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Cultura viva: um desenho construído ponto a ponto no Espaço Cultural Ibero-americano
Em 01, dez 2016 | Em Notícias |
Fotos: Georgina García/Puntos de Cultura
Quando perguntaram ao historiador Célio Turino se ele queria algo especial para a conferência que daria na abertura do 3º Encontro Nacional de Pontos de Cultura da Argentina, nesta quarta-feira (30/11) em Buenos Aires, ele pediu uma escada. Como gosta de falar de improviso, não pensou em vídeo, powerpoint, nada disso. Só queria uma escada para mostrar como a imagem criada para o evento (vários círculos juntos, de tamanhos diferentes, formando o número 3) tinha tudo a ver com a ideia dos Pontos de Cultura.
“Há pontos fechados, abertos, pequenos, grandes, com mais ou menos cor, formando esta imagem. Eu diria que aí está a beleza dos Pontos de Cultura e da Cultura Viva”, comparou o ex-secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (2004-2010). “Cada um, de maneira diferente, produz este processo de intersecções. E essas intersecções vão permitindo que um círculo se conecte com outro e outro… Ou seja, este círculo poderia ter uma forma diferente daquele. No entanto, quando se conectam, eles mudam e formam coisas, como esta imagem.”
Foram essas ideias – de que Cultura Viva é um desenho construído ponto a ponto, e de que muitos pontos reunidos podem de fato mudar as coisas – que deram o tom do 1º Encontro de Redes IberCultura Viva, aberto ontem (30/11) no Centro Cultural San Martín, em Buenos Aires. O evento tem programação conjunta com o 3º Encontro Nacional de Pontos de Cultura, realizado pelo Ministério de Cultura da Argentina, e segue até amanhã (02/12) com uma série de atividades reunindo representantes de governos e de organizações comunitárias de 17 países ibero-americanos.
Mesas de abertura
O 3º Encontro Nacional de Pontos de Cultura foi aberto por Enrique Avogadro, secretário de Cultura e Criatividade do Ministério da Cultura da Argentina. “O Estado vem perdendo o monopólio estrito das políticas públicas porque aparece outro conceito muito interessante, que é o de inteligência coletiva. Ou seja, a ideia de que todos juntos pensamos muito melhor do que cada um de nós em separado”, comentou. “Portanto, as políticas públicas têm que ser feitas em rede. Uma rede cada vez mais forte não só pela formação, pela capacitação, mas fundamentalmente pela possibilidade de intercâmbio.”
A Rede Nacional de Pontos de Cultura da Argentina (em espanhol, o programa ganhou o nome de “Puntos de Cultura”) atualmente conta com 650 organizações socioculturais. Grande parte delas esteve representada na abertura do encontro. Cerca de 500 pessoas assistiram aos discursos da mesa de abertura, composta por Enrique Avogadro, pelo ministro da Cultura da Argentina, Pablo Avelluto, e por Alejo Ramirez, diretor sub-regional para o Cone Sul da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib).
Ramirez falou do protagonismo exercido pela cultura nos programas de cooperação ibero-americanos (dos 25 programas e iniciativas mantidos pela Segib, 70% estão vinculados diretamente aos temas culturais). Falou do IberCultura Viva, um programa novo (sua primeira reunião se deu em 2014, na Teia de Natal), “com uma vigência e uma atualidade muito importantes, inclusive por mostrar como a inteligência coletiva toma o controle de determinados espaços e como a partir da cultura pode-se romper a lógica centro-periferia”. Ao final, reforçou o que Avogadro havia dito pouco antes: “Inteligência coletiva é o que a nossa região mais necessita”.
Inclusão e cidadania
O ministro Pablo Avelluto, o terceiro a falar na manhã desta quarta-feira, destacou as áreas em que o programa Pontos de Cultura trabalha simultaneamente, como a promoção e a defesa do patrimônio cultural, o desenvolvimento da criação artística e cultural das comunidades, o impacto das indústrias criativas. E chamou a atenção especialmente para o papel da cultura como ferramenta para a inclusão da cidadania.
”Quando vimos o quanto este programa havia se desenvolvido nos últimos anos, nosso compromisso foi o de ampliá-lo, aperfeiçoá-lo, facilitar o acesso, articular melhor as redes, melhorar o resultado em termos de investimento”, afirmou Avelluto. “Compartilhamos profundamente a ideologia deste programa. Não se trata de uma opção partidária. Para além disso, tem a ver com as maneiras com que, por meio da cultura, geramos inclusão e cidadania.”
Com o programa, segundo o ministro, criou-se a possibilidade de que milhares de argentinos, conectando-se com organizações da sociedade civil, tivessem acesso a seus direitos. No caso, os direitos culturais. “Por isso a palavra do dia é comunitário. É aquilo que temos em comum, cada cidadão em sua produção simbólica. O sentido comunitário é o aspecto ideológico mais profundo. Atravessa qualquer distinção partidária e garantirá que este programa se mantenha, siga melhorando e crescendo.”
Trabalho comum
Na sequência, tomaram lugar à mesa Diego Benhabib, coordenador dos Pontos de Cultura da Argentina, e Daniel Castro, coordenador-geral de Promoção da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e representante da presidência do IberCultura Viva. (O Brasil tem a presidência do Comitê Intergovernamental do programa desde 2014, num mandato de três anos)
Após saudar os trabalhadores da cultura presentes, aqueles “que trabalham para que nossas nações se pareçam consigo mesmas”, Castro lembrou que o IberCultura Viva busca ser um espaço de encontro, de intercâmbio e fortalecimento de políticas com sentido territorial de base comunitária, no âmbito ibero-americano. Ressaltou que o programa conta atualmente com nove países-membros (Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Espanha, México, Peru e Uruguai), mas que ali estavam muitos outros, “em processo de aproximação e construção de outros espaços, de outras formas de integração”.
