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Uma tarde de alegria: a visita de Carlinhos Brown a uma escola primária de Montevidéu
Em 12, nov 2019 | Em Notícias | Por IberCultura
Fotos e vídeo: Pancho Pastori & Joaquín González
“Quem está contente levanta a mão e grita”, pediu Carlinhos Brown aos meninos e meninas que foram vê-lo no ginásio da Escola Brasil de Montevidéu, na tarde de segunda-feira, 4 de novembro. A gritaria foi imensa. Assim como havia sido uma meia hora antes, sem nenhum pedido prévio, quando o músico brasileiro – que desde 2018 é embaixador ibero-americano da cultura – entrou no pátio desta escola primária, no bairro de Pocitos, para uma visita e uma breve apresentação musical para alunos e professores. A atividade, realizada pela Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) em conjunto com o programa IberCultura Viva, encerrou a programação da 3ª Semana da Cooperação Ibero-americana.
Foi uma tarde de alegria, acompanhada também pelo percussionista e luthier uruguaio Fernando “Lobo” Nuñez, que subiu ao palco comovido com a recepção das crianças. “Esta paisagem é a mais linda que há, cheia de pimpolhos. É uma honra estar aqui”, disse o “Lobo” antes de sentar-se diante de um dos tambores para tocar candombe com Brown e os percussionistas das organizações culturais comunitárias convidadas para este encontro em Montevidéu. Os coletivos presentes (Nación Zumbalelé e Tierra Negra, do Uruguai, e La Bombocova, da Argentina), além de trabalhar com percussão nas atividades de suas comunidades, foram selecionados para os intercâmbios do edital IberEntrelaçando Experiências, lançada este ano pelo IberCultura Viva.
Jogos de Ritmo
Antes da apresentação do grupo de percussionistas, os argentinos Laura Rabinovich e Santiago Comin, de La Bombocova, demonstraram no palco a metodologia “Juegos de Ritmo”, que adotam em suas atividades desde 2005 e que levarão a Cuba em dezembro, em um dos projetos de intercâmbio ganhadores do edital IberEntrelaçando Experiências. A proposta pedagógica utiliza o corpo, instrumentos convencionais ou elementos cotidianos como tubos e baldes transformados em instrumentos. Na Escola Brasil, os alunos fizeram a festa dançando e tocando com um par de varas nas mãos e nas cabeças (como “antenas tristes” e “antenas felizes”).
“Estou enamorado desta terra”, disse Carlinhos Brown aos entusiasmados meninos e meninas que não se cansavam de brincar. “Estou muito emocionado e agradecido pela oportunidade de ter este dia de sonho, de coisas mágicas, neste posto em que colocaram de embaixador ibero-americano da cultura. Vou sair daqui maior. Estou muito feliz.”
A agenda do músico brasileiro no Uruguai – que começou no domingo com uma visita ao Centro Cultural La Calenda, onde funciona a oficina de “Lobo” Nuñez, e seguiu pelas ruas de Palermo com a comparsa Valores de Ansina – terminou no final da tarde desta segunda-feira com um reconhecimento de seu trabalho. Carlinhos Brown foi nomeado “Visitante Ilustre” da cidade de Montevidéu por parte do intendente (prefeito) Christian Di Candia. “Que a cultura, a música, nos transforme e nos integre em uma América Latina mais unida, mais viva e mais feliz”, afirmou o embaixador ibero-americano da cultura após receber a distinção na Intendência de Montevidéu. Axé.
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Carlinhos Brown e a “orquestra humana de boas forças”: um dia de roda de conversa em Montevidéu
Em 12, nov 2019 | Em Notícias | Por IberCultura
“Bom dia. Sou Antônio Carlos Santos de Freitas e estou embaixador ibero-americano da cultura”. Foi assim, modestamente, que Carlinhos Brown se apresentou na roda de conversa sobre cultura comunitária que deu início à segunda jornada de sua visita ao programa IberCultura Viva em Montevidéu (Uruguai), na segunda-feira 4 de novembro. A atividade, que fez parte da programação da Semana da Cooperação Ibero-americana, reuniu representantes da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB), da Direção Nacional de Cultura (MEC), do IberCultura Viva e de Pontos de Cultura do Uruguai e da Argentina.
