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Congressos de Cultura Viva Comunitária: os fios da história e a capacidade de enredar-se
Em 06, dez 2016 | Em Notícias |
Fotos: Georgina García/Puntos de Cultura
Um novelo passou de mão em mão no teatro do Centro Cultural San Martín, em Buenos Aires, no segundo dia do 1º Encontro de Redes IberCultura Viva e do 3º Encontro Nacional de Pontos de Cultura da Argentina. O tema era o lançamento do 3º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária — que será realizado de 20 a 25 de novembro de 2017 em Quito, Equador—, mas não se resumiu a isso. Antes de o equatoriano Nelson Ullauri anunciar os dias do evento, outros companheiros do Conselho Latino-americano de Cultura Viva Comunitária subiram ao palco para falar das edições anteriores dos congressos, organizadas por redes de Cultura Viva na Bolívia em 2013, e em El Salvador em 2015.
O historiador Célio Turino, um dos criadores e principais impulsores da ideia de Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, foi o primeiro a tomar o novelo nas mãos. Buscando recuperar o fio da história, lembrou o mito de Ariadne (a filha do rei que deu a Teseu um novelo para que lhe servisse de guia no labirinto onde entraria para matar o Minotauro) para dizer que assim também é com a cultura, com a história, com nós mesmos. “Sempre entramos em labirintos, e é necessário que tenhamos condições de sair”, comentou.
Segundo Turino, a história da Cultura Viva “começou com o primeiro indígena que entrou neste continente e compartilhou os conhecimentos mais simples, como os segredos de uma erva para curar uma dor”. Daí viria uma parte do que se pensou para os Pontos de Cultura: que os governos dirijam seus orçamentos, seus investimentos, para as iniciativas já desenvolvidas pelas pessoas em suas comunidades, porque são elas que têm a sabedoria, “são elas que constroem as coisas”.
Uma linha do tempo projetada no fundo do palco ajudava a contar a história desta política pensada de baixo para cima. Entre os principais marcos estavam o Fórum Social Mundial de 2009, realizado em Belém do Pará, com organizações latino-americanas reunidas na mesa de debate “Pontos de Cultura: Políticas Públicas e Cidadania Cultural”, e o Encontro Latino-americano Plataforma Puente, que levou a Medellín (Colômbia) uma centena de organizações culturais comunitárias em 2010 e resultou no lançamento da rede continental Plataforma Puente Cultura Viva Comunitaria.
Primeiro congresso
Turino passou o novelo para o boliviano Iván Nogales quando a história chegou a 2012, ano em que o Teatro Trono – Compa, fundado por ele em 1989, fez a “Caravana por la Vida – De Copacabana a Copacabana”. Em um teatro-caminhão, 25 atores saíram do Lago Titicaca (Bolívia) rumo à Cúpula dos Povos na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro. A aventura foi um fator crucial para a decisão de ter a Bolívia como sede do primeiro Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária.
No Rio decidiu-se que assim como os bolivianos mobilizaram uma caravana para vir ao Brasil, as organizações comunitárias de outros países iriam se mobilizar para fazer o caminho de volta no ano seguinte, em uma Caravana por la Paz, e ali realizar seu primeiro congresso. “Insistiram para que nós fôssemos os organizadores”, contou Nogales. “Me disseram que seriam uns 250, 300. Chegaram 1200. Os argentinos eram quase 300; os brasileiros, 270; os peruanos, uns 170; os colombianos, 40… Havia de tudo. Foi épico. Nos reunimos durante três dias e conseguimos coisas muito significativas em políticas públicas para o continente. O movimento se faz sólido à medida que somos capazes de nos enredar.”
A cidade de La Paz foi “tomada poeticamente por assalto” por cerca de 1.200 ativistas artístico-culturais provenientes de 17 países da América Latina em maio de 2013. Participaram 35 representantes de governos, formando uma aliança em defesa de políticas públicas que garantam 0,1% dos orçamentos públicos para a Cultura Viva Comunitária. Finalizado o congresso, elaborou-se de maneira coletiva um manifesto denominado “Declaração de La Paz”, no qual os participantes ressaltavam o que havia significado este evento e algumas de suas perspectivas.
Segundo congresso
Das mãos de Iván Nogales, o novelo passou para Marlen Argueta, da Rede Salvadorenha de Cultura Viva Comunitária, organizadora do 2º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária, realizado em outubro de 2015, sob o lema “Convivência para o bem comum”. Ao tomar o microfone, Marlen chamou ao palco os outros representantes da América Central presentes e comentou como a “bandeira da Cultura Viva Comunitária se converteu em uma esperança” para as organizações da região, marcada por décadas de lutas, conflitos e massacres.
Segundo ela, a ideia inicial era que a Guatemala (aqui representada por Doryan Bedoya, do coletivo Caja Lúdica, e Claudia Orantes, do grupo Caracol) fosse a sede do segundo congresso, mas algumas dificuldades acabaram mudando os planos para El Salvador. “Assumimos o compromisso e recebemos 500 pessoas de 17 países. Éramos, no final, 700. Estivemos nos principais parques e avenidas de San Salvador e aproveitamos para levar toda essa gente até os bairros, as comunidades, tomando as praças e reivindicando o público”, ressaltou. Em San Salvador ficou acordado que o congresso seguinte seria no Equador.
Terceiro congresso
Quando chegou sua vez de falar, o equatoriano Nelson Ullauri disse que queria começar com uma metáfora andina. “Quando se fala de sementes, de começos de processos, fala-se dos acendedores de fogo. Todo acendedor o faz de baixo para cima, e há que se manter esse fogo aceso, há que seguir alimentando-o para que inunde todos os nossos espaços, sentimentos, corações e futuros”, afirmou.
Para Ullauri, que trabalha com gestão cultural comunitária desde 1990, assim também se dá o processo de Cultura Viva. “Não surge da noite para o dia de tal ano, é um processo milenar de todas as culturas e povos ancestrais, uma vez que eles manejaram a cultura e o comunitário. Hoje somos gratos anfitriões do 3º Congresso de Cultura Viva Comunitária, e existe um longo processo, um longo caminhar, na questão do comunitário, da gestão cultural e de bairro. É preciso resgatá-lo, fortalecê-lo, revitalizá-lo. (…) Que o 3º Congresso se constitua em uma verdadeira referência do que queremos que seja realmente o movimento.”
O comunitário, segundo Ullauri, é o enfoque fundamental do 3º Congresso Latino-americano. A ideia é levar a Quito reflexões sobre isto, sobre os avanços de uma sociedade que temos que construir, “uma sociedade livre de egoísmos, de personalismo, onde prime o comunitário”. “Queremos convidar os companheiros da América Latina para que acolham esse debate em seus territórios, e possamos chegar ao Equador com um discurso sólido e uma experiência sólida, e possamos ter uma proposta sólida de Cultura Viva Comunitária. Que levemos um amálgama imenso de pontes, de saberes, para que realmente se constitua uma referência em termos dos processos sociais. Que o encontro seja uma reunião da sagrada família latino-americana sonhando com futuros melhores, com um mundo melhor, construindo de pouco a pouco. Não podemos perder nunca a esperança.”