Cooperação Ibero-americana
Integração cultural ibero-americana: representantes de instituições e organizações comunitárias reúnem-se na segunda mesa do seminário
Em 05, dez 2024 | Em Cooperação Ibero-americana, Notícias |
(Fotos: LR Fernandes)
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“Integração cultural ibero-americana” foi o tema do segundo painel do seminário comemorativo dos 10 anos do IberCultura Viva, realizado na quinta-feira, 28 de novembro, na sede do Banco do Brasil, em Brasília. A mediadora foi Marianela Riquelme Aguilar, chefe do Departamento de Cidadania Cultural do Ministério das Culturas, das Artes e do Patrimônio do Chile e vice-presidenta do IberCultura Viva.
Na abertura da mesa, Marianela comentou que esta celebração da primeira década do programa tem permitido intersecções institucionais interessantes, como a conversa desta tarde, que aproxima a comunidade e a instituição. “Este é um caminho que nos tem acompanhado no âmbito do programa. Foi a comunidade que levou os governos a comprometerem-se com a cultura comunitária e esse compromisso deu origem a este programa”, lembrou.
Interessada em ver como as instituições e comunidades identificam o caminho percorrido nesta integração cultural ibero-americana, a mediadora propôs às pessoas participantes desta mesa que refletissem sobre o quanto avançamos, o quanto contribuímos para essa integração e que tipo de integração queremos “para as próximas décadas”.
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Institucionalidade e institucionalização
A espanhola Sara Díez Ortiz de Uriarte, a primeira a tomar a palavra, falou em nome da Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB) sobre o tema “Institucionalidade e cooperação”. Comentou que no âmbito das Cúpulas Ibero-americanas de Chefes de Estado e de Governo, às quais estão adscritos este e outros programas de cooperação, participam 22 países. No entanto, os dois países ibéricos desta lista não possuem políticas culturais de base comunitária inspiradas no modelo brasileiro de Cultura Viva.
“A minha premissa é que a institucionalidade é ibero-americana, mas a institucionalização (do modelo de política Cultura Viva) é latino-americana”, definiu a representante da SEGIB, lembrando que Portugal não participa no programa e que a Espanha, diferentemente de outros países membros, não possui uma política de Pontos de Cultura ou algo equivalente. “Espero que isso possa ser revertido. Na verdade, há um lindo intercâmbio entre a Espanha e o Brasil, quando a representante da Espanha diz que não tem esse modelo de política cultural estabelecido e que chega a este programa como uma ouvinte mais ativa para eventualmente, no âmbito do Plano de Direitos Culturais a ser desenvolvido no Ministério da Cultura, poder implementar esse modelo de política pública”, observou.
Para ela, o programa atingiu uma certa maturidade institucional, com política pública para replicar e avançar nesta integração, com um instrumento muito flexível. “Se não fosse flexível não funcionaria, porque as realidades de cada país, e dentro dos territórios que compõem cada país, são muito diversas”, afirmou, destacando que os países avançam a velocidades diferentes na implementação e avaliação de suas políticas de base comunitária.
Em termos de cooperação local – um déficit que, segundo ela, é transversal a todos os 14 programas de cooperação do Espaço Cultural Ibero-americano-, o IberCultura Viva seria o que mais tem suprido esta carência, já que desde 2019 conta com a Rede de Cidades e Governos Locais. “Embora também tenhamos falado da necessidade de articulação local, no sentido de que a rede tem que ser mais porosa, tem que chegar mais ao território”, destacou.
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O exemplo de Niterói
Representando a Rede IberCultura Viva de Cidades e Governos Locais, Júlia Pacheco, secretária das Culturas de Niterói (Rio de Janeiro), falou da importância do intercâmbio de experiências para o fortalecimento do programa. “Escutando, falando, participando é que a gente constrói. Nossa troca é fundamental e ajuda a garantir os direitos culturais”, afirmou, lembrando que a rede Cultura Viva é uma rede consolidada em Niterói, e que a cidade conseguiu mantê-la ativa nos últimos anos porque tinha leis próprias, funcionando de maneira independente do governo federal.