Sentado no meio do círculo de cadeiras armado na entrada do Museu do Carnaval, o músico brasileiro contou sobre sua experiência com o projeto social que desenvolve no Candeal, bairro onde nasceu (em 1962), em Salvador. A Associação Pracatum Ação Social, fundada por ele em 1994, conta com dois programas principais: Tá Rebocado, voltado para o desenvolvimento comunitário, e Pracatum, a escola de música e tecnologias. E ainda que a iniciativa tenha partido dele, Carlinhos fala sempre no coletivo, dividindo as conquistas com o grupo de percussionistas que começou os trabalhos no bairro. “Criou-se ali uma nova forma de liderar a comunidade e isso foi uma revolução”, afirma. “Na verdade, nunca me considerei uma liderança, e sim uma mirada atenta junto a outras miradas. Cada um tem seu momento de fazer silêncio para aprender com o outro”.
Ao longo das duas horas em que esteve no Museu do Carnaval, Carlinhos Brown escutou atento a todas as pessoas que falaram sobre suas experiências em seus territórios. Os coletivos convidados – La Bombocova, da Argentina, Nación Zumbalelé e Colectivo Tierra Negra. Espacio Chirimoya, do Uruguai –, além de trabalhar com percussão nas atividades de suas comunidades, foram selecionados para os intercâmbios do Banco de Saberes do Edital IberEntrelaçando Experiências, lançado este ano por IberCultura Viva. O músico brasileiro quis conhecer um pouco dos projetos de cada um deles, compartilhou algumas de suas inquietudes, e ficou contente de saber que “O milagre do Candeal”, documentário sobre suas iniciativas musicais na comunidade, havia inspirado os companheiros ali presentes.
Uma cidadania multicultural
Integrantes da Cooperativa Nación Zumbalelé, os candomberos Gustavo Fernández e Gonzalo Palacios contaram como os tambores os levaram ao Brasil e como o documentário dirigido pelo espanhol Fernando Trueba em 2004 acabou sendo uma das principais referências deste coletivo de Salinas. “Ver este filme sobre o processo do Candeal foi fundamental para a gente naquela época, não só para montar uma comparsa (um bloco carnavalesco), mas também para construir um projeto social”, afirmou Fernández. “(Escolhemos o nome) Nación Zumbalelé porque tentávamos criar esta sensação de nação, formar uma nação de pessoas e grupos que se tocam”, completou Palacios.
A cooperativa, que veio através do movimento do bairro pela comparsa, atualmente trabalha também em escolas e prepara um festival chamado Nazoombit, que este ano chega à sétima edição. O evento, além de um fórum social, é um festival internacional de dança e percussão, realizado por meio de articulações com outras organizações sociais e organismos do Estado que trabalham pela equidade racial. A iniciativa é pioneira no departamento de Canelones no desenvolvimento de atividades como estas, para a construção de uma cidadania multicultural e inclusiva, a partir da articulação sociedade civil-Estado.
O devir da diáspora africana
O outro Ponto de Cultura uruguaio presente, Tierra Negra, é um coletivo de ação social, cultural e artística que existe desde 2010 na cidade de Fray Bentos. “Começou como um projeto musical, quando familiares e amigos nos juntamos para aprender a música que tinha a ver com o aporte da diáspora africana na América Latina e no Caribe. Vivíamos estudando as rítmicas, e o candombe passou a se transversalizar aí, não somente como esta cultura ancestral, musical, mas também como fundamento sobre como nos relacionamos, como compartilhamos com os demais”, contou a percussionista Lucía Quiroga, uma das fundadoras do coletivo.
Desde 2013 Tierra Negra conta com o Espacio Chirimoya, um espaço onde se canta, dança e toca, e onde as diversas áreas de ação do projeto se articulam, se conjugam, criando a oportunidade de intervir no (e a partir do) comunitário. Nesta aposta pela cultura comunitária como possibilidade de transformar realidades através da arte, seus integrantes fazem intervenções em praças, espaços e instituições, buscando impulsionar o fazer cultural desde o coletivo e propiciar o intercâmbio de saberes em múltiplas temáticas.
