línguas indígenas
Projeto Comarca: o resgate da língua nativa “Woun-meu” por meio da tecnologia
Em 31, maio 2024 | Em Notícias | Por IberCultura
[CENZONTLE]
A região Emberá-Wounaan é um território indígena do Panamá, criado em 1983 a partir de dois enclaves localizados na província de Darién, nos distritos de Chepigana e Pinogana, onde coexistiram ancestralmente dois grupos étnicos: os Emberá e os Wounaan. Cada grupo preservou sua própria cultura, tradições e línguas. Os Emberá falam “Emberá”; os Wounaan, o “woun-meu”.
Para preservar o woun-meu e o seu legado histórico, bem como reduzir as lacunas educativas, digitais e de gênero ali encontradas, foi criado o “Projecto Comarca”, um dos selecionados na convocatória Cenzontle: Uma Janela para as Línguas Originárias da Ibero- América, lançada em 2023 pelos programas IberCultura Viva e Ibermemoria Sonora, Fotográfica y Audiovisual.
A iniciativa está capacitando as mulheres Wounaan a se tornarem “escreventes” e usarem a língua nativa para escrever contos, narrar suas histórias e costumes, ou mesmo para se comunicarem no dia a dia, via WhatsApp. Além de fornecer ferramentas tecnológicas que permitam às mulheres escrever na língua originária tanto no celular quanto no computador (teclados físicos e virtuais), o projeto busca educá-las e motivá-las a usar a escrita como meio de expressão pessoal e de resgate cultural, também para que suas tradições não se percam.
No fórum virtual realizado nos dias 21 e 22 de fevereiro, no âmbito do Dia Internacional da Língua Materna, Doris Cheucarama, tradutora Wounaan e membro do Coletivo Comarca, explicou que muitas das mulheres da comunidade, embora continuem a falar woun-meu com os filhos, não sabem escrever as palavras. E as que sabem, até poucos meses atrás não tinham como fazer isso digitalmente, enviando mensagens pelo celular, por exemplo, por falta de um teclado adequado, com os caracteres específicos do seu idioma.
“Há cidades que estão perdendo a língua, as crianças quase não entendem, os pais quase não falam com os filhos na língua materna. Estamos preocupados com a realidade nessa parte. Se não falarmos, poderemos perder a nossa língua e então sentiremos que o grupo Wounaan já não existirá”, comentou Doris Cheucarama no fórum. “Com este projeto percebemos que as mulheres têm interesse em aprender, porque falam a língua, mas não sabem escrever. Fizemos algumas oficinas de um dia, um companheiro mostrou as vogais, como se escrevem, como se traduz, e isso impactou as mulheres que participaram. Ali vimos a necessidade.”
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Problemas e necessidades
O “Projeto Comarca”, portanto, nasceu da necessidade de: 1) Disponibilizar as ferramentas necessárias para a escrita do woun-meu em meio digital, garantindo sua reprodução e utilização cotidiana pela população mais jovem; 2) Promover o desenvolvimento educativo e cultural das mulheres, promovendo as suas competências literárias, pedagógicas e digitais; 3) Promover a apropriação cultural e a geração de memória coletiva através de encontros de cocriação e do desenvolvimento de narrativas literárias coletivas; 4) Mitigar as lacunas digitais e educacionais nas comunidades indígenas.
A proposta baseia-se nos problemas que as mulheres indígenas enfrentam, como o analfabetismo na sua língua materna (e às vezes também no espanhol); a falta de acesso a teclados, fontes ou plataformas que facilitem a escrita na língua originária; a escassez de oportunidades educacionais; a estigmatização do uso da língua fora dos seus territórios; migração para as cidades e a perda geracional de conhecimentos e práticas ancestrais. No caso da língua woun-meu, especificamente, falta documentação escrita para que ela possa ser ensinada às novas gerações.
Na candidatura apresentada à convocatória Cenzontle, o grupo detalha a ideia de aliar o processo de construção da ferramenta tecnológica aos componentes sociais e literários da proposta. Segundo o grupo, o componente social baseia-se em técnicas de educação popular e participativa que reconhecem as mulheres como escritoras, educadoras, criadoras e contadoras de histórias, levando-as a apropriarem-se dos seus processos de aprendizagem. O componente literário, por sua vez, procura promover a expressão cultural e emocional das mulheres Wounaan, a sua formação na escrita tradicional e digital em woun-meu e a divulgação de suas histórias, desejos e costumes.
