29 dezembro 2024

A edição 2024 do concurso Sabores Migrantes Comunitários  teve 13 receitas e práticas culinárias selecionadas para receber o reconhecimento como ‘Boa prática de cozinha migrante comunitária ibero-americana’ e um prêmio de US$ 600 cada. O resultado foi publicado no dia 13 de novembro.

Esta convocatória, realizada anualmente desde 2019, é uma iniciativa conjunta de três programas de cooperação vinculados à Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB): IberCultura Viva, Ibercocinas e Iber-Rutas. 

Com esta proposta, os programas procuram promover a reflexão e expressão da migração e a sua relação com a alimentação, a cozinha tradicional e a comunidade. Ao tornar visíveis os modos de ver, fazer, sentir e pensar das comunidades migrantes, espera-se também contribuir para a redução dos níveis de preconceito e discriminação.

A seguir, apresentamos as receitas ganhadoras, suas histórias e métodos de preparo. Bom proveito!


  • Nome: Sandra Ximena Niño de Guzmán Tapia
  • País de nascimento: Peru
  • País de residência: Colômbia
  • Nome da receita: Rocoto relleno con pastel de papa

O rocoto relleno con pastel de papa, segundo Sandra Ximena Niño de Guzmán Tapia, uma peruana que vive na Colômbia, é uma representação viva da identidade cultural de Arequipa (Peru). Sua importância reside na forma como funde história, costume e coletividade comunitária em cada um dos seus ingredientes e modo de preparação. 

Como ela explica em sua inscrição, o  rocoto, fruta nativa dos Andes, é entendido como o símbolo da força e resistência do povo de Arequipa. Esta variedade de pimenta é emblemática não só pelo seu sabor intenso, mas também pelo engenho de quem, há séculos, aprendeu a desfrutar do seu calor como uma delícia gastronómica.

“Considero que preparar o rocoto recheado com bolo de batata está próximo de replicar um ritual. Cada família tem a sua versão da receita, passada de geração em geração. O recheio combina carne, legumes e ovos, batata e queijo, sendo altamente nutritivo. Além do valor nutricional, este prato evoca uma profunda ligação com as nossas raízes arequipanas, nativas ou migrantes de outros departamentos do Peru, como Puno e Cusco, como representa a minha história familiar. Todos nós crescemos em torno deste prato, saboreando-o em reuniões especiais como almoços de família ou aniversários.

“Na família paterna, o rocoto recheado com bolo de batata também faz parte da vida nas nossas chácaras, no vale de Majes, em Pedregal, na província de Caylloma, a quase duas horas da capital de Arequipa. Nesta zona, onde não existem restaurantes grandes ou modernos que ofereçam estes pratos, nós mesmos cuidamos de sua preparação. Cozinhá-los no campo é uma experiência especial, pois podemos colher legumes frescos diretamente da terra.

“Esta prática reforça nosso valor alimentar e de autonomia, pois ao cultivar e utilizar os nossos vegetais frescos, não só garantimos alimentos de qualidade, mas também preservamos as nossas tradições culinárias sem depender de restaurantes ou mercados externos. Esta prática reforça a importância da segurança alimentar num contexto de interdependência, conectando-nos com a terra e garantindo que cada prato preserve as tradições de Arequipa.

Por fim, o fato de vários membros da minha família terem vivido, estudado e trabalhado em Arequipa reforça ainda mais esta ligação com a gastronomia e a história local. Este processo tornou-se um lembrete de quem somos, de onde viemos e para onde vamos, tendo consciência de manter viva a essência de Arequipa em todas as fases de nossas vidas”.

Comunidade com a qual a prática será compartilhada:

O preparo culinário do rocoto recheado com bolo de batata será compartilhado com dez colegas e um professor do mestrado em Estudos Internacionais da Pontifícia Universidade Javeriana, vindos de diversas cidades da Colômbia e de países como Costa Rica, Brasil, Ucrânia e Itália. A atividade será na residência universitária, no refeitório coletivo, onde será possível recriar o ambiente familiar e acolhedor típico de Arequipa. 


