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Scholas Occurrentes e Cultura Viva: a arte do encontro num projeto do Papa Francisco
Em 05, fev 2016 | Em Notícias |
O que aconteceria se um jovem checheno tivesse que conviver com um jovem russo, dormindo no mesmo quarto e dividindo a comida? Ou se um israelense tivesse que viver com um palestino sob o mesmo teto? Em Rondine, uma vila medieval em Arezzo, na Itália, isso já é realidade: ali, graças a um projeto do Papa Francisco, jovens de países “inimigos”, ou de culturas bem diferentes, são convidados a estudar e viver juntos, para que aprendam a dialogar e se tornem os “líderes de amanhã”. “Potenciar o encontro, praticar a alteridade (ou se reconhecer no ‘outro’ por mais diferente que este ‘outro’ possa parecer), exercitar a tolerância e a paz, esta é a ideia do Scholas Occurrentes”, explica o historiador Célio Turino, ex-secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura [*].
E foi para tratar dessas “Escolas do Encontro” – ou melhor, de como a experiência da Cultura Viva Comunitária na América Latina pode contribuir para a promoção desses encontros para a paz – que Célio Turino esteve nesta quarta-feira (03/02), pela segunda vez, com o Papa Francisco no Vaticano. Ele foi a Roma acompanhado da mulher, a professora universitária Silvana Bragatto, e do cineasta Silvio Tendler, que pretende dirigir um documentário sobre 12 experiências emblemáticas de Cultura Viva na América Latina.
O registro audiovisual dessas iniciativas de cultura de base comunitária foi um dos compromissos firmados neste encontro, além da confecção de um livro, da realização de residências artístico-pedagógicas sobre a relação entre escolas e comunidades, e da organização de um congresso mundial de arte-educação, o Encontro da Harmonia, provavelmente em maio de 2017, no Vaticano. Um seminário de imersão na cidade de Medellin, Colômbia, em maio de 2016, também está nos planos.
A reunião de trabalho foi organizada por José Maria Corral, presidente da Fundação Pontifica de Scholas Occurrentes. “Foi um encontro de simplicidade e audácia. Papa Francisco, mais uma vez, falou da importância da arte para uma mudança civilizatória. E saímos com resultados práticos e um convênio assinado, com previsão de três anos de duração inicial”, escreveu Célio Turino em sua página no Facebook.
Segundo ele, a ideia é desenvolver, a partir de agora, acordos com governos, universidades, empresas e entidades comunitárias para a criação de Pontos de Encontro (semelhantes aos Pontos de Cultura) em todo o mundo, “com orçamento mínimo e garantia de autonomia, protagonismo e empoderamento social”. A partir desses Pontos de Encontro seriam realizadas atividades culturais, ambientais e comunitárias, num serviço-aprendizagem chamado Agentes Jovens de Cultura Cidadã. Esses acordos também teriam como objetivo os “entornos criativos para novas pedagogias que cruzem arte/educação e comunidades”.
As escolas do encontro
Organização internacional de direito pontifício instituída pelo Papa Francisco em agosto de 2013, as Scholas Occurrentes (“Escolas do Encontro”) estão presentes em 82 países e têm sedes no Vaticano, na Argentina, na Espanha, no Paraguai e em Moçambique. Sua missão é integrar as comunidades, com foco naquelas de menores recursos, buscando integrar escolas (públicas e privadas) e redes educativas de todo o mundo a partir de propostas tecnológicas, esportivas e artísticas.
São vários os programas educativos que fazem parte da organização. Há o Scholas Cidadania, o Scholas Social, o Scholas Art, o Scholas Labs… Quem fez a ponte com Célio Turino foi a argentina Damiana Lanusse, responsável pelo Scholas Art. Os dois foram apresentados pela bailarina e coreógrafa Inés Sanguinetti (Fundación Crear Vale la Pena), que há muito trabalha com comunidades da periferia de Buenos Aires. Damiana recebeu a edição em espanhol do livro de Célio, Puntos de Cultura – Cultura Viva en Movimiento, e pouco depois ele foi convidado pela Academia de Ciências do Vaticano para a conferência de abertura do IV Congresso Scholas.
Inés, Célio e Damiana tiveram uma primeira conversa com o papa sobre Cultura Viva em fevereiro de 2015. No fim de outubro, os três apresentaram a proposta do Vaticano aos participantes do 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em San Salvador. Em reunião com o Conselho Latino-americano de CVC, eles falaram sobre como acreditavam que os Pontos de Cultura podiam fazer a mediação dos encontros pela paz idealizados pelas Scholas Occurrentes. Afinal, ainda que não trabalhem com realidades extremadas, como as dos jovens que vivem em áreas de guerra, os Pontos de Cultura há anos vêm buscando o diálogo, a harmonia, em regiões onde a guerra não é declarada, mas existe em forma de desigualdade social.
Pontos de convergência
Na plenária final do congresso, na Concha Acústica da Universidade de El Salvador, eles ressaltaram que se tratava de um programa laico e que surgiu de uma iniciativa do Papa Francisco quando ainda era arcebispo de Buenos Aires. “Era um encontro de vizinhos de realidades e religiões diferentes, e que agora se transformou num programa que pretende atingir 60 milhões de jovens em 200 mil pontos do mundo”, destacou Célio.
Damiana, por sua vez, disse que estava muito impressionada com o que o movimento de Cultura Viva havia conquistado nesses anos e que via nessas iniciativas de base comunitária muitas afinidades com as Scholas Occurrentes. “Com esse programa que lançou há dois anos, o papa pede que a educação se transforme por meio da arte, do esporte e da tecnologia. Creio que a rede de Cultura Viva Comunitária já o faz por meio da arte e seria espetacular que a experiência de vocês pudesse ser levada a outros continentes, a outros povos, e lhes servisse de modelo”, comentou.
Outro ponto de convergência, segundo ela, seria a proposta de “sair dos muros, construir pontes, ir às periferias”. “Isso certamente pode se ressignificar de acordo com cada contexto e é um convite que vocês já estão vivendo na prática com essas experiências”, afirmou a argentina, antes de repetir para a plateia a palavra que havia aprendido no dia anterior com uma companheira colombiana: yuluka. “Significa estar de acordo para viver em harmonia”, explicou. Como ensinam os índios kogi de Sierra Nevada, yuluka é estar de acordo em todos os planos, conquistando a harmonia interna e externa, alcançando o equilíbrio com a natureza.
Saiba mais: https://www.scholasoccurrentes.org
Leia o convênio firmado no Vaticano em 3 de fevereiro de 2016