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Oficinas nas comunidades
O grupo que desenvolve este projeto já conseguiu criar um teclado digital com caracteres para as 20 consoantes e 16 vogais utilizadas na língua woun-meu e realizar oficinas nas comunidades, onde as mulheres fizeram uma análise da história local, do cotidiano, “refrescaram a mente” e narraram sua vida pessoal, inclusive o que ouviam quando eram crianças. O material coletado nessas oficinas estará no livro “Maach Wounaan Hiiu: Nossa cultura Wounaan”, em processo de elaboração. “O livro também será uma ferramenta para os professores ensinarem às crianças o que as mulheres narraram, o que ouviram”, disse a professora Doris Cheucarama.
As oficinas mostraram que a principal motivação dessas mulheres para aprenderem a escrever em woun-meu é poder ensinar seus filhos e filhas a fazê-lo. Segundo a professora wounaan, “falar as línguas maternas é importante porque com elas nos comunicamos, com elas contamos histórias aos nossos filhos, e eles veem que os nossos antepassados contavam essas histórias, e vão se dar conta do que viveram. (…) Esta é a mentalidade que temos para o futuro: que os professores ensinem a nossa língua, e que assim publiquem mais, e que as crianças falem fluentemente. Porque uma língua é como ouro.”
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Primeiro contato
No projeto, o coletivo afirma que a primeira aproximação com a comunidade de mulheres Wounaan ocorreu no âmbito do 8º Laboratório de Inovação Cidadã (LABICPA), que se realizou de 18 a 28 de outubro de 2022 na Cidade do Panamá. Graças ao LABICPA, foi realizado um trabalho de formação e intercâmbio com um primeiro grupo de 25 mulheres Wounaan provenientes de áreas urbanas da Cidade do Panamá. Com este grupo foi desenvolvido um protótipo de teclado físico e digital, com o qual Doris Cheucarama e Chivio Membora puderam testar exercícios de tradução do espanhol para woun-meu de algumas histórias criadas pelas 25 pessoas participantes deste primeiro encontro.
Para Chivio Membora, linguista, tradutor e músico da comunidade Wounaan, “foi uma bênção quando este teclado digital foi criado” para que os falantes do woun-meu pudessem se comunicar e conversar com seus pares através de seus celulares.. “Era muito difícil escrevermos, não tínhamos como fazer (sem teclado), só escrevíamos à mão, mas também não era perfeito por causa da grafia. Agora podemos escrever, enviar mensagens e continuar aprendendo”, comentou o linguista durante o fórum virtual, destacando o trabalho conjunto que foi feito com pessoas como o colombiano Sergio Leandro Aristizabal, designer gráfico especializado em tipografia, e o documentarista Jonathan Álvarez.
Em maio de 2023, graças ao apoio do Post Labic, avançou-se no desenvolvimento de uma versão melhorada do teclado digital em woun-meu para celulares ou tablets. Também foi possível avançar com a elaboração, diagramação e ilustrações da primeira versão do livro digital dos contos criados pelas mulheres Wounaan, assim como a criação da página web básica de onde pretendem difundir o projeto e obter fundos para outros objetivos que ainda faltam conseguir.
Entre as ações previstas está a concepção de recursos audiovisuais e gráficos, de fácil acesso e impressão, para melhorar a aprendizagem da língua Woun-meu da comunidade Wounaan, bem como a tradução de livros educativos (do espanhol para woun-meu), áudios e vídeos instrutivos sobre a linguística. A concepção e produção de conteúdos educativos em woun-meu serão realizadas em colaboração com a comunidade Wounaan, através de um processo participativo e consultivo.
“A médio prazo procuramos continuar a trabalhar com mais mulheres da etnia Wounaan localizadas em territórios urbanos e rurais. Queremos ter uma visão mais completa dos problemas das mulheres indígenas em seu território e verificar se o protótipo inicial é adaptável às necessidades de acordo com os diferentes contextos”, detalhou o grupo no projeto.