“O importante é o trabalho comum entre os interlocutores governamentais e da sociedade civil em todos esses países. Que se construam pontes, que se possa viver em espaços de cooperação, trabalhando para transformar as relações de desigualdade e desrespeito”, afirmou, destacando também alguns elementos cruciais da política de Cultura Viva, como a participação social, as instâncias autônomas da representação da sociedade civil, a gestão compartilhada, o diálogo.
“O Estado necessita da inteligência da gente que trabalha com cultura, para transformar o Estado em si mesmo. Ao viver os mecanismos que o Estado implementa, com seus dilemas, seus problemas, a sociedade nos traz uma devolução que é crucial para construir novas formas de apoio, fomento, participação social, reconhecimento simbólico. Nos falta muito para chegar a instrumentos que estejam realmente adequados à realidade, que deem ênfase aos resultados alcançados pelos projetos que recebem recursos públicos, e não simplesmente enfocando em excessivos detalhes a prestação de contas financeira.”
A importância da aproximação do governo federal com os estaduais e municipais foi outro ponto mencionado por Daniel Castro, assim como a relevância de políticas transversais e complementares no campo social. “É uma política sociocultural o que se trata aqui. Ou seja, é importante que existam políticas fortes, que atuem de forma integrada no campo dos direitos humanos, ações voltadas para os povos originários, afrodescendentes e outros povos e comunidades, de promoção de igualdade de gênero, igualdade racial, saúde, educação e comunicação.”
Novos Pontos
Diego Benhabib, por sua vez, lembrou que o propósito do programa Pontos de Cultura na Argentina é apoiar não apenas as ações de organizações da sociedade civil com projetos socioculturais em territórios, mas também as redes de cultura comunitária do país. “A ideia de organização é o eixo central desta política, e achamos que tem que ser assim, porque um grupo pode alcançar seus objetivos, mas trabalhando com outros, esses objetivos podem ser maiores. O mesmo acontece quando uma organização trabalha em seu território, ou em conjunto com outras. Ao trabalhar com outras organizações, o impacto de suas ações é muito maior. A rede existe antes do programa, e fortalecê-la é um dos eixos centrais da política de Pontos de Cultura este ano”.
Benhabib também destacou os resultados do quarto edital de Pontos de Cultura, lançado este ano. Foram recebidos mais de 850 projetos — depois de três instâncias de seleção, foram premiados 228. Esses novos Pontos de Cultura vêm de 116 localidades, de 21 províncias argentinas, e têm perfis muito variados, indo desde bibliotecas comunitárias até clubes esportivos, centros de bairros e coletivos de educação popular.
Anfitrião do encontro, o coordenador dedicou parte de sua fala à programação, explicando como se dariam os três dias de conferências, capacitações, oficinas, fóruns, grupos de trabalho temáticos, mostras de produções artísticas e espetáculos. Neste primeiro dia, foram escalados para o palco principal, entre outros, o mestre charanguista Jaime Torres, um dos maiores da música folclórica argentina, e a cantora e antropóloga saltenha Silvia Barrios.
Grupos de trabalho
A tarde deste primeiro dia foi dedicada a uma série de oficinas simultâneas para os Pontos de Cultura argentinos. Entre as temáticas abordadas estavam “Gestão cultural das organizações”, “Apresentação de projetos culturais” e “Sistematização de experiências comunitárias”. Enquanto os argentinos seguiam com as atividades, realizadas ao mesmo tempo em diferentes salas do Centro Cultural San Martín, os convidados do 1º Encontro de Redes Ibercultura Viva revezaram-se em três salas, nos seguintes grupos de trabalho: “Participação social e cooperação cultural”, “Legislação para as políticas culturais de base comunitária” e “Formação em políticas culturais de base comunitária”.
Coordenado por Fresia Camacho, diretora de Cultura do Ministério da Cultura e Juventude de Costa Rica, o grupo “Participação social e cooperação cultural” reuniu cerca de 30 pessoas. Entre elas estavam três representantes da Comissão Nacional de Pontos de Cultura do Brasil: Alice Monteiro Lima, do Pontão Cariri Território Cultural (PB); Cacau Arcoverde, do Ponto de Cultura Orquestra Sertão (PE); e Sebastián Gerlic, da organização Thydewá (Pontão Esperança da Terra, BA). Um dos objetivos do grupo, além do intercâmbio de experiências, é avançar na construção de uma mesa intersetorial da sociedade civil de acompanhamento do programa IberCultura Viva.
Daniel Castro ficou com a coordenação do grupo “Legislação para as políticas culturais de base comunitária”, com oito integrantes. Esta mesa de trabalho aborda os avanços no campo legislativo e jurídico-administrativo, a partir das experiências de leis aprovadas no Brasil e no Peru (representado por Paloma Carpio, coordenadora do Programa Puntos de Cultura entre 2012 e 2015). Também busca estimular a criação e o aprimoramento de normas que fortaleçam as políticas públicas da área. Já o terceiro grupo, formado por 20 pessoas e coordenado pelo salvadorenho Alexander Córdova, terá dois temas a tratar nesses três dias de encontro: a construção de mapas e indicadores e a formação em políticas culturais de base comunitária.
A programação prevista para sábado (03/12) estará aberta apenas para os representantes de governos do programa: será realizada a 5ª Reunião do Comitê Intergovernamental IberCultura Viva. O último encontro dos países membros foi na Costa Rica, em junho deste ano.