O ritmo como fio condutor
La Bombocova, a organização argentina convidada a participar deste encontro, é uma associação civil e produtora artística de Buenos Aires, nascida do teatro comunitário dos bairros de La Boca e Barracas, e que conjuga em suas propostas diversos elementos das artes cênicas, como a música, a dança, o teatro e o circo. Formada por uma equipe multidisciplinar, com cerca de 30 artistas, docentes e gestores, leva más de 25 anos de trajetória na criação de espetáculos, seminários e oficinas, e desde 2013 está constituida como uma associação civil para o desenvolvimento de programas de integração social.
A proposta pedagógica que La Bombocova utiliza em suas atividades desde 2005 é uma metodologia própria, chamada “Jogos de Ritmo”. “É um método que tem a ver com ritmos, não só dos tambores, mas também do corpo”, explicou o percussionista Santiago Comin, diretor da organização, que participou da roda de conversa ao lado da coordenadora da área de dança, Laura Rabinovich. Com esta ferramenta para multiplicar a arte comunitário, eles realizam oficinas de música e brincadeiras com instrumentos reciclados e convencionais, dinâmicas de ritmo em grupos para crianças e jovens, batucadas, aulas de cajón peruano, teatro de bonecos, dança e jogos teatrais, entre outras atividades. O ritmo é o vínculo e fio condutor de cada uma das propostas.
Fortalecendo as políticas culturais
Antes que os convidados falassem de seus projetos, Diego Benhabib, coordenador do Programa Pontos de Cultura da Argentina e representante da presidência do IberCultura Viva, explicou aos participantes do encontro como funciona este programa de cooperação ibero-americana que trata de promover e fortalecer as políticas culturais de base comunitária da região.
“A partir do IberCultura Viva apoiamos distintos projetos de redes e promovemos o intercâmbio de saberes, buscando valorizar os saberes comunitários e populares que as organizações têm, tanto em termos de produções artísticas como em metodologias de intervenção territorial”, comentou Benhabib, ressaltando também o propósito de criar espaços de formação, inclusive com a concessão de bolsas para o Curso de Pós-graduação Internacional em Políticas Culturais Comunitárias, ministrado de modo virtual pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO-Argentina).
O modelo brasileiro de Pontos de Cultura, que inspirou outros países a trabalhar em uma lógica similar (“a lógica de reconhecer o trabalho das organizações e coletivos culturais em seus territórios, valorizando aqueles que trabalham para melhorar as condições de vida de suas comunidades”), também foi abordado por Diego Benhabib, assim como a importância de criar políticas públicas não necessariamente de bairro, mas que se comprometam com a sociedade e tratem de transformá-la através de consensos populares, que incluam projetos de vida e tenham a cultura como ferramenta central.
“No IberCultura Viva seguimos tratando de fortalecer as políticas culturais de base comunitária. Seguimos dialogando, conversando com os atores principais, que são os coletivos culturais, porque toda transformação é coletiva. Se não é coletiva, não se sustenta no tempo, não tem impacto”, afirmou o representante da presidência do programa.
Um espaço para o intercâmbio
Encontros como este, além de proporcionar um espaço de diálogo e intercâmbio de experiências entre as organizações culturais comunitárias, são também uma boa oportunidade de juntar forças. “Que esses encontros promovidos pela SEGIB nos tragam unidade, para que sejamos verdadeiramente uma orquestra humana de boas forças”, disse Carlinhos Brown.
Durante esta manhã no Museu do Carnaval, os participantes do encontro não apenas apresentaram os projetos que realizam em suas comunidades, como também dividiram alguns dos problemas que enfrentam no cotidiano de seus trabalhos. O racismo, o preconceito em torno das religiões de matriz africana, o separatismo social, os desafios para manter os jovens das comunidades longe do álcool e do tráfico de drogas, a dificuldade de obter recursos e inclusive reconhecimento pelo trabalho comunitário, foram alguns dos temas abordados pelo grupo durante o bate-papo.
“Trabalhamos com ferramentas ancestrais e agregamos costumes de positividade a uma sociedade que se perde e se distancia a todo tempo. Juntamos pessoas e etnias através de tambores e movimentos artísticos. Trabalhamos com o ser humano, mas parece que isso não é meritório”, comentou Carlinhos Brown. “Parece que estamos abaixo da luz (não da luz divina, mas da luz da mirada), como alguém que está de festa todos os dias. As pessoas imaginam que a gente se embebeda todos os dias, e isso em toda a parte do mundo. Mas, na verdade, temos um trabalho que se antevém ao dos médicos, dos advogados, à prisão, porque trabalhamos em zonas de risco, com pessoas de todos os tipos, sem oportunidades. Somos militantes sociais, e ainda que sejamos pessoas de bom coração, não somos ‘bonzinhos’. Somos técnicos e necessitamos ser vistos assim.”