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Quem compõe o Coletivo Comarca
- Doris Cheucarama: tradutora Wounaan e gestora indígena
- Chivio Membora: Linguista, tradutor e músico da comunidade Wounaan
- Sergio Aristizabal: Designer gráfico especializado em tipografia
- Zuly Redondo: Antropóloga especializada em povos indígenas
- Sharon Pringle: Educadora e escritora popular
- Jonathan Álvarez: Documentarista e gestor cultural audiovisual
- Julio Roldan: Programador e engenheiro de sistemas
- Mari Sarabi: Pesquisadora e economista
- Víctor Moraes: Linguísta
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Saiba mais sobre a comarca
Com uma área de 4.385 km², a comarca Emberá-Wounaan tem uma população estimada em 9.544 habitantes (censo de 2010), que estão distribuídos em 42 comunidades ao longo das margens dos rios Membrillo, Tupiza, Tuira, Río Sabalo e Jingurundó. Também fora da comarca, em Puerto Lara, Balsas, Jaqué, Sambú e Río Bagre.
A comarca tem como capital Unión Chocó e é administrada através de uma estrutura de governo democrática tradicional, liderada por um cacique geral e pelo presidente do Congresso Geral das Terras Coletivas Emberá-Wounaan, formado pelos caciques das cinco regiões em que se divide a comarca, escolhidos pelas comunidades. As eleições são realizadas com toda a população adulta das comunidades, e cada uma tem voz e voto.
A agricultura é a principal atividade econômica, destacando-se o cultivo de banana, milho e tubérculos, como inhame, mandioca e outros. O artesanato, a pesca, a criação de animais caipiras e a coleta de plantas também são importantes na economia local.
Em abril de 2022, Aulina Ismare Opua, com o lema “Uma mulher para um melhor desenvolvimento e unidade do povo Wounaan”, foi eleita chefe do povo Wounaan. Ismare é formada pela Universidade Central do Chile, em Ciências da Educação, professora especializada em Linguagem e Comunicação. Tem se destacado em diversas atividades profissionais e comunitárias, desenvolvendo programas e projetos que visam o fortalecimento do território Wounaan e de outros povos indígenas, jovens e mulheres.
16 projetos foram selecionados na convocatória “Cenzontle, uma janela para as línguas originárias”
Os programas IberCultura Viva e Ibermemória Sonora, Fotográfica e Audiovisual publicaram nesta quinta-feira, 12 de outubro, o resultado da convocatória “Cenzontle, uma janela para as línguas originárias da Ibero-América”. Das 64 candidaturas que haviam sido habilitadas, foram selecionadas 16 propostas de 10 países: México, Argentina, Panamá, Chile, Peru, Uruguai, Colômbia, Costa Rica, Paraguai e Equador.
Esta convocatória, lançada em 21 de fevereiro, Dia Internacional da Língua Materna, teve como objetivo dar visibilidade e destacar as línguas dos povos originários da região ibero-americana, bem como promover a sua utilização e preservação. A iniciativa estava destinada a projetos concluídos, em desenvolvimento ou a serem realizados, voltados a processos de conservação, registro, pesquisa, divulgação, educação, gestão ou valorização das línguas indígenas ou nativas dos países membros do IberCultura Viva e Ibermemória Sonora, Fotográfica e Audiovisual.
Estava prevista a seleção de um projeto por país membro, concedendo um total de 16 prêmios de US$ 950 cada. Com a ausência de candidaturas do Brasil, de Cuba, El Salvador, Espanha, Nicarágua e República Dominicana, foi escolhido um projeto para cada país participante (10) e os outros seis prêmios foram distribuídos entre os projetos que obtiveram as maiores pontuações no processo de seleção, independentemente do país de origem.
O México e a Argentina foram os dois países com maior número de candidaturas habilitadas (24 e 8, respectivamente) e tiveram os projetos com as pontuações mais altas. Desta forma, a lista conta com 6 projetos vencedores do México e 2 da Argentina. Os demais países participantes tiveram uma proposta selecionada. Além do apoio financeiro, os projetos vencedores receberão um reconhecimento, dirigido à comunidade candidata, como “Comunidade que preserva as línguas da Ibero-América”.
A etapa de seleção contou com a participação de representantes (REPPIs) dos países membros do IberCultura Viva e Ibermemória Sonora, Fotográfica e Audiovisual e a avaliação de três jurados: Anahi Rayen Mariluan, cantora mapuche (Argentina); Tupac Amaru Anrango Lema, sociólogo, linguista e cientista kichwa (Equador), e Juan Gregorio Regino, poeta da nação mazateca, professor, etnolinguista e promotor cultural (México).
Na seleção das propostas, foram levadas em consideração a relevância do projeto, a situação de risco em que se encontra a língua nativa, o impacto e a abrangência no tempo e no espaço das ações de preservação realizadas, entre outros critérios estabelecidos no regulamento da convocatória.
