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Termina a primeira fase do projeto ¡Enfrenta!, que mapeia coletivos de comunicação, arte e cultura livre na Espanha
Em 22, fev 2017 | Em Notícias |
Fotos: ¡Enfrenta!
Depois de percorrer sete cidades espanholas ao longo de dois meses, o jornalista Leonardo Foletto (do coletivo Baixa Cultura) e a fotógrafa Sheila Uberti (Fotolivre.org) voltaram ao Brasil com quase 500 gigas de material (vídeo, áudio e foto) na bagagem. Foi o fim da primeira fase do projeto ¡Enfrenta! – Mapeamento de Coletivos de Artivismo, Comunicação Alternativa e Cultura Livre na Espanha, um dos ganhadores do Edital IberCultura Viva de Intercâmbio, edição 2015. Numa segunda etapa, que começa em março, o material coletado dará origem a um produto, que pode ser tanto um livro como um documentário ou um especial multimídia com os vídeos/fotos/textos separados por cidades.
As entrevistas e visitas aos coletivos espanhóis que atuam na intersecção entre comunicação, arte e cultura livre começaram na segunda semana de janeiro, em Sevilha. A capital da Andaluzia foi escolhida como ponto de partida por um motivo simples: ali está a sede do Zemos98, coletivo parceiro dos brasileiros BaixaCultura e FotoLivre.org neste intercâmbio. Dali em diante, os gaúchos Leonardo e Sheila documentaram a viagem em texto e fotos com a hashtag #enfrenta no Twitter e no Facebook. Também contaram um pouco da experiência num site criado especialmente para o projeto (https://enfrenta.org).
Primeira parada: Sevilha
Em Sevilha, eles entrevistaram não apenas o pessoal do Zemos98 como também do Enreda, uma cooperativa de soluções tecnológicas ativa há mais de oito anos na Espanha. Zemos98 é um coletivo de gestão cultural formado nos anos 1990 por estudantes de comunicação da Universidade de Sevilha. Tudo começou com um festival, inicialmente de curtas-metragens, que depois virou transdisciplinar e durante 17 anos (até 2015) foi o principal evento do coletivo.
“Pelo Festival Zemos98 passaram muitas pessoas e temas de ponta na cultura digital, do remix à educação expandida, do commons a televisão, da inteligência coletiva ao Copylove (processo de investigação sobre economia dos afetos)”, conta Leonardo no diário de viagem.
Em 2013, o coletivo saiu do centro da cidade e firmou sede no bairro de La Macarena, uma região operária de Sevilha. E é dali que tem baseado algumas de suas iniciativas, como Macarena Remedia, “um espaço para aprendizagem, reflexão e ação associado às tecnologias de comunicação e a recuperação da memória viva do bairro”, e outros projetos voltados ao que em inglês se chama media literacy, alfabetização midiática.
Gema Valencia, jornalista que está no Zemos98 há cinco anos, foi quem ajudou Leonardo e Sheila no pré-mapeamento de mais de 50 coletivos para o ¡Enfrenta!. Agora, numa entrevista em vídeo, abordou temas como a sustentabilidade para quem trabalha com cultura na Espanha.
Pablo Martín foi quem falou pelo Enreda, cooperativa que produz tecnologias com foco na transformação social. Leonardo conta que eles usam software livre em todos os trabalhos que realizam, seja para governos ou para outras cooperativas. Um dos mais recentes é o TIPI, uma plataforma cidadã de visualização de dados para mostrar o que o Congresso espanhol faz no seu dia a dia. Outro projeto interessante que ele comenta é o Mercado Social de Sevilla, que mapeia iniciativas de produção, consumo e trocas sustentáveis na cidade.
Segunda parada: Valencia
Em Valencia, a segunda cidade do roteiro, duas iniciativas foram assunto das entrevistas. Uma delas é La Factoria Cívica, organizada por integrantes do estúdio Carpe Via, com apoio da rede internacional Civic Wise. Irene Reig Alberola e Laura Murillo Paredes, integrantes da rede em Valencia, falaram sobre a criação da Civic Factory Fest, que movimentou um edifício importante da região, o Alinghi, a partir de práticas colaborativas para pensar (e construir) uma cidade mais inclusiva.
A segunda iniciativa foi apresentada por Daniel Alvaréz e David Pardo, professores da área de computação da Universidade de Valencia. Trata-se de um lab-área dos hackers cívicos da cidade, um espaço recém-criado para que hackers de todas as áreas possam buscar soluções para trabalhar com dados abertos da cidade.