  • Nome: Norys Margoth Rivas de Rodriguez* (en representación del Colectivo de Migrantes Sordos – MigranSor)
  • País de nascimento: Venezuela
  • País de residência: Brasil
  • Nome da receita: La sopa venezolana

“A sopa venezuelana é um dos pratos mais emblemáticos da Venezuela, refletindo a rica cultura e tradições do país. Feito com ingredientes populares como carne bovina, frango, milho, banana e mandioca, ele não apenas alimenta, mas também conecta as pessoas às suas raízes e à herança culinária venezuelana. 

Em sua postulação, Norys Margoth Rivas de Rodriguez e o Coletivo de Migrantes Surdos explicaram que, na Venezuela, a sopa é mais que uma refeição; é um símbolo de unidade familiar e hospitalidade. Durante as refeições, amigos e familiares reúnem-se em volta da panela, partilhando histórias e fortalecendo laços. “Em tempos de crise, a sopa torna-se um recurso vital, sendo uma forma acessível de alimentar a família”, destacam.

Para a comunidade de migrantes surdos em Boa Vista, a sopa venezuelana tem sido sinônimo de integração. Como uma herança emocional, o processo de cozimento e preparação possibilita momentos de união e partilha. Do convite para fazer a sopa ao seu preparo, cria-se uma ponte para estreitar laços de amizade e incluir pessoas nos círculos comunitários. 

“Ao reunir as pessoas em torno de uma panela, promove-se não só a troca de receitas, mas também a troca de histórias e experiências de vida, compartilhando a mesma língua materna, a Língua de Sinais Venezuelana (LSV). 

A sopa torna-se um espaço de convivência que permite entrelaçar diferentes pessoas e formas de comunicação, transformando o momento em um símbolo de conhecimento e diversidade. Em cada porção oferecida e consumida, se alimenta a solidariedade e a construção de uma comunidade mais afetuosa e inclusiva.”

(* Em representação do coletivo formado por Erika Hurtado Gonzales, Eunice de Ruiz, Jeniffer Yackelma Guarema Aguiar, João Marcelino dos Santos, Juan Lopez, Laís Priscila Almeida de Jesus, Lennin E. Rodrigues, Manoel Alfredo Ruiz, Mauricio Jose Salazar Guarema, Nelson Miguel Pacheco Aguero, Noris Rivas, Paulo Jeferson Pilar Araújo, Thaisy Bentes de Souza e Yvis Maria Maita)


  • Nome: Diana Cecilia Perez Molina
  • País de nascimento: Colômbia
  • País de residência: Espanha
  • Nome da receitaPaella de butifarra

Natural de Barranquilla (Colômbia) e residente em Barcelona (Espanha) desde 2008, Diana Cecilia Perez Molina é uma cozinheira por paixão que assumiu a tarefa de investigar de onde vem, por estar em um país que não é o seu, com saudade de certos sabores. “Foi o estopim para investigar minha origem e sua história. Somos um mundo de migrantes ao longo da nossa história, cheia de sabores, cores e cheiros”, escreveu na sua candidatura.

“Com a nostalgia dos sabores da minha terra e ao fazer oficinas de gastronomia espanhola, uma vez me pediram para misturar culturas num prato e lembrei-me do arroz butifarra soledeña e comecei a fazer com o arroz especial para paella. O resultado foi um explosão de sabores: o arroz bomba absorve o sabor picante da linguiça. Um prato híbrido, que une o Mediterrâneo e o Caribe em cada mordida, como metáfora da minha própria vida”, afirmou.

Como mostra o vídeo, a linguiça deve ser salteada, depois com a mesma gordura salteiam-se os legumes, acrescenta-se o arroz para deixá-lo perolado e depois acrescenta-se o caldo. Os primeiros dez minutos em fogo alto e os 8 minutos restantes em fogo baixo, deixando descansar por 3 minutos antes de servir. Pode ser acompanhado com limão para ativar os seus aromas. 

