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Penhinha, a menina que aprendeu a voarPenhinha, a menina que aprendeu a voarPenhinha, a menina que aprendeu a voarPenhinha, a menina que aprendeu a voarPenhinha, a menina que aprendeu a voar

Por IberCultura

Em19, ago 2015 | Em | PorIberCultura

Penhinha, a menina que aprendeu a voar

Penhinha aprendeu a voar com Mestra Doci dos Anjos. Moradora da comunidade quilombola de Mituaçu, na Paraíba, negra por parte de pai, indígena por parte de mãe, a menina registrada como Maria da Penha Teixeira de Souza tinha 13 anos quando conheceu a Escola Viva Olho do Tempo (Evot), na zona rural de João Pessoa. Interessada nos cursos e nas quadrilhas que a escola vinha organizando com os jovens da região, ela entrou na roda e deu o salto. Hoje, aos 23 anos, é educadora social, griô aprendiz, coordenadora do museu e da biblioteca Olho do Tempo. “Minha mestra empurra a gente do penhasco, ela bota a gente para voar”, conta.

Escola Viva Olho do Tempo

Penhinha na preparação para o carnaval, em 2014 (Foto: Thiago Nozi)

Doci, a mestra griô que coloca a garotada da Olho do Tempo para voar, foi uma das lideranças que participaram ativamente do processo de construção da lei Cultura Viva no Brasil. “Ela estava sempre nas discussões, e sempre dizia que a gente também precisava dialogar sobre o que a gente conhecia”, diz Penhinha. “Hoje, é a gente que vai (aos encontros de Cultura Viva). Com frio na barriga, do jeito que for, a gente vai e representa, com a missão de retornar pra casa e compartilhar o que trouxe na bagagem.”

A caminhada de Penhinha começou em 2005, quando a Escola Viva Olho do Tempo organizou três quadrilhas com 40 jovens para percorrer o Vale do Gramame, numa festa itinerante que visava fortalecer as tradições e a auto-estima dos moradores da região. “O São-joão rural veio para integrar as comunidades, que estavam distantes umas das outras e num processo de adormecimento”, explica.

Primeiros passos

Quando começou a frequentar a instituição, a menina estava de olho num curso de corte e costura, num de doces e num outro chamado “jovens empreendedores”. A quadrilha contribuiu para o interesse, já que o pessoal se encontrava todos os meses. O que mais lhe chamou a atenção, no entanto, foram as rodas formadas por Mestra Doci. “Ela ia às comunidades, chamava a gente para conversar, perguntava sobre os nossos sonhos. E a gente dizia que não tinha sonho. Ela perguntava se a gente tinha terminado os estudos, e a gente dizia que sim, porque tinha feito a 4a série e já sabia ler”, lembra. “Quando entendi o movimento da autonomia, foi um encantamento.”

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Com as crianças na Escola Viva Olho do Tempo (Foto: Thiago Nozi)

A mestra, então, começou a despertar naqueles adolescentes aquilo que eles gostavam de fazer e não faziam mais — dançar quadrilha, ciranda, coco de roda, por exemplo. Três anos depois das primeiras quadrilhas, lá estava Penhinha, ao lado de outros jovens, dando oficinas para crianças e adolescentes, trabalhando “o despertar do sonho, o acreditar que a gente pode construir projetos, dialogar sobre ideias.” .

Cada um escolheu o que queria ensinar. Penhinha decidiu se dedicar às questões relacionadas a literatura, patrimônio, aos saberes de tradição oral. Outros se identificaram com outros temas, e assim se formou o grupo de 12 jovens educadores sociais do projeto, que começou em 2008 com o nome de Ecoeducação e foi ganhando complementos com o passar do tempo: virou Ecoeducação e Cultura, depois Ecoeducação, Cultura e Memória, e hoje é Ecoeducação, Cultura, Memória e Tecnologia.

Meio ambiente

“A Olho do Tempo tem uma linha de atuação transversal, que permeia a questão do meio ambiente”, ressalta a griô aprendiz. “Como é uma área de quilombo, rodeada de rios, a comunidade teve um ciclo de fartura, do viver bem, mas perdeu isso. Com a construção das indústrias, o rio em que a gente bebia água começou a escurecer.”

Partindo do meio ambiente, eles trabalham questões como identidade cultural, afetividade, respeito e representatividade, em atividades que envolvem música, dança, teatro, audiovisual, cultura digital. “Nossa missão é provocar as pessoas para que elas possam pensar, se relacionar, brincar sobre o conhecimento que elas têm”, destaca Penhinha.

A escola atende 150 crianças e adolescentes, de 6 a 17 anos. “Hoje temos um grupo de meninos que são liderança na instituição. E é nossa missão potencializar esses adolescentes para dar continuidade ao trabalho”, destaca a jovem educadora, que sonha cursar Pedagogia numa universidade federal. “Minha caminhada no projeto foi muito significativa, eu me considero resultado dela. Mas não vou ficar na instituição o resto da vida. Vou dar meu lugar para outros jovens aprenderem o que aprendi.”

Com as crianças na Escola Viva Olho do Tempo (Fotos: Thiago Nozi)

Na roda de acolhimento da Escola Viva Olho do Tempo (Foto: Thiago Nozi)

Cultura de base

Convencida de que a mobilização precisa vir da base, ela diz que é preciso refletir sobre o legado dos mestres, sobre a cultura oral, sobre o que a juventude não conhece. “Não dizemos que a cultura morre. Falamos em adormecimento. Mas existe adormecimento que não tem volta”, alerta.

Questões como o preconceito, a violência, também são temas de debates constantes. Recentemente, Penhinha enfrentou uma situação de racismo dentro de uma loja, mas passou longe da autopiedade. “Tive pena foi da pessoa que estava fazendo aquela reflexão sobre a minha cor, o meu cabelo, o jeito que me visto. Fiquei pensando: o que está acontecendo? Por que essa cultura de ódio, de superioridade, de eu sou melhor que você?”, questiona. “Mas eu tenho esperança de que isso melhore, de que a gente consiga orientar cada criança, de que a gente consiga fazer a nossa parte. A cultura é o caminho para isso.”

Como ensina Doci, é a cultura que faz a educação ser leve. “Penhinha descobriu o mundo através da cultura”, observa a mestra, que “joga os meninos do penhasco” porque acredita que sua missão é ensinar o outro a pensar, ensinar a ler, ouvir, refletir e tomar suas próprias decisões. “Tem que ser assim, não se pode proteger demais um ser vivo, que precisa aprender com o corpo. Minha missão é ensinar que carne dói. Eu sou carne, eu sei que dói. Estou empenhada em cuidar dessas pessoas para que elas vivam menos dor do que eu vivi. Mas sempre dói.”

Doci diz que vai ensinando e, aos poucos, cada um vai chegando aonde tem que chegar. Hoje, todos os jovens que começaram ali crianças e se tornaram educadores sociais estão por aí se descobrindo, se arriscando, se aventurando. “Sonhamos juntos em roda”, destaca Penhinha, reverenciando os companheiros de trabalho um por um, assim como faz com a mestra, o pai (Marcos) e a meninada do Olho do Tempo que a acompanha nesta caminhada. Assim como Penhinha, Ivanildo, Flávia, Danielle, Sandra, Célia, Raquel, Bel, Déa, Thiago, Marcílio e Jânia também aprenderam a voar.

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(*Texto atualizado em 21 de outubro de 2015)

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Mestra Doci e o Olho do Tempo: uma história de compromisso