Experiencias
Por IberCultura
Em06, Maio 2016 | EmPeru | PorIberCultura
Cuatro Gatos: o teatro, o clown e a narração oral para o fomento de uma cultura de paz
Em 2002, um grupo de amigos de Trujillo (Peru) começou a combinar dança, teatro e poesia para sensibilizar o público a respeito de temas como corrupção, indiferença e repressão. Em 2005, unidos ao coletivo Arte Urbano, eles passaram a se apresentar em ruas e praças. Também descobriram o interesse pelo incentivo à leitura e a vocação para atender ao público infantil. Em 2009, quando deixaram o coletivo, aprofundaram o trabalho de contação de histórias e retomaram o caminho preparando espetáculos para excursões dentro e fora do país. Eram quatro os amigos entusiastas da mescla das artes para promover a prática de valores e o respeito pelos direitos humanos. Daí o nome da organização que criaram: Asociación Cultural Cuatro Gatos.
Reconhecida como Ponto de Cultura pelo Ministério de Cultura do Peru em 2013, a Asociación Cuatro Gatos tem apostado em três modalidades de artes cênicas: o teatro, a narração oral e o clown. A ideia é misturar diversas disciplinas das artes para transmitir à comunidade mensagens que os convidem a refletir sobre a necessidade de viver em harmonia com nós mesmos e nosso entorno. “Tocamos em temas de índole sociopolítica, mas sobretudo buscamos motivar as pessoas a melhorar como indivíduos e assim beneficiar a sociedade”, explica Leslie Arribasplata Gonzáles, presidenta da organização.
A arte, para eles, pode ser uma grande ferramenta para mostrar os problemas da sociedade e os caminhos que podemos seguir “para crescer em direção a uma sociedade de convivência pacífica e respeitosa, onde cada um se expressa e conquista seus ideais sem a necessidade de enterrar os ideais do outro”. A arte, afinal, tem a capacidade de unir todos em torno do que é essencial: suas emoções e seus anseios. Fazendo teatro na rua, o grupo pôde ver como em uma praça podem estar rindo tanto o mendigo como o executivo, um ao lado do outro.
Os projetos
Cuatro Gatos tem implementado os seguintes projetos comunitários: Arte al Parque, Espacio Clown, Libros Libres e Jóvenes Líderes Culturales. O primeiro, feito em parceria com o coletivo Arte en las Calles, realiza oficinas artísticas (desenho, dança, música) e jogos em família para recuperar espaços públicos. Libros Libres, por sua vez, é uma biblioteca infantil itinerante com a qual eles fazem contação de histórias e dinâmicas de fomento à leitura. Uma iniciativa para trazer o livro como um objeto lúdico para crianças de escassos recursos econômicos, entre 5 e 12 anos.
Espacio Clown, um dos empreendimentos mais bem-sucedidos, tem três projetos derivados. Em Clown en el Hospital, palhaços visitam duas vezes por mês um hospital local para acompanhar pacientes e suas famílias. Em Cargamontón Payaso, uma vez por mês se visita uma zona vulnerável da periferia da cidade para compartilhar jogos e dinâmicas com crianças. Já o Festín Clown (Festival Internacional de Clown), que em junho de 2016 chega à quarta edição, além de oferecer espetáculos de alta qualidade a toda Trujillo, leva espetáculos a distritos longínquos.
Jóvenes Líderes Culturales são oficinas gratuitas de formação artística e gestão cultural que se aplicam a alunos do ensino médio que queiram se transformar em “motores de desenvolvimento” de suas comunidades. O objetivo é que os adolescentes, ao representar teatralmente os personagens e situações de seu entorno, tenham conhecimento deles e possam transformá-los; primeiro no palco, depois no ambiente real. Com a oficina de gestão cultural pretende-se que os jovens tenham a arte como uma possibilidade de profissão, seja desenvolvendo produtos artísticos, seja concretizando redes onde possam apresentar seus trabalhos teatrais, como festivais de arte entre bairros ou escolas.
Outros projetos desenvolvidos pelos Cuatro Gatos são as oficinas Detrás de la Nariz – um método que combina o ensino da técnica do clown e o reencontro com o essencial de cada um – e El Cuerpo Festivo, que mescla os ritmos das danças folclóricas do Peru com exercícios de expressão oral e vocal tomados do treinamento para as artes cênicas.
Uma iniciativa mais recente é a Casa Cultural Cuatro Gatos, com apresentações gratuitas de teatro, música e poesia nos fins de semana. Localizada em um bairro de classe média de Trujillo, se mantém graças à contribuição voluntária do público e vem se constituindo como um espaço para a gestão cultural independente na cidade. “Trata-se de uma experiência nova para nós, e tem sido gratificante comprovar como o interesse por assistir a novos eventos vai crescendo em nosso bairro”, comenta Leslie.
Os membros
Leslie é atriz e bailarina profissional, especialista em danças folclóricas. Também atua como contadora de histórias e clown e tem se desempenhado como professora de dança e teatro para crianças, jovens e adultos. Graduada em antropologia social, dedica-se à pesquisa e ao desenvolvimento de projetos interdisciplinares que buscam integrar antropologia, teatro e dança.