A butifarra, segundo a candidata, é uma linguiça que viajou no espaço e no tempo. Da Europa, especificamente da região da Catalunha (Espanha), chega a um município do departamento do Atlântico chamado Soledad, na região do Caribe Colombiano, tornando-se parte da identidade cultural, do orgulho local e da atividade econômica para o sustento de muitas famílias e com tradição artesanal, até se tornar patrimônio gastronômico. Há festivais anuais onde o processo é visto e acontecem degustações. “É um orgulho para a nossa região”, destaca Diana.

Comunidade com a qual a prática será compartilhada: Será num espaço em Barcelona chamado Centro Cívico El Sortidor, onde costumam partilhar receitas interculturais, suas histórias, movimentos migratórios onde a diversidade é demonstrada não só através da gastronomia, mas também da dança, da música, da literatura e de exposições artísticas. A intenção é convidar pessoas que trabalham neste centro e vizinhos e vizinhas que participam ativamente das atividades do bairro Poble Sec.


  • Nome: Rosa Cecília Duran Macias
  • País de nascimento: Colômbia
  • País de residência: Argentina
  • Nome da receita: Mazamorra chiquita

Em Buenos Aires, Rosa Cecilia Duran Macias vende comidas rápidas colombianas. Quando seus clientes lhe perguntam se ela prepara pratos típicos mais elaborados para almoço ou jantar, ela cita alguns, como a mazamorra chiquita, que costuma preparar para 8 a 12 pessoas. 

Em sua inscrição, Rosa conta que aprendeu essa receita com os avós. “Quando eu era menina, eles moravam no campo e eu na cidade. Via que quando desciam do campo para o mercado da cidade, compravam sempre os mesmos ingredientes, carne, cayó, tripa e legumes”, recorda. Intrigada, um dia ela perguntou por que sempre compravam esses produtos às segundas-feiras. E eles disseram que era porque faziam às segundas-feiras a ‘mazamorra chiquita’, que levava esses ingredientes. Esta receita é típica da região de Boyacá, Colômbia.

* Comunidade com a qual será compartilhada a prática: A comunidade da Associação Civil de Direitos Humanos Mulheres Unidas Migrantes e Refugiadas na Argentina (AMUMRA), localizada em Pueyrredón 19, Cidade de Buenos Aires. A receita da mazamorra pequena será preparada para 15 pessoas.


  • Nome: Luz de María Magaña de Rodríguez
  • País de nascimento: El Salvador
  • País de residência: Costa Rica
  • Nome da receita: Tamales de maíz salvadoreños

“Esta receita de tamales de milho é muito importante para a nossa família, porque é uma amostra da riqueza cultural que temos na nossa cidade, que é de origem pipilenca, onde o milho tem sido a base da sociedade, da economia e da tradição alimentar salvadorenha, e através da qual foram criados tantos costumes e tradições maravilhosas, que moldaram as nossas vidas. O mais bonito é que esta tradição foi transmitida a toda a minha família, e vem sendo levada de geração em geração a outros lugares, ​​como hoje a Costa Rica. 

“Os tamales o resumem o amor, o carinho e a partilha de uma colheita que as famílias trabalharam com tanto esforço durante meses para depois poder distribuir o milho e reunir os parentes”, comenta Luz de María Magaña em sua inscrição.

Conheça a receita

Comunidade com que a prática será compartilhada:

A receita dos tamales de milho será compartilhada com pessoas migrantes, em trânsito e em situação de refúgio, moradores da Casa Hogar Cenderos, que é um centro de acolhimento temporário de migrantes localizado na capital da Costa Rica. Doze pessoas (mulheres, meninas e meninos e homens) vivem neste espaço. 

“Partilhar a preparação dos alimentos nos vincula às pessoas, em nível sensorial e espacial. Preparar refeições tradicionais das nossas cidades reconecta-nos com a nossa terra e as nossas tradições, os nossos sabores e o que amamos”, justifica a candidata, destacando que este é um espaço seguro onde migrantes podem dialogar e partilhar sem medo.

