes. 

.

Leia também:

Tags |