Experiencias
Por IberCultura
Em18, jun 2024 | EmPeru | PorIberCultura
Dicionários Audiovisuais Comunitários: uma construção coletiva para fortalecer e revitalizar as línguas indígenas
[CENZONTLE]
Dicionários Audiovisuais Comunitários (DAC) é um projeto da associação La Combi – Arte Rodante que busca fortalecer e revitalizar as línguas originárias do Peru por meio da criação, pelas comunidades, de cápsulas audiovisuais de 2 a 3 minutos que coletam as palavras das línguas indígenas, bem como as tradições orais a elas associadas.
Dessa forma, cria-se um dicionário diferente e dinâmico, com termos e tradições orais organizados em ordem alfabética, que não apenas explica o significado de algumas palavras, mas as contextualiza no universo natural da comunidade, sua visão de mundo e valores, constituindo-se como um produto vivo que reduz a exclusão digital existente no meio rural, com a incorporação do uso de novas tecnologias no cotidiano de seus moradores.
Desde 2017, diferentes comunidades indígenas realizaram, através de processos de criação coletiva, mais de 40 cápsulas audiovisuais, pertencentes, no Peru, aos DAC Matsigenka, Yine, Ése Eja, Quechua, Aymara e Shipibo Konibo, Yánesha, e no México, ao DAC Zoque Popolucas. (Este dicionário realizado em Veracruz, México, em novembro de 2019, foi um projeto de intercâmbio proposto por La Combi-arte rodante para o Banco de Saberes IberCultura Viva e que foi selecionado na primeira edição da convocatória IberEntrelaçando Experiências.)
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DAC Awajún
Em 2023, o projeto DAC foi selecionado na chamada Cenzontle: uma janela para as línguas originárias da Ibero-América, lançada por IberCultura Viva e Ibermemoria Sonora, Fotográfica y Audiovisual. A iniciativa contempla o desenvolvimento de um Dicionário Audiovisual Comunitário em Awajún, a ser realizado em conjunto com a comunidade de Huampami, capital do distrito de Cenepa, localizada na província de Condorcanqui, na região amazônica (no norte do Peru, próxima à fronteira com o Equador).
Huampani é uma comunidade comprometida com a defesa de seu território ancestral e de sua língua. Entre suas atividades, produzem mandioca doce, caçam e pescam. A tecelagem é também uma atividade artesanal muito importante para a população local.
A comunidade participou do processo de produção do curta-metragem “Aents: Identidade e Território” (‘Aents’ significa “povo, pessoa” na língua Awajún) e demonstrou interesse em participar do desenvolvimento do primeiro DAC em Awajún. Graças à convocatória “Cenzontle”, o filme “Aents: Identidade e Território” será mais uma vez projetado em seu território, em uma tela gigante, e as crianças e adolescentes da comunidade participarão de uma oficina de La Combi e criarão suas primeiras cápsulas audiovisuais.
O povo Awajún, também conhecido como Aguaruna, representa o segundo maior (demograficamente) povo indígena ou nativo da Amazônia no Peru, depois dos Ashaninka. “A língua deles, que pertence à família linguística Jíbaro, está em estado vital. Uma situação que, no entanto, corre o risco de mudar, devido à chegada massiva ao seu território de cada vez mais colonos que praticam a mineração ilegal e que provocam a expansão castelhana na área, enfraquecendo a identidade Awajún”, afirma Carolina Martín de Ramón, responsável por inscrever o projeto na convocatória Cenzontle.
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Os responsáveis
Carolina é membro da La Combi-arte rodante, associação cultural peruana criada em 2013 e que desde a sua fundação organizou mais de 140 oficinas comunitárias em todo o Peru e cerca de 400 exibições de filmes ao ar livre. Além de organizar oficinas de audiovisual, fotografia, artes visuais, vídeo animação, entre outras atividades, La Combi dedica-se a criar espaços culturais de e para a comunidade, onde a população possa partilhar as suas ideias e participar nos diferentes processos de criação artística.
Nesta proposta apresentada a Cenzontle, Carolina Martín divide o projeto com Dante Manuel Sejekam Espejo, membro da comunidade Huampami, tradutor e intérprete Awajún que desenvolve a sua vida profissional em torno de questões de gênero, socioeducativas, ambientais e de saúde no âmbito das populações do rio Nieva, rio Santiago e rio Cenepa, na região amazônica.
Ao justificar a relevância e importância do projeto, destacam que o Peru é um dos países com maior diversidade cultural e linguística da região, com 55 povos indígenas e 48 línguas nativas identificadas até o momento, faladas por mais de 4 milhões de pessoas no litoral, na serra e na selva. “Sua existência, porém, está em risco. Na maioria deles, está diminuindo o número de falantes como consequência da dominação cultural. E esta realidade coloca as pessoas que as falam numa situação vulnerável, devido ao perigo de extinção da cultura que a perda de uma língua acarreta”, destacam em sua postulação.
“Ao manter viva uma língua, mantém-se viva uma cultura e a própria versão do mundo. Meninos e meninas que falam duas ou mais línguas têm uma maior compreensão de seu ambiente social e emocional. A produção e divulgação de produtos audiovisuais em línguas indígenas também contribui para a construção e o fortalecimento de públicos nativos, que podem acessar gratuitamente conteúdos referentes à sua cultura, e também de públicos interessados em conhecer os tesouros linguísticos do Peru”, acrescentam.
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As atividades
As atividades previstas neste projeto seguem o modelo das oficinas DAC que La Combi tem desenvolvido em outros territórios indígenas. O processo de preparação das três cápsulas audiovisuais junto à comunidade Huampami será realizado em três etapas. A primeira atividade programada é uma reunião comunitária de dois dias; o segundo, um laboratório audiovisual, e o terceiro, uma formação para formadores comunitários.
Na reunião comunitária, que tem como o objetivo de criar um diálogo intergeracional, a conversa gira em torno das diferentes tradições e expressões orais, bem como do grau de vitalidade da língua. Com a exibição de filmes comunitários e de dinâmicas participativas, cria-se um espaço onde os adultos podem partilhar os seus conhecimentos e tradições. Neste primeiro encontro são concebidos em conjunto os conteúdos que farão parte das cápsulas audiovisuais que posteriormente serão realizadas com a comunidade.
O laboratório audiovisual, com duração prevista de 15 horas (5 dias, no ritmo de 3 horas/dia), é voltado para crianças e adolescentes da comunidade (de 7 a 14 anos). Durante a oficina, os/as participantes aprendem as ferramentas audiovisuais necessárias para se tornarem autores/as de obras que refletirão as diferentes tradições e expressões orais de seu povo através da linguagem. São utilizadas diferentes técnicas e gêneros audiovisuais: documentário, ficção, vídeo animação (stop motion), entre outros.
A terceira e última atividade (com duração de dois dias, 3 horas diárias) prevê a formação de um grupo de professores/as e líderes comunitários/as em técnicas audiovisuais para que possam replicar o projeto e fazer novas cápsulas audiovisuais com as próximas gerações de crianças e adolescentes.
As obras audiovisuais resultantes do projeto passam a fazer parte da Videoteca DAC, uma videoteca viva e participativa que é disponibilizada a todas as comunidades, instituições de ensino e público em geral.
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Saiba mais sobre o projeto: https://www.la-combi.com/dac