Segundo Brown, “somos ‘perigosos’ porque somos um movimento de paz, não nos conformamos com a forma que o mundo tem tratado nossos iguais”. “Por isso temos que ser organizações potentes, que se conjuntam, porque a moeda mais valiosa que existe hoje é o conhecimento. Quanto tempo levará para que tenhamos a atenção que deveríamos ter? (…) Necessitamos que aqueles que estão em cima ajudem os que estão abaixo. Precisamos de fundos que possam fazer nossos trabalhos sustentáveis. Que olhem para nós, para que à nossa maneira, pela força do nosso trabalho, refaçamos uma sociedade mais justa e não violenta.”
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Fotos e vídeos: Pancho Pastori & Joaquín González
Ao entrar no Centro Cultural La Calenda, onde funciona a oficina do percussionista e luthier Fernando “Lobo” Nuñez, no Barrio Sur de Montevidéu (Uruguai), Carlinhos Brown viu os tambores no corredor e seguiu logo na direção deles. Do outro lado do prédio, pessoas faziam sinais para o músico brasileiro, como se ele tivesse se equivocado de rumo. “Estamos aqui!”, gritavam. Carlinhos deu mais uns passos, saudou os instrumentos, levantou mãos e olhos para o alto, sorriu e finalmente se dirigiu ao estúdio onde estavam Lobo Nuñez e seus convidados. Não havia se equivocado. Sempre que há tambores em um lugar, ele os reverencia primeiro. “Os tambores evocam o melhor da nossa alma. Eles têm uma riqueza ancestral, nossos avós estão todos aí”, explicou.
A visita ao espaço de Lobo Nuñez, no domingo 3 de novembro, foi a primeira atividade de Carlinhos Brown em Montevidéu como embaixador ibero-americano da cultura, título que recebeu da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) em abril de 2018. Esta programação no Uruguai, realizada em conjunto com IberCultura Viva, fez parte da 3ª Semana da Cooperação Ibero-americana (de 28 de outubro a 4 de novembro), promovida em várias cidades para dar visibilidade aos 27 programas, iniciativas e projetos de cultura, educação, ciência e coesão social que melhoram a vida das pessoas nos 22 países da Ibero-América.
Foram dois dias de alegria, em meio a encontros, reencontros e atividades variadas com representantes de organizações culturais comunitárias do Uruguai e da Argentina. “Foi histórico, inesquecível”, celebrou o músico brasileiro, que passou por momentos emocionantes desde os primeiros minutos desta agenda. A começar pelo reencontro com Lobo Nuñez, um dos principais nomes do candombe uruguaio, a quem não via desde a década de 1980. Carlinhos foi à oficina de Lobo com a sensação de que aquele nome lhe era familiar, mas só o reconheceu mesmo quando chegou lá, depois das saudações iniciais aos tambores no corredor. “Fernando viveu no Pelourinho (Salvador, Bahia) em 1982, foi um de meus mestres. É um grande músico, um grande luthier, deixou um legado na Bahia”, afirmou, comovido.
Uma prática comunitária
Instalado na antiga usina de gás do Barrio Sur, berço da cultura afro-uruguaia, o Centro Cultural La Calenda é a sede da Asociación Civil La Calenda, que promove atividades culturais e sociais em torno do candombe e outros ritmos de origem africana. Neste espaço se encontram a oficina de fabricação de tambores El Power, de Lobo Nuñez, uma sala de ensaios para músicos que queiram usá-la, e o Museu do Candombe, onde está um acervo de objetos e registros familiares e da cultura afro no Uruguai. Para eles, o candombe não é só a expressão de uma resistência, mas também uma festividade musical uruguaia, um símbolo e uma manifestação da memória da comunidade, uma prática social coletiva arraigada na vida diária.
“O candombe aqui em suas origens, no início do século passado, não estava permitido. Só nos permitiam tocar em 6 de janeiro, Dia de Reis. Hoje se toca todos os dias, com toda a sociedade, com todas as coletividades neste país e fora dele”, contou Lobo na sala de ensaios de La Calenda. “Foi uma proposta cultural que não precisou nem de leis nem de decretos para admitir todo mundo. Quando saímos para tocar, ninguém pergunta a ninguém qual é seu partido político, sua orientação sexual, a que religião pertence, se tem dinheiro ou não tem… Todo mundo dança, toca e desfruta.”