Ao mencionar o histórico de políticas culturais do município fluminense, a secretária ressaltou que é preciso pensar o território em primeiro lugar, reconhecendo as diferenças locais. Também citou a Carta dos Direitos Culturais, que foi lançada em Niterói em novembro de 2021, depois de oito meses de construção participativa. Para a elaboração desse documento, foram realizados 21 encontros com a sociedade civil, instituições e governo. “A Carta é um documento muito importante para a cidade. Um documento construído com muitos encontros, muita escuta, circulando o território para ouvir o povo. Um documento que o povo de Niterói tem orgulho de dizer que construído ali”, afirmou Júlia Pacheco
A iniciativa foi inspirada na experiência de San Luis Potosí (México), numa das ações de intercâmbio da Rede IberCultura Viva de Cidades e Governos Locais. Este ano, as cidades de Concepción, no Chile, e Quilmes, na Argentina, também decidiram lançar suas Cartas de Direitos Culturais, tendo como modelo as experiências de San Luis Potosí e Niterói.
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O início do movimento
O argentino Eduardo Balán, que esteve em Brasília representando o Instituto Latino-americano para a Promoção da Cultura Viva Comunitária, começou sua intervenção emocionado, lembrando que vem de uma organização de base, El Culebrón Timbal, que hoje é um centro cultural em um subúrbio de Buenos Aires Aires. Em Moreno, onde está localizado este centro cultural, existe um ônibus antigo, um coletivo que tem palco itinerante, uma rádio comunitária e, há dois anos, uma escola primária que tem como foco a cultura viva comunitária.
“Mas nem sempre foi assim. Há 25 anos, havia apenas uma trupe, um grupo de artistas de rua e uma banda de rock. Eu também estava lá e com aquele grupo decidimos fazer uma turnê pela América Latina, que tinha como objetivo chegar a Chiapas, no México. Estamos falando do ano de 1999”, disse Balán, citando sua passagem pelo Uruguai, Brasil, Chile, Bolívia, Peru e Equador, até que o ônibus se extraviou. “Nunca chegamos a Chiapas, mas voltamos muito diferentes dessa viagem. Já estávamos contaminados pela perspectiva da cultura viva comunitária e a partir daí começou outro caminho”.
Primeiro eles se envolveram na rede Arte e Transformação Social; mais tarde, essa rede deu origem à Articulação Latino-Americana Cultural e Política (ALACP). “Ali começamos a cunhar a ideia de cultura comunitária, porque até aquele momento não sabíamos explicar o que fazíamos. E nesse caminho terminamos, em 2009, no Fórum Social Mundial em Belém (Brasil), onde montamos uma tenda gigante com outras organizações para discutir cultura e política. Lá encontramos a maré de experiências do Brasil, que reivindicava o tal programa Cultura Viva e falava em Pontos de Cultura”, lembrou.
Nessa ideia de “imaginar um movimento que unisse o continente brasileiro com o continente de língua espanhola da América Latina”, surgiu o termo “cultura viva comunitária” e marcos como a criação da Plataforma Puente CVC; a Caravana pela Vida: De Copacabana a Copacabana; o 1º Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária, na Bolívia (2013), onde nasceu o Movimento Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária, e o lançamento do programa IberCultura Viva durante o 6º Congresso Ibero-Americano de Cultura, na Costa Rica (2014).
Depois de invocar a figura de Iván Nogales (1963-2019), sociólogo boliviano fundador do Teatro Trono que foi fundamental nesta construção (“Não estaríamos aqui se não fosse a sua militância, o seu trabalho e tudo o que nos ensinou”), Balán destacou que o Movimento Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária foi “uma aposta política” para colocar em diálogo todas as experiências que existem nos territórios. “O movimento obedeceu à vontade de um punhado de organizações que vinham do trabalho artístico na comunidade, porque sabíamos que o que fazíamos com as comunidades só poderia ser explicado dentro de um novo conceito, que era a cultura viva comunitária”, disse.
O Instituto Latino-Americano para a Promoção da Cultura Viva Comunitária (ILACVC), que foi construído coletivamente este ano, é uma proposta de ferramenta organizacional com o propósito de fortalecer os processos, organizações e redes de Cultura Viva Comunitária no continente através de ações de formação, pesquisa e sistematização, e apoio técnico, político e econômico. Uma de suas prioridades, como explicou Eduardo Balán nesta mesa, é construir um fundo latino-americano para apoiar congressos nacionais, bem como um Repositório Latino-Americano de CVC que reúna leis, portarias, projetos e publicações ligadas à promoção da cultura viva comunitária.
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Que tipo de integração queremos?
Marcos Rocha, que faz parte de uma organização cearense, a Fábrica de Imagens, e do movimento cearense Cultura Viva Comunitária, participou da mesa como representante do Pontão de Cultura Pátria Grande de Integração Latino-Americana e Territórios de Fronteira, da Comissão Nacional de Pontos de Cultura e da Equipe de Acompanhamento Continental do Movimento Latino-americano de Cultura Viva Comunitária. Esta instância foi criada em 2019, no 4º Congresso Latino-americano de CVC, e ratificada na edição seguinte no Peru, em 2022, como um espaço que é apoiado por porta-vozes dos processos de cada país, e que é composto apenas por representantes de organizações comunitárias ou vocerías da sociedade civil.