Ela conta ainda que este ano participou, neste mesmo espaço, de um projeto que recuperava a contribuição da cultura gastronômica salvadorenha para a sociedade costarriquenha. “Neste projeto promovemos as práticas alimentares tradicionais e a conservação, proteção e transmissão dos conhecimentos tradicionais aprendidos de geração em geração, promovendo os saberes relacionados com a alimentação como símbolo de identidade, que se tece entre a nostalgia, a alegria, o orgulho e o significado de pertencimento.”


  • Nome: Mary Carmen Montero
  • País de nascimento: Venezuela
  • País de residência: Colombia
  • Nome da receita: Majarete venezolano

Em sua inscrição, Mary Carmem Montero conta que o majarete venezuelano, como receita culinária, tem servido como prática de recreação saudável entre a comunidade anfitriã, neste caso Barranquilla, e a família dela. Por ser uma iguaria doce, é muito desejada por meninos e meninas, que constantemente vão à sua casa para comer um pedaço deste prato venezuelano que eles não conheciam.

“Esta receita é muito importante na Venezuela, pois reúne todos os sabores doces e típicos da minha região. Além disso, é uma receita que aprendi diretamente com minha mãe, que me ensinou desde a escolha de um bom coco até seu preparo no fogão a lenha”, afirma.

Comunidad con la que será compartida la práctica:

Esta receita será compartilhada em torno de uma mesa de madeira ao pé de um fogão a lenha, entre moradores da comunidade do bairro El Edén, na cidade de Barranquilla. Serão 25 pessoas, homens e mulheres migrantes venezuelanos, colombianos retornados e colombianos residentes no setor.


  • Nome: Maria Victoria Ospino López* (en representación de la Asociación Cultural La Mancha, con Hortencia Aurora Díaz Zelada)
  • País de nascimento: Colômbia
  • País de residência: Peru
  • Nome da receita: Arepa brasa fusión

No distrito de San Martín de Porres, na província de Lima (Peru), Maria Victoria Ospino López e Hortencia Aurora Díaz Zelada preparam receitas de arepa da Colômbia e da Venezuela. Esta arepa brasa fusión nasceu espontaneamente quando elas falavam sobre os seus gostos culinários, suas receitas e as comidas que vendem na rua.

Hortência contou a Vitória que antes vendia mazamorra morada, arroz doce e tamales para ajudar nas finanças da casa. Victoria, por sua vez, narrou como fazia de tudo para sobreviver na Venezuela no início, quando chegou, e também pouco antes de sair devido à crise. Elas já tinham tentado receitas usando ingredientes locais para substituir os originais, até que se perguntaram por que não experimentar a comida peruana, e o frango grelhado é um prato que todo mundo gosta, por assim dizer. 

Esta receita foi criada por ambas as mulheres, que são amigas e vizinhas e partilham receitas herdadas de sua ancestralidade. Elas buscam partilhar a receita e também proporcionar uma fonte de rendimento por meio da cozinha comunitária, enfrentando a xenofobia.

Em sua inscrição, Victoria conta que tinha cerca de 5 ou 6 anos quando seus bisavós Consuelo e Lucho começaram a fazer arepas, e seu “Papá Lucho” (assim o chamavam) ficou encarregado de trazer o milho que eles havia plantado no pátio da casa. “Ele descascava e deixava secar ao sol. Isso demorava alguns dias. Depois de seco, levavam para o pilão (era um tronco de madeira com um buraco no meio e um mais fino, em forma circular) e lá trituravam e peneiraram”, lembra. Eles adicionavam sal e água a essa farinha. Quando a massa das arepas estava pronta, assavam-nas num fogão de pedras e lenha e colocavam-nas sobre folhas de bananeira. Depois, sua avó utilizava o moinho, também pelo mesmo processo. 

“Na Colômbia, na minha casa, ainda temos o moinho da nossa avó, usamos com muito carinho e homenageamos nossos antepassados. Isso aconteceu em Pijiño del Carmen, distrito de Magdalena, Santa Marta, Colômbia. Já na Venezuela pude aprender como são as receitas de arepa por lá, e em casa pude preparar arepas com sabores dos dois países. Agora no Peru, esta receita continua a se transformar, coletando ingredientes desses três países.” 