Tendo os tambores como um idioma em comum, Brown e Nuñez recordaram os tempos “pré-axé music” na Bahia (Neguinho do Samba, que ficou conhecido como o criador do samba-reggae, também fazia parte deste grupo de percussionistas que se reunia no bairro do Pelourinho nos anos 1980), e falaram de suas escolas de música, dos projetos sociais que desenvolvem respectivamente no Candeal, em Salvador, e no Barrio Sur de Montevidéu.
“Com o tambor temos conseguido muitas coisas”, comentou o percussionista uruguaio. “Temos feito um trabalho invisível através do tambor, sobretudo quando se trata de propor entretenimento, para que os jovens ocupem a cabeça com algo saudável. Só pelo fato de reunir, de convocar para tocar, já estamos contribuindo. Há muita gente que, enquanto toca, não está em outras atividades. Com cultura eu acredito que se possa ganhar da violência”, reforçou Lobo. “Eu digo a meus alunos, sobretudo aos que estão em situação de risco: ‘Venham tocar!’. Porque cada hora em que estão na percussão é uma hora a menos que dedicam a outras coisas. E eles saem dali ganhando vida”, complementou o brasileiro.
A conversa se deu na sala de ensaios, enquanto os dois improvisavam nos tambores, acompanhados do filho e dos netos do Lobo, e de convidados como o percussionista Santiago Comin, da organização argentina La Bombocova, uma das beneficiadas com os intercâmbios do edital IberEntrelaçando Experiências, lançado por IberCultura Viva. Também estavam presentes integrantes de dois Pontos de Cultura uruguaios selecionados no mesmo edital (Nación Zumbalelé e Colectivo Tierra Niegra), além de representantes do IberCultura Viva, da SEGIB e da Direção Nacional de Cultura do Ministério de Educação e Cultura do Uruguai. O cantor, compositor, percussionista e ator Rubén “El Negro” Rada chegou ao final da visita para cumprimentar o músico brasileiro. Foi recebido com festa.
A festa na rua
Depois da visita a La Calenda, Carlinhos Brown, Lobo Nuñez, Ruben Rada e demais convidados foram assistir ao toque de cordas de tambores do Barrio Sur e Palermo. Ao chegar ao ensaio da comparsa Valores de Ansina, o músico brasileiro foi recebido com uma roda de capoeira, uma fogueira acesa no meio da rua para esquentar os tambores, uma centena de abraços e beijos de toda parte. Com os tambores enfileirados, e as dançarinas à frente deles, Brown deu início ao ensaio com a habitual saudação ao instrumento (e à ancestralidade) e seguiu com eles pelas ruas de Palermo, acompanhando o ritmo com um agogô. Chegou ao final do percurso com uma bandeira uruguaia pendurada sobre os ombros, e um sorriso largo, um tanto surpreso com o carnaval que encontrou no Uruguai.
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(Vídeo da Agência EFE sobre a visita de Brown a Montevidéu)
Visitas a comunidades durante a 6ª Reunião: recuperando espaços, construindo pontes
Em 31, Maio 2017 | Em Notícias | Por IberCultura
“Os velhinhos deste grupo nos divertimos/ ao diabo com a dor”, avisam os integrantes da Murga Tres de Abril àqueles que os escutam cantar e dançar. Estão juntos há uma década, desde que começaram uns cursos de teatro na vizinhança (como parte do Programa Esquinas da Cultura, desenvolvido desde 2005 pela Intendência de Montevidéu) que acabaram tornando realidade o sonho que eles tinham de subir ao palco e sair no carnaval. Alegres, de cara pintada, rindo deles mesmos em suas roupas de espetáculo, os integrantes desta “murga de avós” fizeram uma bela apresentação ao final do primeiro dia da 6ª Reunião do Conselho Intergovernamental do IberCultura Viva no Uruguai.