“Somos artistas, mas cada um de nós tem uma formação profissional – em ciências da comunicação, em antropologia e educação – pois sabemos e apostamos na pesquisa, na comunicação e na educação como os pilares para o crescimento de nosso país em direção a uma sociedade mais justa. É por isso que temos desenvolvido, dentro de nossas atividades, programas sociais que buscam aproximar a arte da maioria dos cidadãos e, com a arte, o gosto pela aprendizagem e a transformação criativa”, afirma.
Os primeiros “quatro gatos” foram Leslie, David Hoyos, Yonel Saavedra e Guillermo Tanaka. Os quatro estiveram nas primeiras performances em 2002; em 2003, Guillermo viajou para o Japão. Nos anos de coletivo Arte Urbano, entre 2005 e 2008, participaram os três que ficaram: Leslie, David e Yonel. “Depois Yonel se separou para tomar seu próprio caminho e durante vários anos fomos apenas David e eu”, ela conta.
Há quase quatro anos, com o início do projeto Espacio Clown, o grupo cresceu até chegar à sua formação atual: Leslie, David, Jair del Río, José Luis Luján Castillo e Milagritos Alva. David é bacharel em comunicação social, ator, clown e contador de histórias. José Luis, graduado em enfermaria, trabalha como clown e animador social. Jair é ator, animador social e clown, e Milagritos Alva, professora de crianças e animadora social. Além desta equipe multidisciplinar, a organização sem fins lucrativos conta com uns 10 voluntários que contribuem com a implementação dos projetos sociais. O músico Martín Correa, que já fez parte do grupo de maneira fixa, agora segue como colaborador voluntário.
As redes
São cinco os objetivos específicos definidos pela Asociación Cultural Cuatro Gatos: a) Manter um treinamento artístico e acadêmico baseado em uma ética profissional e pessoal que garantam excelência na qualidade de seus trabalhos; b) Participar de capacitações e manter o espírito da pesquisa; c) Desenhar, implementar e avaliar programas e projetos relacionados ao fortalecimento de capacidades artísticas, especialmente em crianças e jovens; d) Concretizar alianças estratégicas com organizações de natureza multissetorial; e) Participar de redes, plataformas e fóruns de índole artística e cultural.
Além da Rede de Pontos de Cultura do Peru, Cuatro Gatos participa da Rede de Artistas de Teatro de Trujillo – segundo Leslie, uma “sociedade de fato”, que na prática fomenta a solidariedade entre mais de 15 agrupações – e da Red Latinoamericana de La Risa, que busca unir países da América Central e América do Sul (Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Equador, Chile e Brasil) em torno do clown, este personagem que “nos faz lembrar que somos livres e que nada é tão sério”.
“Apesar de ser um programa jovem em nosso país, Pontos de Cultura tem nos convocado em várias oportunidades para debater e planejar a gestão cultural em nosso país. Ser Ponto de Cultura tem nos permitido conhecer iniciativas de ação comunitária afins à nossa, e aprender com elas”, diz a presidenta da organização, que também participa ativamente da Plataforma de Cultura Viva Comunitária de La Libertad.
Esta plataforma regional – nascida em junho de 2012, após o I Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em La Paz (Bolívia) – hoje em dia conta com cerca de 25 instituições. “Nesta plataforma realizamos duas feiras locais, para mostrar o trabalho comunitário, e participamos ativamente dos encontros em nível nacional. Seguimos de perto o processo das plataformas de CVC em Lima e da região latino-americana”, conta Leslie. O grupo também obteve um importante avanço: apresentou ao prefeito uma proposta para estabelecer políticas públicas de CVC.
Os intercâmbios
“Como Cuatro Gatos nos encontramos comprometidos com o desenvolvimento social de nossa cidade, país e região”, ressalta. “Por isso mantemos com otimismo nosso trabalho, procurando convocar e beneficiar um número cada vez maior de pessoas. Me interessa compartilhar o aprendido como membro de minha instituição para receber uma retroalimentação por parte de pessoas que talvez já tenham percorrido o mesmo caminho.”
Em 2015, Leslie Arribasplata foi uma das 10 pessoas ganhadoras da categoria 2 do Edital IberCultura Viva de Intercâmbio, que apoiou (com US$ 2 mil) a participação de agentes culturais no II Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, em El Salvador. A viagem, ela conta, lhe “serviu muitíssimo”.
“Percebia-se a emoção de todos os presentes para continuar o percurso pela Cultura Viva Comunitária em nosso continente. A recepção foi calorosa, extraordinária. Depois, quatro caravanas partiram para diferentes destinos, para conhecer de perto a cultura salvadorenha, suas histórias e sua gente. Este foi um dia emotivo, cheio de maravilhosas surpresas e carinho”, recorda. “Os dias passaram intensamente entre viver a experiência do evento em sua dimensão acadêmica e, por outro lado, na convivência com todos os participantes. Foi gratificante o encontro reflexivo para continuar a construção do ‘bem comum’ e ter a oportunidade de trabalhar para continuar a organização do movimento”.
(*Texto publicado em 6 de maio de 2016)
Saiba mais: www.cuatrogatosperu.com