Além de citar algumas ações recentemente realizadas pela EAC e pelo Pontão de Cultura Pátria Grande, como os Conversatórios Permanentes CVC, que vem sendo transmitidos no YouTube, Marcos Rocha explicou que o objetivo não é apenas integrar por integrar, mas debater, refletir sobre que tipo de integração se quer, por que e para quê. “Essa pergunta pode ser feita para o elemento básico de tudo: Por que um Ponto de Cultura? Qual é o sentido dele na sociedade? O sentido da transformação? “Não são questões banais, não são apenas termos”, provocou.
“Um governo com traços conservadores pode inclusive apoiar um projeto transformador que não abale nenhuma estrutura. Políticas de reconhecimento e participação, sem redistribuição das riquezas produzidas coletivamente por um país, são políticas públicas para controlar o caos, para deixar as coisas quietinhas, como uma espécie de analgésico, um remedinho para que a coisa não estrague muito de uma vez. São perguntas importantes”, afirmou.
Ao detalhar a aposta do Pontão Pátria Grande por trabalhar a questão dos territórios fronteiriços, ele convidou as pessoas presentes para um diálogo nesse sentido. “A fronteira tem um papel fundamental, é o espaço do hibridismo. Não é necessariamente meu ou seu, é algo híbrido que faz daquele campo uma intersecção”, acrescentou, esclarecendo que se referia às fronteiras não apenas geográficas, mas de sentido. “O povo palestino hoje está em nossa fronteira. Como dialogamos com esses povos também? Temos feito trabalhos interessantes, com sedes virtuais em vários estados, como Roraima e Santa Catarina, onde discutimos sobre arte e política, mais para a revolução que para a transformação”.
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Rumo ao México: reconhecendo os esforços
E que elementos podemos considerar para tornar possível a integração ibero-americana? Rut Mendoza García, representante do Grupo Impulsor México, que organiza o 6º Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária, acredita que um primeiro elemento seria a forma como nomeamos este chamado à integração. “Podemos ampliar, modificar ou considerar as palavras América Latina, América Hispânica ou Abya Yala, entre outras, porque são formas de nomear o território e cada uma delas tem sua carga política e sua narrativa própria”, sugeriu.
“O segundo ponto é que com a atuação da sociedade civil, redes, organizações de base e comunidades, vamos contribuir para esta integração com a celebração do 6º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, que será realizado em Cherán. (Michoacán, México), uma comunidade indígena, um povo purépecha. Para que? Bom, para que mundos possíveis apareçam, essa é a nossa motivação”, destacou.
Um terceiro seria o apelo à memória, reconhecendo os esforços realizados pelas organizações de base nestes mais de 10 anos de Movimento de Cultura Viva Comunitária. E um quarto ponto seria destacar que Abya Yala é um continente diversificado. “Ocupamos vocerías, somos portadores da palavra coletiva que reflete essa diversidade dos países que compõem o que hoje chamamos de Ibero-América. Para nós, é preciso rodar a voz, os rostos, as ideias, quando as decisões são tomadas”, disse.
“Para a integração é preciso acompanhar, é preciso estar próximo dos espaços de trabalho e das organizações de base. (…) Para que a cooperação seja possível e futura, sabemos que são necessários diálogos entre organizações e instituições. E a integração também precisa de alegria, cooperação, camaradagem. Precisa convocar esses espaços de formação para organizações de base. Precisamos ter mais empatia uns com os outros, trabalhar juntos”, ressaltou.
Rut Mendoza finalizou sua intervenção com um convite às organizações para celebrarem a oitava edição do Congresso Latino-americano de CVC, em 2028, em um país da América Central e/ou do Caribe. As edições anteriores foram realizadas na Bolívia (2013), em El Salvador (2015), Equador (2017), Argentina (2019) e Peru (2022). O sexto será no México; o sétimo na Colômbia e, segundo ela, seria hora de olhar novamente para a América Central e o Caribe.
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No encerramento da mesa, após o vídeo “La Cumbia de la Tierra”, apresentado por Rut Mendoza, o argentino Eduardo Balán projetou uma produção colaborativa de vários grupos da América Latina, que além de uma homenagem ao México mostrou a proposta de a Caravana Quetzalcóatl, que acontecerá no México em abril, próximo ao 6º Congresso Latino-Americano da CVC.
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