A apresentação da murga comunitária, na sede da Associação Civil Monte de la Francesa, no bairro Colón (Município G), encerrou a programação da quarta-feira, 24 de maio. Neste dia, terminada a sessão no Centro de Formação da Cooperação Espanhola, os participantes da 6ª Reunião do Conselho se dividiram em dois grupos para percorrer diferentes municípios do departamento de Montevidéu e conhecer algumas iniciativas de cultura comunitária desenvolvidas conjuntamente pelo Estado e pela sociedade civil.
Os grupos contavam com representantes dos países membros do programa, da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib), do Ministério de Educação e Cultura do Uruguai (MEC), do Ministério do Desenvolvimento (Mides), da Intendência de Montevidéu e a Unidade Técnica do Programa IberCultura Viva.
Enquanto metade do grupo se dirigia aos bairros Palermo/Barrio Sur, Bella Italia e Casavalle, a outra passava por Cerro, Paso de la Arena e Colón. Vários dos projetos visitados tinham uma característica em comum: funcionam em espaços que estavam abandonados, passaram por uma recuperação e hoje são geridos por vizinhos e vizinhas.
GRUPO 1
Primeira parada: Cerro
Um dos percursos começou pelo Cerro, um dos bairros mais emblemáticos de Montevidéu, que surgiu como uma vila (fundada em 1834 com o nome de Cosmópolis), ponto de chegada de imigrantes das mais distintas procedências. No ex-Parador do Cerro, os visitantes encontraram três integrantes do coletivo Teatro para el Fin del Mundo (TFM), um programa de intervenção iniciado no México em 2012 e que tem entre suas atividades a realização de um festival artístico multidisciplinar.
Entre os princípios do TFM está a reconstrução de espaços que se encontram em condições de abandono e neles promover programas culturais. “A ideia é ressignificar estes espaços e dar-lhes visibilidade com esta característica do trabalho territorial”, explicou a coordenadora do TFM Uruguay, Susana Souto. Nas ruínas do Parador, o grupo oferece oficinas artísticas para crianças e adolescentes da zona. A Planchada e o antigo Frigorífico Castro são outros espaços do Cerro de atuação do colectivo, que hoje conta com 30 integrantes.
Além do trabalho direto com a comunidade, o TFM promove atividades voltadas aos profissionais das artes cênicas, com vistas ao intercâmbio e a experimentação entre coletivos artísticos de diferentes países. Para isso, desenvolve trabalhos de residência com grupos uruguaios interessados em intervenções artísticas, e organiza o Festival de Teatro para el Fin del Mundo, que chega à terceira edição este ano, de 1º a 5 de novembro.
Segunda parada: Paso de la Arena
Saindo do Cerro, os visitantes se dirigiram ao bairro Paso de la Arena, onde estavam reunidos na Casa Jovem alguns participantes do Ronda Oeste, um coletivo de organizações que trabalham com crianças, adolescentes e jovens na Zona Oeste de Montevidéu.
Considerada uma referência em termos de trabalho em rede no Uruguai, Ronda Oeste surgiu com a intenção de construir de pontes e promover atividades em comum entre aqueles que já vinham trabalhando na região, como o Liceu de Paso de la Arena, a UTU (Universidade do Trabalho do Uruguai), a Casa Jovem, a Aula Comunitária nº 4 e a Biblioteca Comunitária.Paco Espínola.
“Como organizações e projetos de trabalho, temos certa autonomia, já que existíamos antes do coletivo (…) O que tratamos de fazer com a formação do coletivo é transcender os projetos mais pontuais e gerar espaços de encontro”, afirmou Camilo Silvera, coordenador da Aula Comunitária, ressaltando que alguns dos projetos são de gestão pública (caso do liceu), e outros são de organizações que mantêm convênios com o Estado, como a Casa Jovem. A biblioteca comunitária é a única 100% gerida pelos vizinhos.
Financiado pelos fundos concursáveis do Ministério do Desenvolvimento Social, Ronda Oeste tem promovido uma série de atividades culturais na região entre os meses de setembro e dezembro. Títeres, teatro, planetário móvel, música e cinema têm chegado de forma gratuita a diferentes bairros do Oeste montevideano por meio deste projeto conjunto das organizações.
Terceira parada: o castelo
A terceira parada do percurso foi num castelo que começou a ser construído na Villa Colón em 1896, a mando do então presidente da República, Juan Idiarte Borda. Pensado em viver ali os meses de primavera e verão, Borda encomendou uma mansão em estilo francês, neoclássico, com cinco andares e amplos jardins, mas não chegou a ver o edifício terminado. Vítima do único magnicídio registrado na história del Uruguay, foi assassinado por um tenente em agosto de 1897. Levou uma bala no coração, em frente ao Club Uruguay.