Conforme previsto nas bases, projetos destinados a crianças, mulheres, pessoas com deficiência ou idosas, entre outros grupos vulneráveis, e que promovam a perspectiva de gênero e/ou a não discriminação, teriam prioridade no processo de avaliação. Também seriam valorizados aqueles que incorporassem trabalho com arquivos ou produção de documentos sonoros ou audiovisuais.
Os responsáveis pelas propostas selecionadas serão contactados pelas Unidades Técnicas dos programas IberCultura Viva e Ibermemória Sonora, Fotográfica e Audiovisual nos próximos dias para dar seguimento ao projeto, além de realizar os procedimentos que permitem a transferência do prêmio e o envio do reconhecimento correspondente.
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Confira a lista de projetos selecionados na convocatória
Edição de “O Pequeno Príncipe” traduzida para o náhuat abre linha editorial de línguas indígenas em El Salvador
Em 28, fev 2022 | Em Notícias | Por IberCultura
O Ministério da Cultura de El Salvador apresentou a primeira edição em náhuat-espanhol do livro “O Pequeno Príncipe”, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, no Dia Nacional da Língua Náhuat e Dia Internacional da Língua Materna. Esta é a primeira obra literária traduzida para o idioma náhuat na história de El Salvador, e a primeira edição da coleção Yultaketza, uma nova linha editorial em línguas indígenas da Direção de Publicações e Impressão (DPI).
A apresentação desta versão de “O Pequeno Príncipe”, no dia 21 de fevereiro, no foyer do Museu Nacional de Antropologia (MUNA), esteve a cargo da ministra da Cultura, Mariemm Pleitez, da vice-presidente da Assembleia Legislativa, Suecy Callejas, e do tradutor da obra para o náhuat, Valentín Ramírez.
“Esta primeira tradução abre uma possibilidade infinita, porque esta é apenas a primeira de muitas que não apenas manterá o náhuat vivo, mas também manterá viva a memória, a história e o patrimônio de nossa terra”, disse a ministra Pleitez.
“Parte de ser salvadorenho é entender que temos raízes indígenas, sangue indígena e que devemos nos orgulhar disso. Cada um de nós tem um fio para tecer um El Salvador melhor”, afirmou a deputada Callejas.
Por sua vez, Valentín Ramírez, tradutor de “O Pequeno Príncipe” ou “Ne Kunetatuktianitzin”, contou que o processo de tradução começou há dez anos, mas que foi nos últimos meses que traduziu a obra, para a qual teve a apoio de parentes e amigos de Santo Domingo de Guzmán, entre eles seu tio Genaro Ramírez (já falecido) e sua mãe, Gregoria García.
“Estou muito feliz que finalmente se tornou realidade. No começo estava feito, mas tinha sido esquecido, senti que era uma joia que tinha que ser divulgada”, disse Ramírez.
“O Pequeno Príncipe” é o livro, depois da Bíblia, com mais traduções no mundo. Foi publicado em 1943 e traduzido para cerca de 475 idiomas. O autor da obra, Antoine de Saint-Exupéry, era casado com a artista plástica Consuelo Suncín, natural da Armênia, Sonsonate, que possivelmente inspirou o personagem da rosa e influenciou a descrição da cadeia vulcânica feita pelo autor em um dos mundos imaginários que ele visita.
“Esta é uma homenagem a todas aquelas gerações, homens, mulheres, filhos, filhas, irmãos, pais e mães que se calaram no início do século XX”, destacou a ministra Pleitez, aludindo à tragédia que os povos indígenas vivenciaram a partir de 1932, quando o náhuat foi silenciado devido ao massacre ordenado pelo governo do general Maximiliano Hernández Martínez.
“Os poucos falantes de náhuat que ficaram vivos tentaram esconder sua língua e relegá-la ao uso doméstico, por medo. Apesar deste episódio da história, acredito que o presente e o futuro são o nosso refúgio, o momento de recuperar a memória e a grandeza das nossas raízes para lhes dar valor e poder”, completou a ministra.
“O Pequeno Príncipe” conta a história de um jovem que vive no asteroide B 612 com uma rosa orgulhosa e vaidosa. Apesar de suas constantes demandas por atenção desencorajar a personagem, ele não mede esforços para protegê-la de qualquer perigo e viaja por vários mundos em busca de respostas.
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