Comunidade com a qual a prática será compartilhada:

A Comunidade de La Mancha e a urbanização Peru, no distrito de San Martín de Porres. A ideia é fazer uma demonstração e degustação da receita, para aproximadamente 50 pessoas, e incentivar que mais pessoas possam fazer arepas recheadas com outros pratos peruanos, ou também fazer receitas peruanas com um toque de sabor da Colômbia e da Venezuela.

“É importante fazê-lo num local comunitário porque este espaço é um território que representa as lutas sociais das gerações anteriores e desta forma queremos contribuir para a prevenção da xenofobia na comunidade”, alertam.


  • Nome: Nathalia Carolina Ortega Bravo
  • País de nascimento: Colombia
  • País de residência: Brasil
  • Nome da receita: Sancocho de Mondongo

A palavra “sancocho” vem do latim “sub-coctum”, que significa “cozido em fogo baixo”. Sua origem está no Caribe e é resultado de uma mistura cultural que inclui influências da Europa, da África, do norte da América do Sul e do próprio Caribe. Na Colômbia é comum que as famílias preparem esta “comida meio cozida” para comemorar aniversários ou outras festividades populares. 

“Muitas famílias conseguiram progredir começando com receitas de sancocho, e até foram organizados eventos para arrecadar fundos para cobrir as necessidades da comunidade. Na região caribenha da Colômbia é tradição fazer “passeios de panelas”, excursões a lugares como fazendas, rios ou praias, onde cada pessoa contribui com um ingrediente para preparar o sancocho no destino”, diz Nathalia Ortega Bravo em sua postulação.

Na comunidade da universidade onde estuda em Foz do Iguaçu (Brasil), para onde convergem pessoas de toda a América Latina e de outras partes do mundo, a prática culinária do sancocho tem sido amplamente aceita. “Este prato tem fomentado a criação de amizades e laços de irmandade, pois todos colaboramos contribuindo com uma parte da receita”, afirma.

“Além disso, participamos de diversos festivais gastronômicos da cidade, destacando que a cozinha caribenha é uma das melhores do mundo. Pessoas de diferentes regiões são incentivadas a experimentar o sancocho, ficando fascinadas e recomendando-o a outras pessoas. Esta atividade também se tornou uma fonte de apoio económico para nós”, acrescenta. Segundo ela, a organização das panelas comunitárias gerou “uma troca de saberes e sabores, incorporando a riqueza culinária de outras partes da América Latina e do mundo”.

* Comunidade com a qual a prática será compartilhada:

Esta prática culinária será feira na cidade de Foz do Iguaçu, junto à comunidade universitária de vários pontos da América Latina e do Caribe. A ideia é fazer isso para aproximadamente 30 pessoas no Campus Integração.


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  • Nome: Arleidy Chajmi Villca
  • País de nascimento: Bolivia
  • País de residência: Brasil
  • Nome da receitaAjí de arvejas = Manu Cobrana Mikhuna

O chili de ervilha ou “Manu Cobrana Mikhuna” (em quíchua, “comida para o cobrador de dívidas”) recebeu esse nome em homenagem à avó de Arleidy Chajmi Villca, a boliviana Eufracia Crispin Apaza, que contava uma pequena história sobre essa comida especial. Segundo ela, esse prato deve ser oferecido para quem vem até sua casa cobrar uma dívida, pois no tempo que leva para mastigar a ervilha o cobrador vai comendo, provando e acaba esquecendo de cobrar. “No final, de tão boa e deliciosa, ele se despede agradecendo pela comida saborosa”, explica Arleidy. 

