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Instrutores indígenas criam vocabulário com perspectiva de gênero para trabalhar em comunidades de Chiapas Instrutores indígenas criam vocabulário com perspectiva de gênero para trabalhar em comunidades de Chiapas 

Por IberCultura

Em03, jun 2024 | Em | PorIberCultura

Instrutores indígenas criam vocabulário com perspectiva de gênero para trabalhar em comunidades de Chiapas 

[CENZONTLE]

 

No estado de Chiapas, no México, uma equipe multidisciplinar que trabalha com mulheres em comunidades indígenas de cinco municípios criou o projeto ““Vocabulário com perspectiva de gênero em línguas originárias”. A iniciativa foi uma das 16 selecionadas na convocatória “Cenzontle: uma janela para as línguas originárias da Ibero-América”, promovida pelos programas IberCultura Viva e Ibermemoria Sonora, Fotográfica y Audiovisual.

No fórum virtual realizado nos dias 21 e 22 de fevereiro de 2024, por ocasião do Dia Internacional da Língua Materna, cinco integrantes deste grupo de instrutores indígenas de Chiapas falaram sobre o vocabulário que nasceu de uma “necessidade linguística”. Isto é, pela necessidade de falar de realidades impossíveis de nomear, porque não existiam em tseltal, tsotsil e tojolabal, as línguas faladas nestas comunidades onde ministravam oficinas formativas e produtivas.

“A ideia surgiu do trabalho de campo que fazemos, porque trabalhamos a questão do gênero com as mulheres, desde os direitos humanos, a irmandade, os direitos à saúde, a violência, o machismo, os micromachismos… E na hora de ministrar estas oficinas encontrávamos termos que não existiam em nossa língua”, disse Bertha Lorena Cruz Hernández, responsável pela inscrição do projeto, no fórum virtual do dia 22.

Depois de utilizar muitos termos em espanhol, por falta de outros em tsotsil (sua língua materna), Bertha Lorena percebeu que isso acontecia nas três línguas, e que colegas de trabalho também faziam empréstimos linguísticos, o que dificultava a compreensão da disciplina e diminuía o uso da língua originária. Foi por isso que começou a ser desenvolvido um vocabulário com perspectiva de género, incluindo palavras e termos como violência psicológica, autonomia, disparidades de género, empatia, equidade, assédio sexual, feminicídio, assédio, abuso sexual, sexting e misoginia, entre outros. . 

“Como sabemos, as línguas hegemônicas estão sempre renovando seu vocabulário. Sororidade, por exemplo, é uma palavra relativamente nova, criada a partir de necessidades linguísticas, para o pleno exercício dos direitos humanos. Então começamos a pensar: como podemos, como falantes de línguas indígenas, fortalecer e revitalizar a nossa língua?”, comentou a responsável pelo projeto.

Para solucionar essa deficiência linguística que existia ao trabalhar as questões de gênero com mulheres indígenas, foi proposta como primeira tarefa um vocabulário de 100 palavras, no qual a equipe deveria não apenas traduzir e interpretar, mas em alguns casos fazer uma ressignificação de palavras , ou criações técnicas de novas palavras. 

O grupo tem trabalhado na questão do género em coordenação com a Secretaria de Igualdade de Gênero do Governo do Estado de Chiapas, e na questão da linguística, com o apoio da Universidade Intercultural de Chiapas.

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Três grupos étnicos, cinco municípios

O projeto foi apresentado à convocatória “Cenzontle” enquanto era desenvolvido com pessoas de cinco municípios pertencentes ao estado de Chiapas: Las Margaritas (onde se fala tojolabal); os municípios de Chanal, Oxchuc e Yajalón (onde se fala o tseltal) e Zinacantán (onde se fala o tsotsil). A equipe multidisciplinar que atua no campo é formada por pessoas descendentes dessas etnias e pertencentes a esses municípios.

As 13 pessoas que compõem a equipe – 10 mulheres e 3 homens – são advogadas, psicólogas, sociólogas e pessoas com formação em línguas e cultura e ciências da educação. No início do projeto, o grupo reuniu-se em diferentes espaços que lhes foram disponibilizados, analisando e partilhando ideias sobre a metodologia a realizar. Posteriormente foi feita a seleção e elaboração da lista de 100 palavras, foi criada uma tabela como ferramenta para trabalhar nos meses seguintes e seguiu-se com a tradução, interpretação, criação e ressignificação das palavras.

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Apoio metodológico

“No início nos conhecemos e tivemos um primeiro contato com a Universidade Intercultural de Chiapas, com o professor Meneses, que nos ajudou a criar essas palavras, para começar a trabalhar de acordo com o vocabulário que temos”, contou Pedro Aureliano, membro da equipe tsotsil do projeto que também participou do fórum. 

Victor Hugo Gomez, um dos representantes da etnia Tseltal no fórum, também mencionou o apoio do professor Meneses, que os ajudou a encontrar as novas palavras, tentando vislumbrar ou gerar uma visão sobre elas. “Somos originários da comunidade, por isso tivemos que começar a pensar qual era a palavra adequada para adaptar”, destacou, citando como exemplo o conceito de gênero, que se “refere ao conjunto de ideias, crenças e atribuições sociais e políticas construídas em cada cultura e momento histórico”. 

Como a palavra “gênero” não existia em tseltal, eles tiveram que pensar em como poderia ser pronunciada nesta língua. “A partir daí a professora começou a nos pedir comparações de palavras, a nos perguntar como essa palavra é descrita na língua tseltal, e assim aos poucos fomos encontrando esse procedimento, adaptando-o de acordo com a nossa forma de compreensão. Foi um trabalho um pouco duro, mas acho que conseguimos”, comentou Gómez. “Chajbtalel foi a palavra que escolheram para definir “gênero”. A escolha é baseada na combinação de dois termos: chajb, que significa grupo, e talel, que se traduz como modo de ser.