Após décadas de histórias de fantasmas, luzes nas janelas das torres, invasão de indigentes e outros casos mal-assombrados, o Castillo Idiarte Borda passou a funcionar como um centro cultural que oferece atividades gratuitas aos vizinhos, como oficinas de teatro, balé, percussão, piano, violão, ginástica, karatê e filosofia. A casa é propriedade de uns espanhóis e esteve abandonada por muito tempo, até que a Comissão do Patrimônio Cultural da Nação a recebeu em comodato e passou a financiar sua manutenção, os gastos de energia elétrica, água, e a segurança. A Intendência de Montevideo colabora com seu programa Esquinas, cedendo professores para algumas disciplinas artísticas.
Quem administra o espaço é um grupo de vizinhos, que há quatro anos trabalham voluntariamente e em 2015 formaram uma associação civil. “Quando ingressamos não havia nada. A casa estava abandonada, haviam colocado fogo no piso, estava tudo muito feio”, lembrou Fabiana Scirgalea, a vizinha que atualmente responde pela presidência da Asociación de Amigos del Castillo Idiarte Borda. “Este é o orgulho maior: é um luxo que hoje as pessoas venham aqui. Não importa se têm dinheiro ou não, as portas estão abertas”.
GRUPO 2
As Usinas Culturais
A Casa de la Cultura Afrouruguaya, ponto de partida do percurso do segundo grupo, é uma construção que data de aproximadamente 1865, e que estava prestes a ser derrubada até que se conseguiu o apoio financeiro da Cooperación Española para que abrigasse este espaço da coletividade afro do Uruguai. A casa está aberta desde dezembro de 2011, como uma instituição sem fins lucrativos dedicada a promover o conhecimento, a valorização e difusão da contribuição dos afrodescendentes e seu acervo histórico, assim como a criação e a recriação de suas manifestações artísticas, culturais e sociais.
Ali também funciona a Usina Cultural Palermo, uma das 17 “Usinas Culturales” instaladas no Uruguai. Estes centros regionais equipados com salas de gravação musical e/ou equipamento para a produção audiovisual conformam um programa da Direção Nacional de Cultura que busca descentralizar o acesso à produção cultural, instalando infraestrutura a lugares que tenham um notório déficit, e dirigindo suas atividades especialmente a jovens em situação de pobreza.
Além da sala de gravação de Palermo, os visitantes conheceram a Usina Cultural Bella Italia, inaugurada em 2013 no Mercadito do bairro, e desde então administrada por uma comissão de vizinhos. As Usinas de Bella Italia e Palermo são as duas que o programa da Direção Nacional de Cultura instalou por convênio firmado com associações civis – os outros centros regionais se tratam, em sua maioria, de convênios com as intendências/prefeituras).
A Fábrica de Turismo
O grupo também passou pelo Centro Cultural C1080, no Barrio Sur, conhecido como o berço do candombe e da cultura afro-uruguaya. A associação, vinculada a uma das grandes comparsas do carnaval uruguaio (Cuareim 1080, a C1080), está sediada no edifício onde antes existia o Conventillo Medio Mundo, o cortiço “onde começou a história de amor do candombe com o Barrio Sur”, como contou o músico Miguel Almeida.
Miguel é o guía turístico da Fábrica de Cultura que organiza o “Paseo Barrio Sur Candombe – una forma de vivir y sentir”, no qual relata – a partir da história do “conventillo” e com a participação dos vizinhos – a história dos tambores e dos moradores do bairro. O Medio Mundo teve um papel tão importante na trajetória deste gênero musical no Uruguai que o Dia Nacional do Candombe é celebrado em 3 de dezembro, data em que este prédio foi demolido (em 1978).
A Fábrica de Turismo Cultural é uma das 29 Fábricas de Cultura que foram criadas no Uruguai nos últimos 10 anos, neste programa da Direção Nacional de Cultura que leva adiante espaços de formação e desenvolvimento de empreendimentos culturais. As Fábricas se dedicam a um amplo leque de artes e ofícios, desde a produção de móveis até a joalheria, passando pelo patrimônio imaterial (como no caso do turismo cultural), e este ano – como agradecimento pelo apoio recebido – foram tema do espetáculo de carnaval da comparsa C1080.