Para ela, as receitas e histórias que cada uma carrega, em sua maioria herdadas das mães e avós, são de grande valor. “Repassá-las para as futuras gerações é de grande importância devido ao valor cultural de nossas famílias e das cidades de onde viemos”, destaca a candidata, que também destaca a facilidade de compartilhar essa receita no Brasil, uma vez que os ingredientes são acessíveis e podem ser feitas trocas de alguns condimentos que são mais aceitos no país, principalmente ají en vaina por páprica doce.

“É bastante agradável compartilhar nossas comidas típicas e sua variada forma de consumo. Minha filha, que nasceu no Brasil e costuma consumir feijão, gosta muito das comidas típicas do meu país e tem curiosidade em usar ingredientes em pratos diferentes da culinária local”, comenta. “A prática contínua das receitas típicas da nossa origem enriquece os saberes culinários, passando assim os conhecimentos desde a minha avó, para a minha mãe, para mim e para a minha filha.”

* Comunidade com a qual a prática será compartilhada: Será no bairro onde ela mora atualmente, em um município da região metropolitana de São Paulo (Brasil). Arleidy pretende compartilhar a receita com seus vizinhos brasileiros mais próximos do bairro e com os compatriotas bolivianos que moram no bairro com seus filhos nascidos no Brasil.


  • Nome: Yidri Carolina Torrealba Diaz*
  • País de nascimento: Venezuela
  • País de residência: Brasil
  • Nome da receitaHallacas venezolanas

As hallacas fazem parte da tradição venezuelana e passam de geração em geração na época do Natal. “É uma tradição dos nossos pais e avós e não se perdeu apesar dos desafios que surgiram com a mudança para outro país”, comentou Yidri Torrealba na sua candidatura. No Brasil, onde mora o coletivo Eventos Last Supper, também formado por Maribel Diaz e Luis Maricuto, a receita é degustada há quatro anos e tem sido bem aceita tanto pela população venezuelana quanto pela brasileira.


* Comunidade com a qual a prática será compartilhada: Será compartilhado com brasileiros e venezuelanos da comunidade Terra Prometida, em Boa Vista (Roraima, Brasil), onde vivem Yidri, Maribel Díaz e Luis Maricuto.


  • Nome: Sergio Lima Castro
  • País de nascimento: México
  • País de residência: Costa Rica
  • Nome da receitaMole poblano

Para o mexicano Sergio Lima Castro, o mole poblano é mais que um prato. É uma tradição que simboliza comunidade e resistência, uma prática que une as famílias da sua comunidade natal: San Simón, Yehualtepec, Puebla. Na sua inscrição, ele explica que se trata de uma invocação aos antepassados, à avó Tacha, à tia Crescencia e à Dona Lupe. O preparo envolve mais de 20 ingredientes e um árduo processo de assar, moer e estufar. 

O ritual de preparação é importante. É muito trabalho, com muitos ingredientes e para muita gente.  Na cidade, se você for a uma festa pedir ‘um pedacinho de mole’, ninguém vai negar; pelo contrário, é um prato que se partilha sem distinção”, afirma.

Na Costa Rica, onde vive, Sergio prepara o mole em ocasiões especiais, partilhando com pessoas de diversas nacionalidades, que vem descobrindo os sabores e a história cultural que este prato contém. 

* Comunidade com a qual a prática será compartilhada: Praticantes de ioga e amigos se encontrarão no espaço cultural El Apapacho, que estão promovendo na Costa Rica, oferecendo aulas de ioga, sessões de dança e movimento, jantares e refeições coletivas.


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  •  Nome: Diana Carolina Cordero Mendieta
  •  País de nascimento: Equador
  •  País de residência: Espanha
  •  Nome da receitaTamal cuencano

A receita do tamal de Cuenca é fundamental na comunidade de origem de Diana Carolina Cordero, não só pelo seu valor culinário, mas também pelo seu significado cultural e social. No Equador, os tamales são preparados em diversas regiões e cada uma tem sua maneira particular de fazê-lo. “O tamal não é só um prato para encher o estômago; é um símbolo de unidade familiar e comunitária. Em Cuenca, o tamalito é feito com uma massa mais macia, podendo ser de frango ou de porco, acompanhado de ervilha, ovo e algumas passas”, destaca.

