Em 2025, o Programa de Cooperação IberCultura Viva segue fortalecendo políticas culturais públicas enraizadas nos diversos territórios. Atualmente, conta com a participação ativa de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Espanha, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, o maior número de países integrantes desde sua criação. Este marco não apenas simboliza o êxito da cooperação ibero-americana, mas confirma o que a experiência já anunciava: quando o Estado reconhece o protagonismo das comunidades culturais, ativa suas potências e conecta redes.
Inspirado pelo pioneirismo brasileiro, o IberCultura Viva encontra, na parceria público-comunitária dos Pontos de Cultura do Brasil, seu ponto de partida. Criada em 2004, a Política Nacional de Cultura Viva reconheceu os grupos, coletivos e instituições culturais sem fins lucrativos como Pontos de Cultura, como sujeitos de direito ao fomento da política pública, inaugurando um novo paradigma na relação entre Estado e sociedade civil. Hoje, no Brasil, são mais de 7.200 iniciativas, compondo uma teia diversa e atuante que influencia políticas culturais em toda a região.
Essa história, no entanto, é mais antiga do que qualquer programa. Começa com os saberes, fazeres e modos de vida dos povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhas, periféricas e camponesas – que se conectam também à cultura digital. A política de Cultura Viva apenas nomeia e fortalece essa capacidade gregária, que segue criando laços, identidades, pertencimento e horizontes.
A proposta do IberCultura Viva é precisamente essa: reconhecer e fomentar, por meio da política pública, o protagonismo das organizações culturais comunitárias como expressão legítima da diversidade cultural e como motor de transformação social. Para isso, o Estado precisa manter uma escuta ativa e desenvolver uma gestão compartilhada. Manter-se receptivo às dinâmicas dos territórios é um desafio imenso para estruturas estatais historicamente hierarquizadas. É preciso abrir veredas na burocracia, flexibilizar formatos, legitimar outras temporalidades. É nessa tensão que reside a inovação do modelo: um programa de cooperação internacional que opera não de cima para baixo, mas a partir da base, com autonomia, participação social e construção coletiva.
Tendo completado 10 anos, em 2024, o IberCultura Viva consolida-se como plataforma ibero-americana de políticas culturais de base comunitária, capaz de mobilizar redes, formar agentes, fomentar projetos e fortalecer institucionalidades locais. E, mais do que isso, reafirma a cultura como força vital no enfrentamento das desigualdades, da emergência climática, da fragmentação social e dos autoritarismos. Em um mundo em transição, essa política de cooperação entre países, conectada com grupos culturais locais, é também uma travessia.
Conhecimento em rede
Uma das caminhadas mais estruturantes do Programa tem sido o diálogo e o intercâmbio de saberes. Essa dinâmica se concretiza de diversas formas: por meio dos editais de mobilidade, o IberCultura Viva tem viabilizado a participação de agentes e lideranças culturais nos Congressos Latino-americanos de Cultura Viva Comunitária, ampliando presenças, confluências e influências em espaços internacionais.
Um pilar fundamental desse processo formativo é a Pós-Graduação em Políticas Culturais de Base Comunitária, promovida pela FLACSO-Argentina com apoio do Programa. Desde 2018, a iniciativa fortaleceu uma rede de profissionais engajados com práticas culturais transformadoras dos países membros. Em 2025, o curso chega à sua oitava edição, com um total de mais de 820 bolsistas de toda a Ibero-América, entre gestores públicos, educadores populares, artistas e lideranças sociais. Trata-se de um espaço de intercâmbio regional e construção coletiva de pensamento crítico, cujos trabalhos finais subsidiam legislações, editais e ações públicas.
Outro marco recente foi o apoio e participação – com diversos parceiros – no I Seminário Internacional Cultura Viva Comunitária: uma escola latino-americana de políticas culturais, realizado em abril de 2025 na Cidade do México, com representantes de 13 países, universidades, movimentos culturais e organismos internacionais.
A articulação em rede é, sem dúvida, um eixo fundamental do Programa. As convocatórias de apoio a redes culturais comunitárias já fortaleceram dezenas de articulações temáticas e territoriais. Por meio do IberEntrelaçando Experiências, mais de 40 intercâmbios presenciais e virtuais conectaram organizações culturais em processos de aprendizagem mútua, que cruzam fronteiras e semeiam oportunidades.