O complexo Sacude
O percurso do grupo terminou no Complexo Municipal Sacude, um projeto que busca melhorar a qualidade de vida dos vizinhos e vizinhas do Município D mediante a promoção do acesso à saúde, à cultura e ao esporte (o nome “Sacude” vem daí: “salud + cultura + deporte”).
Construído em 2010, na regularização de três assentamentos da zona de Casavalle, o Sacude é gerido por representantes da Intendência de Montevidéu e por vizinhos e vizinhas do bairro. A comissão de cogestão é o órgão máximo de decisão del complejo. É integrada por três técnicos da Intendência, responsáveis por cada uma das áreas (saúde, cultura e esporte), três vizinhos eleitos pelo bairro, também nas três áreas, um coordenador de gestão (da Intendência), um representante do Município D e um integrante do conselho de vizinhos. Todos eles têm direito a voto e as decisões são tomadas por maioria absoluta.
“A Intendência fez uma intervenção para recuperar urbanisticamente o bairro”, comentou Alba Antúnez, coordenadora do Programa Esquinas, da Intendência de Montevidéu. “Quando se recuperou o bairro e já se tinha tudo em termos de saneamento, os vizinhos tiveram acesso a um fundo próprio para construir o que lhes interessava. Os mais veteranos, basicamente mulheres, doaram este fundo para que se construísse a parte cultural do bairro. Argumentaram que sabiam o que isso devia significar para seus netos em termos de valores e integração. Do ponto de vista econômico foi mínimo o que se aportou, mas simbolicamente foi muito forte. Eles sentem que isso é deles.”
Os vizinhos do teatro
No fim dos percursos, os dois grupos de visitantes se encontraram no Teatro de Verano de Colón, onde está a Asociación Civil Monte de la Francesa. Ali, em 1997, um grupo de vizinhos soube que havia sido assinado um decreto permitindo a demolição do Teatro de Verano e decidiu formar uma comissão para tratar de evitá-la. Depois de apresentar à Intendência em 2001 um projeto que tinha como centro o teatro, esta comissão de vizinhos deu início a uma série de tarefas para recuperar o Teatro de Verano de Colón e o espaço verde em que ele se encontra, conhecido como Monte de la Francesa.
Atualmente, o teatro tem como finalidade ser um espaço aberto de uso comunitário, onde realizam oficinas gratuitas de candombe, murga, maquiagem artística, canto coral, danças, fotografia etc, financiadas por convênios com a Intendência e aportes da associação, com fundos que saem especialmente das atividades de carnaval. Também se organizam no local rodas de conversas, geralmente sobre temas relacionados aos direitos humanos, e as celebrações do Dia das Crianças, com espetáculos e brincadeiras. A recuperação de valores e a promoção do respeito e da segurança são considerados pilares fundamentales para este espaço de inclusão social autogerido pelos vizinhos.
“Buscamos melhorar a zona para que a recuperação do teatro não fosse vista apenas do ponto de vista arquitetônico, e sim como uma recuperação do espaço, para que as pessoas pudessem voltar a ter o sentido de identidade e pertencimento”, destacou Luís Guerreiro, um dos vizinhos integrantes da associação. “Há 10 anos ninguém transitava por esta zona. Hoje vemos gente caminhando pelas ruas à noite. Por isso é interessante o trabalho da comunidade, a autogestão dos espaços. Além de ter a capacidade de identificar os problemas que têm, as pessoas encontram soluções para eles. O Estado deveria prover os recursos necessários e acreditar mais na gente para melhorar ou mudar a realidade do país.”
Acreditando na gente
Os avós da murga, que pintam a cara e fazem graça das limitações da idade em suas canções satíricas de carnaval, rindo deles mesmos e realizando antigos sonhos, são também um bom exemplo do que dizia Luís: que é necessário acreditar mais na gente. Ou do que afirmou Alba Antúnez ao final da apresentação dos “viejitos” no Monte de la Francesa. “Cada vez que nos aproximamos dos vizinhos, há uma força que estamos obrigados a não perder nunca. Devemos ter sempre presente que o que vale é isso: a gente, o ser humano. Somos nada mais que humanidade caminhante. E esta é nossa grandeza.”