Tradicionalmente, a preparação de tamales é um evento coletivo onde participam várias gerações. Alguns se encarregam de procurar as folhas (há cada vez menos), outros picam finamente os legumes e há quem mexa com a colher o recheio e a massa enquanto tudo cozinha. “Este processo não se trata apenas de cozinhar, mas de partilhar histórias, tradições e saberes que são transmitidos de geração em geração. Cada tamal tem sua história, ligada à identidade da nossa comunidade, e prepará-los é uma forma de homenagear nossas raízes”, afirma Diana.

Além disso, o tamal costuma ser preparado em ocasiões especiais, como feriados, celebrações familiares e reuniões comunitárias. A sua presença na mesa representa a hospitalidade e o carinho oferecidos aos entes queridos e visitantes, criando um ambiente acolhedor e próximo. “Este prato nutre não só o corpo, mas também o espírito, reforçando os laços familiares e comunitários”, acrescenta.

Na sua candidatura, Diana diz ainda que esta receita tem um profundo valor sentimental, pois a aprendeu com a mãe, que sempre reúne família e amigos para partilhar os seus famosos tamales. “Ao prepará-lo pela primeira vez na Espanha, me senti profundamente comovida e ligada à minha terra e à minha mãe”, expressa.

Embora a maioria dos ingredientes esteja acessível nos mercados locais da Espanha, ela enfrentou o desafio de adaptar folhas de achira, usando folhas de bananeira congeladas que encontrava em lojas latinas. E como não havia panela tamalera ali, ela pediu a uma vizinha que emprestasse uma panela a vapor que desempenhasse funções semelhantes.

“Também queria incorporar ingredientes da minha nova casa nesta receita. Por isso resolvi acrescentar azeitonas, páprica doce e passas, o que além de enriquecer o sabor do tamal, simboliza meu processo de adaptação cultural”, afirma. O resultado superou suas expectativas. 

Apresentar esta receita no contexto da sua experiência de imigração, segundo ela, não procura apenas preservar uma tradição culinária, mas também revitalizar e partilhar um legado cultural que enriquece a sua identidade e a da sua comunidade. “Através desta receita, espero manter vivo o espírito da minha casa e oferecer um pedacinho da minha cultura a quem me rodeia na minha nova vida em Espanha”, diz.

* Comunidade com a qual a prática será compartilhada:

A prática culinária será compartilhada com a sua turma catalã, um grupo diversificado formado principalmente por migrantes da América Latina e da África. “Esta aula não é apenas um espaço de aprendizagem de línguas, mas também um ponto de encontro cultural onde partilhamos as nossas histórias, tradições e experiências. Ao preparar e compartilhar esta receita, espero criar um ambiente de convívio e conexão entre os alunos. “Cada um de nós traz consigo uma bagagem cultural rica e diversificada, e o tamal de Cuenca será uma forma deliciosa de celebrar a nossa diversidade.”


  • Nome: Luisa Rosalia Cardiel Bravo
  • País de nascimento: Venezuela
  • País de residência: Brasil
  • Nome da receitaDulce de lechosa

Luisa Rosalia Cardiel Bravo trocou Caracas (Venezuela) por Boa Vista (Roraima, Brasil) em 2019. “Tive que sair da Venezuela com meus três filhos devido à situação econômica, ao alto custo dos alimentos e à escassez. O primeiro impacto a chegar foi o idioma. Depois de quase seis anos, ainda estamos nos adaptando ao idioma”, afirma no vídeo enviado junto com sua inscrição.

A prática culinária que ela apresenta nesta edição do concurso é o doce de leite, receita que aprendeu com a avó, que também lhe ensinou que era importante cantar uma música enquanto cozinhavam, para que o doce tivesse um toque de alegria. “Este doce é preparado durante as férias, quando as famílias se reúnem e ficam felizes por estarem juntas.”

No Brasil, a comunidade onde esta receita será compartilhada em dezembro é João de Barros, uma comunidade de migrantes e brasileiros na cidade de Boa Vista.