Mesa no Seminário Internacional debateu como as redes comunitárias podem enfrentar os novos fascismos digitais e criar outras formas de convivência
Como sustentar as relações comunitárias em plena era dos algoritmos? Como defender a democracia diante da manipulação e do ódio que circulam nas plataformas digitais?
Essas foram as provocações que permearam a mesa “Do comunitário ao digital: a Cultura Viva Comunitária e a democracia frente aos novos fascismos digitais”, realizada durante o Seminário Internacional Cultura Viva Comunitária: Uma Escola Latino-Americana de Políticas Culturais, na Cidade do México.
Logo na abertura, a pró-reitora da UFRJ (Brasil), Ivana Bentes, lançou luz sobre o conceito de comunitarismo digital, defendendo que é possível habitar os meios tecnológicos com outros princípios e afetos: “O digital também pode ser um quilombo, uma feira, uma praça – depende de como o ocupamos. Podemos transformar redes em círculos, algoritmos em alianças e likes em relações.”
A partir dessa imagem, o debate seguiu reconhecendo os desafios da era digital: territórios onde as conexões frágeis se desfazem com um clique e onde os discursos de ódio se espalham com rapidez. Mas também foram apontadas as brechas – e nelas, a força da Cultura Viva Comunitária como um caminho para reinventar o estar junto, mesmo diante das telas.
A secretária técnica do Programa IberCultura Viva, Flor Minici, trouxe reflexões contundentes sobre as mediações digitais: “Os fascismos são fascismos, não importa se digitais ou analógicos. Mas também podemos ativar essa mediação digital em favor da democracia.” Flor destacou o papel das redes comunitárias como territórios férteis para a construção de narrativas alternativas, tecnologias do cotidiano e resistências que nascem do comum – feitas de memória, cuidado e escuta.







Redes em disputa
A mesa, moderada por Marcelo das Histórias (Pontão Areté/ILACVC/Brasil), reuniu vozes diversas e comprometidas com a defesa da cultura como prática política e espaço de criação coletiva.
A diretora de Cooperação Cultural da AECID, Eloísa Vaello Marco, defendeu o papel da cultura como território da empatia e da transformação social: “A cultura nos dá a capacidade de refletirmos sobre nós mesmos. Queremos uma democracia que recupere a comunidade e a sociabilidade. Precisamos de uma revolução cultural para gerar uma transformação dos sentidos. Como transformar discursos de ódio em empatia? Para isso, também é preciso legislar. Nestes momentos em que se tentam impor determinados discursos de ódio, é mais importante do que nunca integrar a diversidade cultural. A cultura é o lugar da diferença – sem deixar ninguém atrás nem fora.”
Do México, o gestor cultural Benjamín González Pérez (Ecatepec de Morelos) reforçou que não há separação real entre os espaços digitais e os demais territórios da vida: “O virtual não é sempre virtual. Temos a oportunidade de partir dessas conversas que constroem a sensibilidade que precisamos para confrontar um projeto cultural que vem sendo imposto de forma hegemônica pelas redes.” Com anedotas e imagens que atravessaram gerações, Benjamín levou o público a refletir sobre as tranças do tempo – do analógico ao digital – e sobre a importância de cuidar das formas de narrar o presente.
O pesquisador colombiano Jorge Melguizo destacou o papel estratégico do Programa IberCultura Viva na consolidação de um dos maiores acervos digitais sobre Cultura Viva Comunitária: “Hoje, o maior repositório digital sobre Cultura Viva Comunitária está na página do Programa. É preciso acessá-lo, ativá-lo e ampliá-lo.”
Horizontes possíveis
O debate reafirmou que os meios digitais são territórios de disputa – simbólica, política e ética. Habitar esses espaços com consciência crítica, escuta sensível e imaginação coletiva é um dos grandes desafios do nosso tempo. A Cultura Viva Comunitária, nesse cenário, segue sendo um campo de possibilidades. Uma prática de resistência e reinvenção – onde o afeto se transforma em elo, a memória vira tecnologia, e a diversidade é condição para o futuro.
Seguimos conectadas e conectados – com laços que resistem ao toque apressado na tela, e raízes que se entrelaçam desde tempos imemoriais.
Onde os sonhos coletivos tomam forma
O segundo dia do Seminário foi realizado inteiramente na Utopia Iztapalcalli, em Iztapalapa – um dos espaços públicos mais simbólicos da Cidade do México, onde sonhos comunitários ganham corpo e oferecem oportunidades concretas para todas as idades. As Utopías (Unidades de Transformación y Organización para la Inclusión y la Armonía Social) são centros culturais, bibliotecas, parques, instalações esportivas e educativas espalhados pela região mais populosa da Cidade do México.
Assista ao diálogo completo:
Fotos: Gabriela Anguiano/RedLab | Angélica Lasof/RedLab | Francisco Marín/RedLab | Neander Heringer/Ilacvc | Utopías Ciudad de México