Terceira parada: Barcelona
Barcelona foi o local que rendeu o maior número de visitas e entrevistas. “É uma cidade especial para o ’enfrentamento’ ao status quo. Há um ecossistema de cooperativas, ativismo criativo & cultura livre que se reconhece e age em sintonia sem (muito) esforço”, justifica Leonardo.
No Raval, bairro central da cidade, eles encontraram Sérgio Salgado,do X-Net, organização ativista de cultura livre/hacker/copyleft, que havia lançado uma semana antes uma plataforma de vazamento de dados de corrupção em parceria com o Ayuntamiento de Barcelona (Barcelona en Comú). Também no Raval, conversaram com Bani Brusadin, um dos diretores do The Influencers, festival de “arte não convencional, guerrilha da comunicação e entretenimento radical”.
No bairro de Gràcie, estiveram com Xavier Artigas, um dos criadores do coletivo Metromuster. Esta produtora independente, que vem fazendo experiências com arte, comunicação e política desde 2010, tem como um de seus objetivos contribuir para a mudança social através do empoderamento de todo tipo de comunidades e formas alternativas de entender os espaços de convivência.
Na Casa do EnMedio, espaço dividido com a revista Ajoblanco, a argentina Oriana Eliçabe lhes contou um pouco de sua experiência como fotógrafa em Chiapas, entre 1995 e 1999, período de nascimento do ciberativismo digital com os zapatistas, e de como isso influenciou nas ações do EnMedio, criado em 2007.
Outra conversa que se deu em Gracie foi com Andreu Meixide, realizador audiovisual, produtor e arquiteto que transita por diversos grupos da cidade. Ele falou um pouco sobre a produção “artivista” catalã e um evento do qual é um dos produtores, o Barcelona Creative Commons Culture & Film Festival, que se situa entre a cultura livre, o ativismo e a apropriação tecnológica.
O Quepo, coletivo/produtora também com sede em Gràcie, encerrou a passagem por Barcelona. Quatro participantes falaram sobre licenças livres em produtos audiovisuais, sobre desafios e fracassos no processo de produção de uma comunicação audiovisual transformadora, e sobre o projeto mais recente, Hambre, um projeto transmídia sobre a fome.
Em Bellvitge, na grande Barcelona, o encontro foi com LaFundició, cooperativa de artistas com mais de 10 anos de trabalho focado em práticas artísticas e culturais e na educação, “entendidas como atividades controversas”.
Quarta parada: País Basco
Saindo da Catalunha, a dupla partiu para o País Basco. Em Bilbao, Leonardo e Sheila estiveram com Ricardo, um dos integrantes do coletivo Colaborabora e figura atuante na cena “procomún” da Espanha. Colaborabora, conta Leonardo, é como “uma ilha da colaboração” criada a partir da revista Amasté em 2001, para “desenhar e facilitar entornos e processos de inovação e colaboração centrado em pessoas”. Se organizam em uma cooperativa, e seus trabalhos se baseiam no que eles chamam de “tecnologías blandas”, “aquelas que de maneira específica pretendem questionar e melhorar as formas sociais de nos relacionarmos, o funcionamento dos sistemas com que nos organizamos”.
De Bilbao foram para San Sebastián, cidade famosa pelas praias e pelo festival de cinema, e ali visitaram dois lugares: KaXilda, uma livraria “subversiva” (zines, contracultura, feminismos, ecologia, ativismo criativo etc), e Guardetxea, espaço autônomo que já foi sede de um festival de ativismo criativo organizado por En Medio, Cómo Acabar com El Mal, e hoje está em processo de reorganização, com classes de teatro e dança para crianças.
Quinta parada: Madri
Em fevereiro, já na reta final, em Madri, eles conversaram com o coletivo Declinación Magnética, um “grupo de pesquisa e produção constituído por artistas visuais, teóricos e comissários, cujos trabalhos partem da tomama de consciência dos estudos pós-coloniais e do contexto imediato mais próximo”. As relações arte & política, e de como podemos criar “pequenos espaços de subversão” no cotidiano, foram temas da conversa.
Com Diego, do TXP Todo Por la Praxis, um dos coletivos mais atuantes na “Madri do comum”, o assunto passou por “urbanismo tático de guerrilha, arquitetura de código aberto, democratização do habitat, colaboração e autonomia na construção, e arte de rua”.
Outro bate-papo que tiveram em Madri foi com Aurora Cuchufletas Gómez Delgado, ativista que participou de ações criativas do GILA (Grupo de Intervención de Lavapiés), conhecido pelo artivismo de “humor, criatividade e ação direta”. Também conheceram de perto o Terrorismo de autor, “coletivo audiovisual anônimo-delirante” nascido em 2012 e que desempenha sua atividade fundamentalmente na internet. Material não lhes falta.
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