Vilma Guadalupe López Gómez, por sua vez, citou como exemplos dois conceitos – consciência de gênero e misoginia – e a forma como foram construídos em tojolabal. No primeiro caso, apontou o processo de criação do conceito, por meio do próprio léxico da língua. Conforme explicado durante o fórum virtual, o termo escolhido para ser entendido como “consciência de gênero” em tojolabal significa literalmente “estar consciente para que homens e mulheres vivam bem”. Para a palavra “misoginia”, foi feita uma composição que literalmente significa “ódio às mulheres”.

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Processo de socialização

Durante o fórum, Vilma López destacou que esse vocabulário ainda está em processo de socialização com as mulheres indígenas e vem sendo trabalhado com o programa do Centro para o Desenvolvimento das Mulheres. Segundo ela, a iniciativa também se dirige a todos os profissionais (ou “profesionistas”, como se diz no México) que falam uma língua indígena “e, claro, também a todos aqueles que não falam a língua, porque é bom conhecer as questões de gênero, pois nas comunidades indígenas, em sua maioria, não se fala muito sobre isso.”

Com a publicação do vocabulário e a socialização às comunidades indígenas, o grupo promotor do projeto espera poder cobrir necessidades linguísticas, dando nomes a ações, situações e adjetivos que antes não podiam ser expressos em tojolabal, tseltal e tsotsil, para que estes termos comecem a ser de uso diário e, assim, possam reduzir as disparidades de desigualdade de género. 

Além disso, espera-se que a iniciativa possa inspirar projetos em outras áreas. “Esperamos que seja uma ferramenta não só para mulheres e profissionais como nós, que trabalham com questões de gênero. Poderia ser também um divisor de águas para solucionar necessidades linguísticas em outras áreas, saúde, direito, áreas onde a língua deve ser revitalizada”, resumiu Bertha Lorena Cruz. 

Participantes do projeto no fórum virtual que se levou a cabo no Dia da Língua Materna

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Sobre Cenzontle

 

A convocatória “Cenzontle: uma janela para as línguas nativas da Ibero-América” foi lançada pela IberCultura Viva e Ibermemoria Sonora, Fotográfica y Audiovisual no dia 21 de fevereiro de 2023, Dia Internacional da Língua Materna, com o objetivo de tornar visível e valorizar a línguas dos povos originários da região ibero-americana, bem como promover o seu uso e preservação. 

A iniciativa destinava-se a projetos concluídos, em desenvolvimento ou a realizar, voltados para processos de conservação, registro, pesquisa, divulgação, educação, gestão e valorização das línguas indígenas ou nativas dos países membros destes dois programas de cooperação vinculados à Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB).

O “Vocabulário com perspectiva de género em línguas originárias” foi um dos 16 projetos premiados nesta primeira edição do concurso (com um valor de 950 dólares cada). No total, foram selecionadas iniciativas de 10 países: México, Panamá, Chile, Peru, Uruguai, Colômbia, Argentina, Costa Rica, Paraguai e Equador. 

Leia também:

Programas de Cooperação Ibero-Americana promovem um vocabulário com perspectiva de gênero nas línguas indígenas

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Saiba mais sobre as comunidades participantes do projeto:

 

Tolojabal

O município Las Margaritas está localizado no estado de Chiapas, entre os limites do Altiplano Central e da Serra Norte. Fundado como vila por decreto de 9 de dezembro de 1871, foi elevado à categoria de cidade em 1981. O povoado se formou com os habitantes da então Ranchería Las Margaritas; sua geonomia pode ser traduzida como “lugar de mulheres bonitas”. A população atual é formada por mestiços e tojolabales. A maioria de suas localidades apresenta elevada taxa de atraso social e econômico, o que aumenta as disparidades de gênero.

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Tseltal

Os municípios tseltal de Chanal, Oxchuc e Yajalón estão localizados nas Terras Altas de Chiapas e têm população indígena. Na história de Oxchuc (em espanhol se traduz como “Três Nós”) diz-se que foi invadido pelos espanhóis no século XVI. Em 1936 foi instituído como município e refletiu diversas mudanças sociopolíticas ao longo do tempo. É um dos poucos municípios do estado de Chiapas onde governam mulheres e atualmente o sistema eleitoral é realizado por usos e costumes. A grande maioria da população vive em extrema pobreza. 

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Chanal (em espanhol se traduz como “Sábio que ensina”) é outro município indígena Tseltal que faz fronteira com Oxchuc. Em 1935 foi atribuída a categoria de município livre. Tem 13.678 habitantes, dos quais 50,8% são mulheres (INEGI 2020); 68% da população total vive em pobreza extrema, a maioria mulheres e crianças. 

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Yajalón vem do Tzeltal “Yashalum”, que significa “Terra Verde”. Em 1963 foi designada a categoria de cidade de Yajalón, e a população total é de 40.285 habitantes, dos quais 19.590 são homens e 20.695 são mulheres. É um município com elevado grau de marginalização e atraso social, onde a população mais vulnerável são mulheres, meninas e meninos.

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Tsotsil

O município de Zinacantán (nome em nahuatl, que traduzido para o espanhol é “Lugar dos morcegos”) também pertence à região de Altos de Chiapas. Antes da chegada dos espanhóis, era conhecido na região mesoamericana como centro de troca de produtos. Tem uma população de 45.373 habitantes, sendo 53,5% mulheres (INEGI 2020), e quase metade da população encontra-se em elevado grau de vulnerabilidade social, maioritariamente mulheres e crianças.