Em 2019, criamos a Rede IberCultura Viva de Cidades e Governos Locais, com o objetivo de levar a política para o nível subnacional. Hoje participam 21 governos locais de seis países e estamos em plena campanha para novas adesões. A Rede tem impulsionado a criação de editais locais, legislações específicas, formação de conselhos e orçamentos para cultura comunitária. Também é a partir dela que se desenham novas redes, como a recém-lançada Rede Educativa IberCultura Viva, que propõe uma articulação plural de saberes entre universidades, instituições educativas e escolas populares. Além disso, em 2025, passamos a integrar a Rede Cultura Infância, que conecta e gera intercâmbios entre instituições governamentais e civis, organizações e indivíduos dedicados às crianças por meio de atividades culturais diversas, fomentando a escuta ativa e a liberdade de expressão das crianças e promovendo uma infância livre, empática e solidária.Essa é uma pauta que conta com o Iberescena como parceiro e que se apresenta como uma prioridade estratégica para os programas Iber.
Aliás, IberCultura Viva também tem exercido um papel estratégico na promoção de sinergias entre os programas do Espaço Cultural Ibero-americano, impulsionado pelo papel articulador da Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB). Essas sinergias têm fortalecido ações conjuntas, ampliado o impacto da cooperação e demonstrado o poder da cultura como vetor de integração regional. Desde 2019, o Programa atua em articulação com o Iber-Rutas e o IberCocinas na realização da iniciativa Sabores Migrantes Comunitários, que valoriza as práticas culinárias de pessoas migrantes e seu papel na construção de comunidades interculturais. Com o Ibermuseus e o Iber-Rutas, lançou o Banco de Saberes e Boas Práticas, uma plataforma colaborativa para dar visibilidade a experiências culturais orientadas ao bem viver. E em 2023, somou-se ao programa Iber Memória Sonora, Fotográfica y Audiovisual na sinergia Cenzontle, dedicada à valorização das línguas originárias da Ibero-América. Ampliando o leque de sinergias para além dos programas Iber, em 2021 IberCultura Viva uniu-se à CLACSO na realização de Memórias Vivas, uma reflexão sobre arquivos e museus comunitários em tempos de pandemia.
Essas experiências reafirmam o compromisso coletivo com a transversalidade, a busca por garantir direitos culturais em todos os âmbitos e a ampliação das vozes que constroem neste exato momento outros futuros possíveis para a região.
Comunicar para mobilizar
O Programa tem investido na comunicação para a mobilização social e na preservação da memória. A Biblioteca Virtual do IberCultura Viva reúne publicações, pesquisas, leis, cartografias e livros, formando o maior acervo digital sobre cultura comunitária na região. O novo Mapa IberCultura Viva, lançado em 2025, é uma plataforma redesenhada, mais acessível e inclusiva, que permite o cadastro, a busca e a articulação entre coletivos, eventos e políticas públicas de cultura. Ali também são publicados todos os editais do Programa.

“O futuro é ancestral”
Tecer a história do IberCultura Viva é também mirar o futuro. Ao comemorar seus primeiros dez anos de existência, o Programa IberCultura Viva adotou como símbolo a flecha indígena, que precisa ser puxada para trás antes de ser lançada com força. Assim, olhar para a primeira década do Programa é reafirmar o compromisso com o que está por vir. E o que está por vir exige escuta, redesenho, partilha. Exige reconhecer que, embora a cultura não seja um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, ela dá sentido a todos eles: porque é por meio da cultura que se compreende o mundo, que se respeitam as diferenças e que se imaginam futuros justos e comuns.
O IberCultura Viva mostrou que é possível fazer política pública com as comunidades, e não apenas para elas. Mostrou que o Estado – e vários Estados em cooperação – podem, e devem, reconhecer o protagonismo autônomo de seus povos. E que as redes de Cultura Viva são como os ecossistemas: múltiplas, interdependentes, dinâmicas e de empoderamento. O desafio agora é avançarmos de mãos dadas, linha a linha, ponto a ponto, país a país, tecendo mais uma década de travessia, com cooperação, coragem e esperança ativa. Os desafios de nosso tempo não deixam dúvida: vamos precisar de todas e todos nessa jornada.

Este artigo integra a publicação “Programas Ibero-Americanos de Cooperação Cultural: diálogo, solidariedade e incidência para as políticas culturais ibero-americanas”. A obra reflete a vocação comum dos programas ibero-americanos: fortalecer vínculos, estimular o aprendizado mútuo e consolidar redes vivas entre comunidades e governos da região.
Lançada durante a Culturópolis 2025, no marco da Mondiacult, em Barcelona, a publicação é uma iniciativa do Espaço Cultural Ibero-Americano da SEGIB, co-coordenada por Mônica Barcelos (Programa Ibermuseus), Sara Díez Ortiz de Uriarte (SEGIB) e Paola de la Vega (gestora cultural independente).
Reunindo artigos de oito programas de cooperação, a obra apresenta experiências que, em diferentes áreas da cultura, promovem intercâmbios, oportunidades de formação e projeção, fortalecendo a incidência das políticas culturais nos territórios.